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Capítulo 2. Entre a aliança e desavença: a Inglaterra

2.3. A Inglaterra aliada

2.3.1. Um baluarte da independência nacional: a Guerra Fantástica e as Invasões Francesas

2.3.1.2. A intervenção inglesa nas Invasões Francesas

Quando, em 11 de novembro de 1806, Napoleão decretou em Berlim o Bloqueio Continental, obrigando ao encerramento de todos os portos aos navios ingleses, Portugal viu-se de novo arrastado para uma situação que punha em causa não só a habitual política de neutralidade mas a aliança com a Inglaterra.599

Num contexto de guerra iminente, a política interna portuguesa cindira-se com a formação de dois partidos que defendiam distintas opções quanto à política externa a adotar: de um lado, o partido inglês, representado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho e confiante na aliança com a Inglaterra; de outro, o partido francês, liderado por António Araújo de Azevedo e que via num acordo com a França o único meio de evitar uma invasão. Triunfou, uma vez mais, a opção pela aliança inglesa e, na impossibilidade de manter a neutralidade, restou a Portugal aceitar a ocupação francesa evitando uma guerra e, com o auxílio britânico, transferir a corte e a Família Real para o Brasil, onde se instalaria a sede do poder, aguardando-se o momento de expulsar os franceses do território nacional. Assim, a 17 de novembro de 1807, o exército francês comandado por Junot atravessava a fronteira, entrando em Portugal pela Beira Baixa e chegando a Lisboa no dia 30, sem encontrar resistência. A Família Real havia partido, na véspera, para o Rio de Janeiro.

O projeto que antecipava a partida e o estabelecimento da Família Real no Brasil foi sancionado durante as negociações secretas entre as coroas britânica e portuguesa, que resultaram na assinatura, em Londres, da Convenção de 22 de outubro de 1807 e que contou com a intervenção fundamental de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então ministro plenipotenciário. Conforme estabelecido na referida convenção secreta, no caso de D. João se decidir pela transferência da família real para o Brasil, Jorge III assumiria a sua proteção e escolta (artigo II), jamais reconheceria outro rei de Portugal que não um herdeiro e legítimo representante da Casa de Bragança (artigo VI) e manteria as mesma relações de amizade com

Monarcas Contratantes; ajuntando-se os Actos que se passaraõ no dia 9 de Março do mesmo anno, em que as ditas Ratificaçoens foraõ trocadas na mesma Corte de Pariz, Lisboa, Na Oficina de Miguel Rodrigues,

1763.

599 Sobre a questão da neutralidade portuguesa no quadro da rivalidade franco-britânica, veja-se José Miguel

Sardica, A Europa napoleónica e Portugal — messianismo revolucionário, política, guerra e opinião pública, Parede, Tribuna da História, 2011, pp. 71-118; e Manuel Amaral, «Portugal e as guerras da revolução, de 1793 a 1801: do Rossilhão ao Alentejo», in Instituto de Defesa Nacional, Guerra Peinsular: novas interpretações, Lisboa, Tribuna da História, 2005, pp. 43-66; e Mendo Castro Henriques, «1812 e a geopolítica da Guerra Peninsular», in Idem, ibidem, pp. 176-181.

o governo que D. João deixasse formado em Portugal (artigo VI); em contrapartida, o príncipe regente permitiria que uma parte do exército inglês ficasse temporariamente de guarnição na ilha da Madeira (artigo II) e, depois de estabelecido no Brasil, acordaria numa negociação futura de um tratado de auxílio e de comércio entre Portugal e a Inglaterra (artigo VII). A convenção foi ratificada pela parte portuguesa em 8 de novembro e pela parte inglesa em 19 de dezembro.600

Apesar da prévia nomeação, pelo príncipe regente D. João, de um governo (por decreto de 26 de novembro de 1807)601, Portugal ficou entregue ao comando francês liderado

por Junot a partir do momento em que este ordenou a extinção do Conselho de Regência e anunciou a deposição da Casa Real de Bragança602. Na sequência da declaração de guerra à

França, datada de 1 de maio de 1808, um exército inglês desembarcou junto à foz do Mondego no dia 1 de agosto de 1808, sob o comando do general Arthur Wellesley, para se juntar às forças portuguesas lideradas pelo general Bernardim Freire de Andrade. No dia 4 seguinte, Wellesley assinava com o almirante Charles Cotton uma proclamação dirigida à população portuguesa, onde prometia libertar o reino da «tirania e usurpaçam da França»603.

