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A ideia básica de regulação responsiva é a de que os governos devem ser responsivos à conduta daqueles que procuram regular a fim de decidir se uma resposta mais ou menos intervencionista é necessária. O que significa ser responsivo, nesse contexto? Significa, em primeiro lugar, que o regulador deve ser sensível à forma como efetivamente cidadãos ou

213 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 160.

214 AYRES, I.; BRAITHWAITE, J. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford, UK: Oxford University Press, 1992, p. 3.

empresas estão se autorregulando antes de decidir se a intervenção estatal em determinada atividade deve ser grande ou pequena, se deve diminuir ou aumentar215.

Assim, os autores argumentam que a teoria responsiva da regulação se distingue de outras dinâmicas regulatórias em dois pontos fundamentais: (a) o que desencadeia a resposta regulatória; e (b) como se dá a resposta regulatória.

Na visão command and control, a resposta regulatória é, em geral, fixada ex ante, sem prejuízo, é claro, de aplicação de punições ex post; ou seja, anteriormente à análise em concreto de condutas praticadas pelos atores regulados, há o estabelecimento de previsões normativas de condutas a pautarem a atuação dos regulados. Portanto, o que desencadeia aqui a resposta regulatória, por meio de edição de regulamentos e resoluções de caráter técnico, é a mera existência de um mercado a ser regulado, presumivelmente dotado de relevância pública.

Consequentemente, a resposta regulatória se dá pela mera subsunção dos fatos à norma regulatória de conduta: se o ator regulado cumpriu as determinações normativas, não será punido; se as violou, deverá ser sancionado com as penas previstas na legislação.

A teoria responsiva da regulação propõe outra solução. Ao observar as dinâmicas regulatórias aplicadas, Ayres e Braithwaite afirmam que há uma longa história de disputa infértil, no seio das agências reguladoras e da própria academia, entre aqueles que pensam que os entes regulados somente cumprirão as determinações regulatórias quando confrontados com a possibilidade real de pesadas sanções e aqueles que acreditam ser possível conseguir essa compliance com a legislação utilizando-se somente a ferramenta da persuasão216.

Ayres e Braithwaite propõem que esse debate, fortemente polarizado, seja superado por uma visão de equilíbrio entre os dois modelos. Assim, para eles, a pergunta regulatória crucial não deve ser “punir ou persuadir”, mas sim “quando punir, quando persuadir?”. Para aplicar o modelo na prática, Ayres e Braithwaite sugerem uma tática “tit for tat” (TFT), expressão que pode ser (mal) traduzida como “toma lá, dá cá”. A estratégia TFT afirma que o regulador deve se abster de maiores punições à medida que a empresa regulada está cooperando; se ela deixar de cooperar e tentar se aproveitar, em benefício próprio, do modelo regulatório adotado, a agência reguladora deve partir para a punição217.

215 Idem, ibidem, p. 4. 216 Idem, ibidem, p. 20. 217 Idem, ibidem, p. 21.

Na pesquisa empírica realizada pelos autores, e corroborada por outras fontes, restou claro que os atores regulados são motivados por uma ampla gama de fatores, e uma política regulatória correta pode e deve corresponder a essas diversas motivações dos regulados. Assim, postulam que a estratégia TFT é a mais adequada não só para constranger os atores classificados como “calculadores econômicos” a cumprir a lei, mas também a inculcar confiança e gerar virtudes cívicas218.

Quando se estuda a teoria da regulação responsiva, pode-se ter uma primeira impressão acerca de sua possível leniência, e daí se inferir que ela não funciona porque assume, como falsa premissa, que os regulados seriam necessariamente cooperativos, dispostos a fazer o bem naturalmente, sem se importar com os custos e prejuízos que suas atitudes iriam gerar.

Na visão de seus formuladores, é necessário, antes de tudo, olhar a realidade do mercado, suas práticas concretas, para se avaliar qual deve ser o nível de intervenção regulatória em determinado setor. Em todos os setores regulados, haverá aqueles que tenderão a cooperar mais e aqueles que serão “recalcitrantes”. Deve-se, portanto, moldar a resposta regulatória de acordo com a atuação da firma regulada.

Ayres e Braithwaite deixam bem claro que não se deve partir do pressuposto de que as empresas são puramente profit maximizers. Muitos, dentro das empresas, valorizam a reputação delas, e de si mesmas, como um bem próprio, valioso por si só. E a implicação disso é que a estratégia TFT pode muito bem trabalhar com sanções de publicidade adversa, ameaçando o regulado em sua reputação caso não coopere219.

Na pesquisa empírica de Braithwaite sobre abrigos e asilos de pessoas idosas na Austrália, eles puderam constatar como os diretores das empresas, por diversas vezes, atuavam com senso de responsabilidade por quem estavam cuidando, fazendo muito mais do que lhe impunham os “requisitos legais mínimos para a prestação de um bom serviço”, deixando claro como a motivação de alguns para o cumprimento das leis e das normas não está exatamente na perspectiva da punição, mas em um conceito próprio de responsabilidade social220.

Destarte, seria uma incorreta leitura da atuação dos atores do mercado a que afirma serem eles somente motivados pelo lucro. Ayres e Braithwaite rejeitam, portanto, uma

218 Idem, ibidem, p. 20. 219 Idem, ibidem, p. 22. 220 Idem, ibidem, p. 22-23.

estratégia regulatória baseada somente na punição ou fundada somente na persuasão. Não é difícil entender o porquê: aqueles que visam, apenas, ao lucro, ou preponderantemente ao lucro, irão explorar a boa-fé do regulador e utilizar, em proveito próprio, a estratégia da persuasão; ao mesmo tempo, uma estratégia baseada, somente, na punição irá solapar a boa vontade daqueles regulados que são motivados por um senso de responsabilidade221.

Além do mais, e esse ponto é extremamente importante, como se verá ao longo das páginas a seguir, um perigo crucial da postura exclusivamente punitiva, que projeta expectativas negativas acerca da boa-fé, da vontade de cooperação do regulado, é que ela inibe a autorregulação222.

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