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Capítulo 2. Entre a aliança e desavença: a Inglaterra

2.2. A Inglaterra desleal

2.2.1. O antibritanicismo pombalino: uma «política de emancipação» sob o signo de Methuen

2.2.2.4. A tutela britânica segundo intelectuais oitocentistas

A libertação da tutela britânica foi um catalisador do nacionalismo emergente em Portugal, decorrente dos vários episódios em que a Inglaterra impôs a sua vontade nos negócios internos e externos portugueses. Esta situação, associada à grave crise económica que o país atravessava e à ausência do rei e enquadrada num contexto político-social e ideológico em que vigoram as sementes da Revolução Francesa, desencadeou uma insatisfação generalizada que se pretendeu resolver pela instauração de um regime liberal. Daí que, partindo do pressuposto de que a construção de uma consciência nacional se conceba numa relação de confronto contra um ou mais elementos estrangeiros, se aduza que o antibritaniscismo tenha assomado como um dos alicerces da Revolução de 1820.

Os discursos críticos do domínio britânico em Portugal prolongaram-se no tempo, extrapolando o período pré-liberal e vintista e atingindo o seu apogeu no último decénio oitocentista, na sequência do ultimato britânico de 1890. De uma forma geral, a produção discursiva sobre a Inglaterra durante o período que mediou a Revolução Liberal e o Ultimatum é caracterizada pela sua dualidade. Qual Janus, a Inglaterra emerge nos escritos de autores como Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Eça Queirós com uma face luminosa e outra noturna, o que reflete, de um modo geral, a construção imagética que dela se tem feito na cultura portuguesa.519

Assim, se o Diário da minha viagem à Inglaterra (1823-1824), de Almeida Garrett, transmite a imagem da Inglaterra como paradigma civilizacional, aquela que é a sua obra de teor político mais reconhecida, Portugal na balança da Europa (1830), remete-nos para uma realidade paralela, em que a Inglaterra emerge como inibidora da liberdade nacional. Na perspetiva garrettiana, foi a influência inglesa no governo de Portugal depois da vitória sobre as águias napoleónica que impediu o desenvolvimento de um espírito liberal:

Em Portugal, a fôrça estrangeira, interessada auxiliar, que tam caro nos vendeu nossa phantástica independencia, não tinha deixado respirar a opinião pública, nem permitido ao esprito nacional o desinvolver-se, e manifestar seus verdadeiros sentimentos. [...] a

519 José Acúrsio das Neves poderá ser incluído neste elenco se considerarmos, isoladamente, o texto Memoria

sobre os meios de melhorar a industria portugueza, considerada nos seus differentes ramos (1820), o qual será

proteção oppressora dos alliados sufocou o generoso impulso da nação, e reteve os Portuguezes no primeiro passo (o mais difficil) da liberdade [...].520

Tal oposição britânica à liberdade emanada da Revolução Francesa é explicada pelo autor como uma consequência natural das liberdades previamente conquistadas pelo povo inglês no século XVII: a «Inglaterra ja era livre».521 A intervenção inglesa em Portugal no contexto

das invasões francesas garantiu a independência lusitana, mas à custa da sua liberdade. Portugal, «reduzido [...] a colónia de suas colónias, governado por um despotismo delegado (o pior e mais insuportável de todos os despotismos), corrupto e impotente», «sem comércio», «sem indústria», «sem agricultura», «sem administração», «descêra ao mais abjecto, mais vilipendioso estado, a que jamais se viu baixar nação sem haver perdido sua independencia; conquanto pouco era a independencia de um Estado na maxima parte governado por estrangeiros delegados de um cheffe ausente.» — é este o retrato do país segundo Almeida Garrett.522

Ao longo do texto, o escritor insiste na posição de sujeição de Portugal face à Inglaterra, não só no período que sucedeu às invasões francesas, mas também naquele após a Revolução Liberal. Ao declarar que «estamos sob a tutela inglesa»523 e, sobretudo, ao

proclamar a traição dos «amigos ingleses» que conspiraram contra a Carta e a favor de D. Miguel524 — logo, contra a liberdade — e a deslealdade do «protetor estrangeiro e

perfido»525, Garrett está a orientar o seu discurso para aquela que considera ser a solução

mais viável para a reintegração de Portugal no cenário europeu, uma solução que privilegia a liberdade nacional. Na sua perceção, Portugal somente poderá ocupar um lugar na balança

520 Almeida Garrett, Portugal na balança da Europa; do que tem sido e do que ora lhe conbem ser na nova

ordem de coisas do mundo civilizado, Londres, S. W. Sustenance, 1830, p. 58.