A vitória luso-britânica nas batalhas da Roliça (17 de agosto) e do Vimeiro (21 de agosto) determinou a rendição de Junot, a suspensão das armas entre os exércitos inglês e francês, acordada no dia 22 de agosto pelos generais inglês e francês, Arthur Wellesley e Kellermann, respetivamente, e a evacuação pelo exército francês de Portugal, concertada em Lisboa, em 30 de agosto, por uma Convenção Definitiva assinada por George Murray e pelo mesmo Kellermann, conhecida por Convenção de Sintra.604

600 Cf. «Convenção secreta de 1807», «Ratificação à convenção secreta de 1807», in José de Almada, op. cit.,

pp. 111-127. Em 16 março de 1808 foram assinados em Londres os artigos adicionais àquela convenção, com «aos novos e definitivos arranjamentos [...] para o governo da ilha da Madeira durante o tempo que as tropas de sua Majestade Britânica ali permanecerem» («Artigos adicionais à convenção secreta de 1807», in Idem,

ibidem, pp. 129-133).

601 Cf. «Decreto do Príncipe Regente de Portugal, pelo qual declara a sua intençam de mudar a Côrte para o

Brasil e erige uma Regência para governar em sua ausência», in Joaquim José Ferreira de Freitas, op. cit., pp. 33-35.

602 «Proclamaçam do General Junot á Naçam Portugueza, declarando a protecçam em que a tomava o

Imperador Napoleam», in Idem, ibidem, pp. 82-84.

603 «Proclamaçam dos Commandantes das Forças de S.M.B. aos Portugueses», 4 de agosto de 1808, in Idem,

ibidem, p. 171.

604 Cf. «Convenção para a suspensão de armas de 1808» e «Convenção definitiva de 1808 para a evacuação de

Portugal pelo exército francês», in José de Almada, op. cit., pp. 141-151. As mesmas convenções encontram- se transcritas na já referida Bibliotheca historica, politica, diplomatica da nação portugueza, ed. cit., pp. 188- 197. Como já referimos, o governo de regência não teve qualquer representação nas negociações da convenção, razão por que esta recebeu críticas, não só de portugueses, mas também de ingleses, tendo sido alvo de um inquérito em Londres sobre as circunstâncias em que foi negociada. Cf. Ana Cristina Araújo, «As invasões

A derrota do exército francês chamou a atenção de Bonaparte sobre Portugal, que ordenou uma segunda invasão francesa, comandada pelo general Soult. Assim, em março de 1809 o exército francês instala-se no Porto, mas logo em maio é forçado a retirar-se, pressionado pelas forças anglo-lusas dirigidas por Arthur Wellesley e William Carr Beresford. A segunda derrota das forças francesas leva Napoleão a investir numa terceira invasão, sob o comando do general Massena. Em julho de 1810 as forças francesas entram em Portugal a partir de Almeida, onde permaneceram até ao final de agosto, partindo nessa altura rumo a Coimbra. De referir que nesta terceira ofensiva participaram alguns dos oficiais portugueses que haviam sido integrados no chamado Exército de Portugal, na qualidade de «mediadores».605 Em 27 de setembro de 1810, aconteceu a primeira grande vitória dos

aliados luso-britânicos, liderados por Arthur Wellesley, na batalha do Buçaco. Mas o verdadeiro triunfo decorreu da construção, estrategicamente desenhada por Wellesley, do sistema de fortificações conhecido por Linhas de Torres Vedras e que não só impediram que os invasores atingissem Lisboa, como provocaram a sua retirada definitiva de Portugal, em outubro de 1811.

Não há dúvidas de que a vitória portuguesa na Guerra Fantástica ou a sua libertação das garras da águia napoleónica são devedoras da intervenção militar inglesa. Mesmo depois da expulsão das tropas francesas, e com a permanência do príncipe regente no Brasil, a participação de Lord Beresford nos assuntos políticos pressupunha a defesa e a autoridade da Casa de Bragança sobre o governo de regência e o controlo sobre o exército. Num retrato apolíneo da presença e intervenção inglesa no rescaldo das invasões francesas, esta situação encontra explicação no cumprimento da Convenção Secreta de 1807, pela qual Jorge III assumia o dever de proteger a coroa portuguesa e assegurar a conservação da Casa de Bragança enquanto a família real permanecesse no Brasil. Nesta ótica, os ingleses foram investidos do título de «libertadores» e «protetores» do reino e Arthur Wellesley e William Beresford admitidos como heróis.606

francesas e afirmação das ideias liberais», in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. V: O Liberalismo

(1807-1890), ed. cit., p. 38.

605 Um desses «mediadores» foi o general Manuel Pamplona, comandante da Brigada de Cavalaria da Legião

Portuguesa ao serviço de Napoleão, que tomaria Coimbra para os invasores, ficando responsável pela cidade na qualidade de governador. Cf. Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real, Memória justificativa de Manuel

Inácio Martins Pamplona e sua mulher D. Isabel de Roxa e Lemos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1821, pp. 40-

45.

606 A Ode pela feliz restauração da cidade do Porto, e total derrota dos francezes neste reino, conseguida

pelos exercitos combinados das duas nações ingleza, e portugueza, comandados pelo excellentissimo senhor Arthur Wellesley, Cavalleiro da Ordem do Banho, Commandante em Chefe do Exercito de Sua Magestade