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Estudiosos do tema de design regulatório têm confirmado que a modelagem de Ayres e Braithwaite responde a um imperativo de otimização de compliance das normas regulatórias pelas empresas270. Assim, ela responde ao fato de que a aplicação isolada de teorias

268 AYRES, I.; BRAITHWAITE, J. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford, UK: Oxford University Press, 1992, p. 40.

269 SHORT, L. J.; TOFFEL, Michael W. Making self-regulation more than merely symbolic: the critical role of the legal environment, 55 Admin. Sci. Q. 361, p. 362, 2010. Disponível em: <http://repository.uchastings.edu/faculty_scholarship/1259>. Acesso em: 29 jun. 2016.

270 Cf. SOLOMON, Jason M. Book Review Essay: Law and Governance in the 21st Century Regulatory State Law. 86 Tex. L. Rev. 819, 2008; o já citado DANIELS, Brigham. When Agencies Go Nuclear: A Game

regulatórias que tratam de justiça restaurativa, a persuasão e a incapacitação constitui abordagem limitada e imperfeita de reforço à conformidade empresarial271.

O que a pirâmide regulatória por eles proposta tenta fazer é encobrir as deficiências de uma teoria com os pontos fortes de outra. A ordenação de estratégias regulatórias na pirâmide não serve, apenas, para colocar as opções menos onerosas, menos coercitivas, mais respeitosas ao bom agente regulado em baixo por questões de custo regulatório, mas também porque recorrer a formas mais invasivas de intervenção na liberdade apenas quando as mais dialógicas foram tentadas em primeiro lugar torna o controle coercitivo mais legítimo.

Dito de outra forma, o regulado sabe que está sendo punido porque não cooperou antes. Por conseguinte, a regulação é vista como mais legítima, mais “processualmente elaborada”; logo, o cumprimento de seus termos é mais provável272.

Há, ainda, outra vantagem na aplicação do modelo piramidal descrito. Braithwaite afirma que a sobrecarga da capacidade punitiva do sistema resulta em uma aplicação da lei inconsistente, errática, acarretando falta de credibilidade ao sistema regulatório como um todo273. Como se verá, é recorrente a crítica à falta de fiscalização no caso dos bens reversíveis.

Além disso, a exposição prévia ao regulado à pirâmide canaliza o ator racional para a sua base. O regulado conhece a forma de atuação da agência reguladora, sabe da perspectiva de punição. O descumprimento passa a ser visto, verdadeiramente, como uma “ladeira escorregadia” que irá, inexoravelmente, levar a um final desastroso. Assim, na verdade, o que modelagem piramidal faz é resolver o problema da (in)capacidade punitiva do sistema com a ameaça de punição, tornando-a mais barata e certa, porque aplicada em poucos casos e, por isso mesmo, mais efetiva274.

A pirâmide evoca, então, uma necessidade de autopunição dos atores racionais que estão em sua base, ou seja, mesmo sem serem forçados por regras coercitivas a tomar medidas antieconômicas (gasto com qualidade do serviço, atendimento ao usuário etc.), esses atores

Theoretic Approach to the Biggest Sticks in an Agency's Arsenal. 80 Geo. Wash. L. Rev. 442, 2012; e MINZNER, Max. Why Agencies Punish. 53 Wm. & Mary L. Rev. 853, 2012.

271 BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies. World Development Vol. 34, No. 5, 2006, p. 887.

272 Idem, ibidem, p. 887-888. 273 Idem, ibidem, p. 888. 274 Idem, ibidem, p. 888.

são forçados a fazê-lo, porque é medida mais barata para eles que a punição da agência, que certamente acontecerá, caso decidam não cumprir, voluntariamente, suas obrigações275.

A pirâmide é, então, um design regulatório em que várias estratégias se complementam, por meio da combinação de diferentes instrumentos, entre os quais, a autorregulação, regulação governamental e fiscalização por terceiros. E aqui Gunningham, pai da denominada Smart Regulation, propõe o uso de uma pirâmide de estratégias regulatórias e de sanções parecida com a de Ayres e Braithwaite, mas diferente dela, à medida que ele a concebe como uma pirâmide tridimensional, cada face sendo representada pelo governo, empresa regulada e terceiros. Nesse modelo, a escalada de sanções e de estratégias regulatórias poderia ser feita em cada face da pirâmide de forma independente, e não somente em termos de maior intervenção governamental276.

O que está por trás dessa ideia é o que Gunningham e Sinclair chamaram de “regulação integrativa”, em um trabalho sobre regulação do meio ambiente. Ambos advogam que uma dependência excessiva a uma política de instrumento único é errada, pois todo instrumento regulatório possui pontos fortes e fracos, e nenhum, sozinho, é suficiente para atingir objetivos regulatórios complexos277.

Gunningham e Sinclair propõem, então, uma série de princípios de design regulatório para enfrentar a questão. O seu objetivo principal é que sejam escolhidos institutos que sejam inerentemente complementares, e não conflitantes. Eles assinalam que isso é propor uma estrutura regulatória baseada em princípios (principle-based framework), ou seja, um design que, conquanto não preveja solução regulatória determinada, leva os formuladores a tomar as decisões com base em critérios racionais, que formam a base dos resultados regulatórios278.

Os princípios de design regulatório avançados por eles são os seguintes:

a) deve-se preferir uma abordagem que misture instrumentos complementares a instrumentos individuais evitando os perigos de smorgasbordism (ou seja, erradamente supor que todos os instrumentos devem ser usado em vez do número mínimo necessário para alcançar o resultado desejado);

275Idem, ibidem, p. 888.

