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Consoante ao texto normativo da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997), o STFC insere-se na classificação dos serviços de interesse coletivo, podendo ser prestado tanto no regime público (por meio de concessão e permissão) como no privado (explorado, nesse caso, por meio de autorização) e na modalidade local ou de longa distância nacional ou internacional.

A importância outorgada pelo legislador ao STFC, precipuamente quando prestado em âmbito local, decorria do fato de que, à época, nas palavras de Pedro Dutra503, “este serviço ser destinado ao atendimento direito da demanda primária dos serviços de telecomunicações, a reunir a totalidade dos seus usuários [...]”. Assim, é um serviço submetido aos ditames de universalização e continuidade504.

Como se sabe, a concessão de serviço público é o instrumento por meio do qual o Poder Público delega a prestação, por colaboração, de um serviço público. Entre os vários princípios que informam a prestação do serviço, como o da atualidade, o da modicidade tarifária, ressai o da continuidade. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, os serviços públicos, buscando atender necessidades prementes e inadiáveis da sociedade, não podem ser interrompidos. Ademais, a continuidade é aplicável não somente aos serviços públicos, como à atividade administrativa em geral, que não pode tolerar paralisações ou descontinuidades.505

502 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 170.

503 DUTRA, Pedro. Desagregação e compartilhamento do uso de rede de telecomunicações. Revista do Ibrac, v. 9, n. 2, p. 15-47, 2002, p. 18.

504 Incidentalmente, mencione-se a observação de Leonor Cordovil, que traz à baila crítica à Lei Geral de Telecomunicações, vez que as leis anteriores a ela e a Constituição estendiam as obrigações de continuidade aos serviços de telecomunicações de uma maneira geral, e não somente aos prestados em regime público. Cf. CORDOVIL, Leonor Augusta Giovine. A Intervenção Estatal nas Telecomunicações – A visão do Direito Econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 153.

505 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 36.

Nenhuma discussão sobre a reversibilidade de bens na concessão pode prescindir de um aprofundamento acerca do princípio da continuidade no serviço público. Historicamente, afirma-se que o princípio remonta à jurisprudência do Conselho de Estado francês do ano de 1865, quando tratou do problema da duração dos órgãos e de suas responsabilidades, fazendo- o à luz da exigência da continuidade da ação administrativa506.

Dinorá Grotti afirma que a sistematização geral dos princípios do serviço público é atribuída a Louis Rolland, segundo o qual está “o princípio da continuidade do funcionamento dos serviços ao lado dos princípios da modificação e da igualdade de tratamento a ser conferida a todos os cidadãos/usuários”507. A noção de continuidade, de fato, erigiu-se em um dos principais fundamentos para a assunção dos serviços públicos pelo Estado, o único que, em tese, poderia garanti-la508.

José Roberto Dromi divide o princípio da continuidade entre a continuidade absoluta e a relativa, afirmando que existem serviços que, tendo em vista a satisfação das necessidades coletivas inadiáveis, não podem ser interrompidos (serviço de água encanada), sendo um caso de continuidade absoluta. Fala-se em continuidade relativa quando o serviço não é prestado sem interrupção, mas a fruição ocorre apenas em certos momentos, como o serviço de bombeiros ou instrução escolar.509

No Brasil, geralmente se apresenta o princípio da continuidade como um dos pilares da atuação administrativa, elemento fundamental do regime jurídico-administrativo. No plano constitucional, tratar-se-ia de postulado implícito, mas corolário do princípio da eficiência, implicando tanto a “impossibilidade de sua interrupção por parte da Administração” quanto, por outro lado, “o pleno direito dos administrados a que esse serviço não seja suspenso ou interrompido”510.

No plano legal, sobressai, entre outros diplomas, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que, no artigo 22, trata do tema da seguinte maneira:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são

506 GENOSO, Gianfrancesco. Princípio da continuidade do serviço público. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 78.

507 GROTTI, Dinorá Adelaide Mussetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 255.

508 GENOSO, Gianfrancesco. Princípio da continuidade do serviço público. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 76.

