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Os autores fazem, também, um contraponto expresso à teoria avançada por Oliver Wendell Holmes, o famoso jurista norte-americano e justice da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Em um seminal artigo, denominado “The Path of Law”223, Holmes assim se expressou sobre sua Teoria do Direito:

Pode-se ver bem claramente que um homem mau tem tanta razão quanto um homem bom para desejar evitar um encontro com o poder público. Caso se queira saber a lei e nada mais além dela, deve-se vê-la como um homem mau, que só se preocupa com as consequências materiais que tal conhecimento lhe permite predizer, não como um homem bom, que encontra suas razões para conduzir-se, dentro ou fora da lei, nas sanções mais vagas da consciência224.

De acordo com a leitura mais comum da teoria de Holmes, a lei deve ser abordada e compreendida como o próprio homem mau dela se aproximaria e a compreenderia, ou seja, não com uma mentalidade do homem racional, preocupado com as razões para a existência de uma lei especial, mas sim como um homem calculista e amoral (ou talvez, imoral) (homem mau), alguém que, nas próprias palavras de Holmes, “só se preocupa com as consequências materiais” de suas ações. Segundo a interpretação que parece a mais comum, alguém que “só se preocupa com as consequências materiais” é quem somente leva em consideração, na sua

221 Idem, ibidem, p. 24. 222 Idem, ibidem, p. 25.

223 HOLMES JR., Oliver Wendell. The path of the law. 10 HARV. L. REV. 459, 1897.

224 HOLMES JR., Oliver Wendell. The path of the law. Excerto traduzido. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/discursojuridico/article/download/262/126>. Acesso em: 27 abr. 2016.

decisão de cumprir ou não as leis, a diferença entre as vantagens a serem adquiridas e a pena a ser sofrida por violar esta ou aquela disposição legal225.

Ayres e Braithwaite rejeitam a noção de Holmes de que a Lei deveria adotar somente a perspectiva do “homem mau”. Eles argumentam que assumir a postura punitiva como a primeira opção regulatória é contraprodutivo e isso por várias razões.

Afirmam que a punição é cara; a persuasão, barata. Assim, se for tentada a persuasão em primeiro lugar, e ela funcionar a contento, recursos serão economizados para serem utilizados na expansão da fiscalização, por exemplo. Ao contrário, se a punição for, desde logo, a primeira escolha, o regulador, provavelmente, passará mais tempo nas cortes judiciárias do que regulando propriamente falando226.

Ademais, a mentalidade punitivista engendra um jogo de gato e rato entre regulador e regulado. Assim, as empresas desafiam o “espírito da lei”, explorando as brechas normativas, e o regulador reage escrevendo mais e mais regras para impedir a atuação maliciosa das firmas. O resultado disso, afirmam Ayres e Braithwaite, é duplo: 1) incremento no número de regras que pode tornar o todo incoerente; 2) legalismo estéril que se concentra em violações mais visíveis, simples e específicas, negligenciando os problemas sistêmicos do setor regulado.

A tese avançada por Braithwaite, em outro trabalho227, é que as regras precisas regulam de forma mais consistente os fenômenos simples do que os princípios. Uma concepção parecida é defendida no trabalho de Rafael Lima, para quem as regras estabilizam as expectativas dos regulados sobre a definição do que deve ser juridicamente exigido. Assim é que as regras trariam mais estabilidade ao Direito justamente porque mais previsíveis, ainda mais quando comparadas aos princípios, que dependeriam da contingência do caso concreto.228

Isso é importante se se considera que a abordagem tradicional, diante de um problema regulatório, é multiplicar as regras de forma a, pretensamente, não deixar espaço para violações.

225 JIMENEZ, Marco. Finding the good in Holmes’s bad man. 79 Fordham L. Rev. 2069. 2011. Disponível em: <http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol79/iss5/9>. Acesso em: 27 abr. 2016.

226 AYRES, I.; BRAITHWAITE, J. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford, UK: Oxford University Press, 1992, p. 26.

227 BRAITHWAITE, John Bradford. Rules and principles: a theory of legal certainty. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 27, p. 47-82, 2002, p. 47. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=329400> <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.329400> Acesso em: 28.11.2016.