276 GUNNINGHAM, Neil; REES, Joseph. Industry self-regulation: an institutional perspective. 19 Law & Pol'y, n. 363, p. 404-405, 1997.

277 GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Integrative regulation: a principle-based approach to environmental policy. 24 Law & Soc. Inquiry, n. 853, p. 853, 1999.

b) as virtudes da parcimônia devem ser praticadas: medidas menos intervencionistas devem ser preferidas para alcançar tais resultados;

c) é preciso levar em consideração os benefícios de uma resposta escalada por meio de uma pirâmide instrumento (utilizando não só do governo, mas também de negócios e de terceiros), de modo a construir uma capacidade de resposta regulamentar, para aumentar confiabilidade dos resultados por meio de instrumento de sequenciamento, e para fornecer um aviso precoce de falha do instrumento através da utilização de gatilhos regulatórios;

d) há necessidade de capacitar terceiros (tanto comerciais e não comerciais) para atuar como “reguladores de aluguel” (fiscalizando, por exemplo), conseguindo, assim, não só melhores resultados ao menor custo, mas também liberando escassos recursos regulamentares que podem ser reimplantados em outras circunstâncias necessárias; e

e) por fim, deve-se maximizar as oportunidades para win-win resultados, expandindo os limites dentro dos quais tais oportunidades são negócios disponível e encorajador para ir “além da conformidade” com existente requerimentos legais Muito do conteúdo desses princípios já foi antecipado ao longo do presente trabalho, mas ainda restam alguns aprofundamentos quanto aos outros.

Em relação à complementaridade de instrumentos, Gunningham e Sinclair afirmam que a informação, como instrumento essencial para a colaboração regulatória, é compatível com todos os outros instrumentos. Mais especificamente, eles afirmam que a autorregulação que tem por objetivo levar a companhia além dos padrões mínimos exigidos e a regulação command e control são complementares. Isso porque esses dois instrumentos estão visando a dois níveis diferentes de performance regulatória279.

Gunningham e Sinclair afirmam que medidas muito intervencionistas não são, em geral, nem eficientes nem eficazes. Nessa senda, eles entendem que, em termos de eficiência, os instrumentos altamente coercitivos normalmente requerem recursos administrativos substanciais para a monitoração e policiamento, sem as quais seriam ineficazes. Instrumentos como esses carecem de flexibilidade e não facilitam soluções de menor custo e podem, também, resultar no emprego desnecessário de recursos para a fiscalização daqueles que

279 GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Regulatory pluralism: designing policy mixes for environmental protection. 21 Law & Pol'y, n. 49, p. 58, 1999.

voluntariamente cumpririam as normas. Muita intervenção não é, em geral, tão eficaz como abordagens alternativas, essencialmente porque recrutas, geralmente, respondem de forma menos favorável do que os voluntários; medidas altamente coercitivas podem causar ressentimento e resistência naqueles que consideram ser essa uma intervenção injustificável e intrusiva em seus assuntos, em vez de a resolução construtiva dos problemas ambientais.280

Em relação à escalada na pirâmide regulatória (terceiro princípio), Gunningham e Sinclair propõem uma adaptação avançada da estratégia piramidal de Ayres e Braithwaite em pelo menos dois pontos.

O primeiro é que a pirâmide de Ayres e Braithwaite está preocupada somente com duas partes: regulador (estatal) e regulado (privado). Mas há espaço para atuação, também, de terceiros alheios a essas duas partes, para que possam influir decisivamente na regulação setorial. Assim, a figura seria de fato uma pirâmide, mas tridimensional, e não um simples triângulo. A escalada na pirâmide seria possível em qualquer de suas faces, por qualquer dos atores. Assim, não só governo poderia ser mais duro nas sanções (primeira face), como também a própria autorregulação poderia endurecer (segunda face) e mesmo na terceira face poderia haver uma escalada.

Um exemplo de escalada nessa terceira face é dado por Gunningham e Sinclair: trata- se do caso do Forest Stewardship Council (FSC). A certificação florestal é um processo por meio do qual o desempenho das operações florestais é avaliado com base em um grupo determinado de regras. Deve obedecer a princípios e critérios do órgão credenciador das entidades credenciadoras para o manejo florestal.

Edna Dias explica que a FSC é uma organização internacional sem fins lucrativos formada por membros representantes dos grupos sociais e ambientais, de comerciantes de madeira e florestais, além das organizações certificadoras de produtos florestais de todo mundo; foi fundada em 1993 para apoiar o manejo ambientalmente apropriado. Seu objetivo específico é desenvolver os princípios e critérios (universais) para certificação, bem como para credenciar e monitorar organizações certificadoras especializadas e independentes. Sua importância capital reside no fato de que tanto os padrões nacionais e regionais como as organizações nacionais precisam do reconhecimento do FSC Internacional para sua efetivação. Ou seja, o selo FSC é uma garantia da origem, atestando a origem ecológica da

280 GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Integrative regulation: a principle-based approach to environmental policy. 24 Law & Soc. Inquiry, n. 853, 1999, p.861.

madeira. O selo, então, orienta o consumidor e o produtor quanto ao manejo sustentável do produto.281

A retirada de um selo de (ou sua não concessão a) um determinado produto poderá gerar sanções estritamente privadas (boicotes de consumidores, por exemplo, ou recusa de compra/venda por outros integrantes da linha econômica de produção). Vê-se, assim, que se está diante de um cenário no qual padrões desenvolvidos e certificados por entidades privadas podem cooperar com a regulação estatal, ou até mesmo ser independentes dela282.

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