509 DROMI, José Roberto. Derecho administrativo. Tomo 2. Buenos Aires: Ástrea, 1992, p. 7. 510 Idem, ibidem, p. 79.

obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

A continuidade quanto aos serviços essenciais não é detalhada pelo CDC, mas num diálogo de fontes, pode-se utilizar a Lei nº 7.783/1989, que trata da greve e aponta alguns serviços considerados essenciais. O art. 10, VII, estabelece que, entre outros, os serviços de telecomunicações são essenciais, obrigando-se, assim, a sua continuidade.

Como decorrência da continuidade do serviço público, a doutrina clássica sempre advogou, e a legislação andou na mesma toada, que, chegada a concessão ao seu termo, houvesse algum instituto jurídico que regulasse o destino dos bens, de propriedade da concessionária, essenciais à prestação do serviço público.

Para exemplificar o posicionamento clássico da doutrina, trazem-se à colação as lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello para quem as concessões devem estabelecer, em regra, a reversão dos bens e isso independente de indenização no termo final, a fim de que não ocorra interrupção do serviço e que sua prestação possa continuar a ocorrer por terceiro.511

Incidentalmente, afirme-se que, quando uma norma trata da reversão de bens, ela, geralmente, o faz juntamente ao instituto da amortização, que possui dupla finalidade, “uma renovadora, a outra restitutiva”, ou seja, de estímulo à renovação de infraestrutura mesmo já ao final da concessão e de recomposição financeira do que ainda não tenha sido recuperado pela exploração do serviço e tenha sido gasto em bens reversíveis512.

Na mesma linha, afirmando a conexão entre a continuidade e a reversibilidade de bens, veja-se, a título de exemplo, o entendimento da Procuradoria da Anatel referendado pela Agência Nacional de Telecomunicações513, para quem, “chegado ao fim da concessão é imperioso que existam condições factíveis para que o serviço prestado em regime público seja mantido incólume (princípio da continuidade), mantendo-se todos os requisitos de sua prestação adequada”

511 MELO, Osvaldo Aranha Bandeira de. Aspecto jurídico-administrativo da concessão de serviço público. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 34, p. 34-48, jan. 1953, p. 9-10.

512 CARVALHO, Afrânio de. Propriedade dos bens da concessão. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 45, p. 22-46, jan. 1956.

Floriano Marques Neto afirma que a continuidade dos serviços públicos possui aplicação clara em dois momentos distintos. O primeiro é quando da prestação do serviço, que se protrai no tempo, ensejando “fruição livre de paralisações injustificadas, de modo que os serviços públicos estejam permanentemente ofertados aos usuários e em condições adequadas de uso”514. Trata-se de regras que, por exemplo, impedirão cortes na prestação do serviço público de uma maneira geral, tirante algumas exceções legais e regulamentares (ver art. 6º, §3º, da Lei nº 8.985/1995).

Mas o princípio da continuidade esparge seus reflexos também em outro momento da concessão, qual seja, o de sua extinção, dando origem a uma série de regramentos entre os quais está o da reversão de bens. A razão disso é clara: o fim da concessão não “pode obstaculizar a continuidade da prestação do serviço, de modo que os bens que se fazem necessários para assegurar a sua manutenção deverão reverter ao Poder Concedente (ou àquele que assumir a prestação do serviço em nome do Poder Público)”515.

A reversibilidade dos bens traz, também, duas consequências para momentos distintos da prestação do serviço: num primeiro momento, significa que os bens reversíveis estão afetados, destinados especificamente à prestação do serviço público; sabe-se, assim, de antemão, que tais bens, pelo fato de serem reversíveis, estão vinculados à continuidade do serviço. Em um segundo momento, com o fim da concessão, esses bens passarão ao poder concedente, ou seja, o fim do título jurídico de delegação do serviço é, também, a condição necessária e suficiente para que os bens reversíveis passem ao domínio do concedente516.

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