No entanto, à medida que os fenômenos regulamentares tornam-se mais complexos, princípios parecem entregar mais consistência que as regras. A conclusão a que ele chega é a de que a consistência nos domínios complexos pode ser ainda encontrada, realizada, por meio de uma combinação adequada de regras e princípios. Quanto mais complexo o domínio, o mais provável é que um conjunto de regras não vinculativas, apoiadas por princípios vinculativos, ofereça maior consistência. Robert Baldwin argumenta, também, que a razão para o não funcionamento das regras é que elas são tipicamente promulgadas/avaliadas sem referência ao contexto de sua implementação229.

Por fim, os autores afirmam, e isso vem bem a calhar quanto ao tópico desta dissertação, que a persuasão deve ser mais buscada e incentivada nos setores que padecem de grandes e rápidas mudanças tecnológicas, uma vez que a regulamentação que pretenda detalhar demais o conteúdo da lei não conseguirá se manter atual frente às mutações da realidade.

Adotar a estratégia de punição somente com as empresas mais recalcitrantes, que descumprem a intenção do regulador, o espírito das normas, teria, também, o potencial de aumentar a chance de vitória do regulador em eventual batalha no Poder Judiciário, uma vez que a punição seria mais facilmente justificada dado o histórico de relativa leniência anterior230.

A abordagem “primeiro persuasão e depois punição” também ajudaria a espalhar, no setor regulado, um senso de justiça em relação às firmas que se mantiveram responsáveis e fugiram do jogo de gato e rato com o regulador. E Ayres e Braithwaite afirmam que essa percepção da justiça é deveras importante para fomentar o cumprimento voluntário da regulamentação. Citam, para tanto, um interessante estudo de Bardach e Kagan, no qual se constatou que, nos mercados em geral, 20% das empresas cumpririam as regras de qualquer maneira, 5% tentariam descumpri-las sem serem punidas e as restantes 75% possivelmente cumpririam as regras, contanto que a punição aos 5% restantes que descumprissem as regras fosse uma ameaça credível231.

A menção que aqui se fez aos tipos de atores regulados nem sempre corresponderá, exatamente, ao de outros doutrinadores. Apenas a título de exemplo, mencione-se que Yuval

229 BRAITHWAITE, John Bradford. Rules and principles: a theory of legal certainty. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 27, p. 47-82, 2002, p. 47. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=329400> <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.329400> Acesso em: 28.11.2016.

230 AYRES, I.; BRAITHWAITE, J. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford, UK: Oxford University Press, 1992, p. 26.

Feldman fornece outra classificação dos tipos de atores que se encontram no mercado. Há basicamente, segundo ele, cinco tipos de regulados que um regulador pode encontrar. O primeiro é aquele movido por estímulos, incentivos (Incentive-Driven Individual), cuja marca característica é o cálculo do custo benefício.232 O segundo é o indivíduo racional (Reason- Driven Individual), que procura, acima de tudo, ser convencido da razoabilidade das atitudes do regulador.233 O terceiro é o ator orientado por um viés social (Socially-Oriented Individual); segundo Feldman, isso significa que é um agente que procura, nas relações sociais, sua identidade, e o foco do regulador, nesse caso, tem que mudar da justiça da norma para, por exemplo, a quantidade de indivíduos que seguem e cumprem a norma, estimulando- o a cumprir também.234 O quarto tipo de ator regulado é aquele que age guiado por decisões morais (Morality-Oriented Individual), como ausência de dano a outros. Por fim, haveria o ator motivado por razões de cidadania (Citizenship-Oriented Individual), ou seja, que obedeceria aos preceitos em razão de eles emanarem de uma autoridade soberana, a quem compete criar regras. 235

De toda forma, nesse cenário, de acordo com a teoria responsiva, a estratégia TFT é uma modelagem excelente: o regulador coopera com as firmas responsáveis até que elas decidam descumprir as regras, evitando assim solapar a boa-fé daqueles que, voluntariamente, desejam se submeter às disposições regulatórias; sendo duro com aqueles que violam as regras, o regulador mostra ao ator que é um “calculador racional” que os ganhos advindos da traição da posição de cooperação não compensam, nem mesmo economicamente236.

2.4 O DESIGN DAS ESTRATÉGIAS E PUNIÇÕES REGULATÓRIAS – A FIGURA DA

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