521 O escritor esclarece a posição da Inglaterra face à Revolução Francesa nos seguintes termos: «Um só povo

do antigo mundo se isolou completamente da fôrça electrica da revolução franceza; fallemos mais exactamente, da revolução da Europa contra os seus tyranos: a Inglaterra. [...] foram as muitas liberdades e franquias que na revolução do seculo anterior o povo inglez tinha conquistado, e cuja fruïção pacífica o não excitava a novas e arriscadas conquistas. D'essa natural tendência ao repouso puderam e souberam valer-se os oligarchas, para desvairar o ânimo do povo inglez e suscitar em sua opinião uma reacção de odio e ciüme implacável, que tam fatal veio a ser á liberdade do Continente» (Idem, ibidem, pp. 33-34.

522 Idem, ibidem, p. 59.

523 Idem, ibidem, p. 142 e cf. p. 215. Garrett vai mais longe, ao acusar a Inglaterra de promover e beneficiar

com a decadência económica e mercantil Portugal: «Quanto mais nula fosse a mãe pátria, quanto menos indústria tivesse, quanto mais precária fosse a sua existência, quanto menos consumo pudesse dar aos géneros de suas colónias, quanto menos de seus produtos para elas pudesse exportar, mais interessava [à] Inglaterra [...]» (p. 226).

524 «No próprio acto, nesse vergonhoso assento de 11 de Julho [de 1828], quase que está a prova da origem

estrangeira do drama» (Idem, ibidem, p. 183).

da Europa se seguir uma das duas vias possíveis: a independência mediante a tutela britânica ou a liberdade mediante uma união com a Espanha, considerando que a opção pela independência implica a perda de liberdade e que a opção pela liberdade implica a perda de independência — exceto se esta opção se realizar pela via federativa, como conclui o autor: «Talvez uma federação...»526. A mesma representação dicotómica está patente em textos de

Alexandre Herculano, onde a Inglaterra aparece representada em dois níveis diversos mas complementares: ao nível da estereotipia, ou seja, pela descrição (negativa) dos caracteres britânicos, sobretudo da sua língua ou escrita, fisionomia e práticas quotidianas e religiosas; e ao nível da crítica à sujeição de Portugal à Inglaterra. A complementaridade situa-se, à maneira romântica, na correspondência que o autor estabelece entre os traços distintivos dos ingleses e a política maquiavelista britânica na sua relação com Portugal. O conto «De Jersey a Grandville» (1831), incluído no segundo volume de Lendas e Narrativas (2.ª ed., 1858), é particularmente interessante para a apreensão do juízo de Herculano acerca dos ingleses, tipificados como beberrões, aborrecidos, orgulhosos e cheirando a carneiro e a chá preto:

Dos tres inglezes um velho de cabeça inteiramente branca e rosto inteiramente vermelho dava certidão, nas cans, de que a agua do baptismo passára por alli havia muitos annos, na côr da tez dava-a de que também não havia poucos que elle, levado por um sancto respeito pela materia do principal sacramento, abjurára de coração o tocar-lhe com os labios, contentando-se de humedece-los com os tres liquidos fundamentaes de todos os contentamentos possiveis entre os netos dos kimhris e saxonios — o rhum, o vinho e a cerveja. Dos outros dous, um mostrava ser inglez de cincoenta annos, outro de quarenta; o primeiro, magro, da altura de cinco para seis pés craveiros, faces encovadas, nariz meridional, ou antes judaico, isto é, proeminente e adunco, tez não tanto morena como macilenta: o segundo, typo saxonico, isto é, rosto largo e achatado, olhos azues, guedelhas louras, bôca profundamente vincada nas extremidades do beiço inferior, de aspecto aborrido e orgulhoso, como se todo o fumo de carvão de pedra britannico o cercasse com a sua auréola de gloria nacional. De resto não havia que duvidar-lhes a patria: indicava-a o cheiro dos seus vestidos, suavemente impregnados do fartum sebaceo de carneiro, e aromatisados com os effluvios nauseamentos da infusão do chá preto, os quass constituem a formula odorifera da sociedade politica chamada os três reinos unidos.527

526 Idem, ibidem, p. 320. Este tema será retomado no quarto capítulo «Fraternidade e desconfiança: a Espanha»

(cf. pp. 289-296).

527 Alexandre Herculano, «De Jersey a Grandville», in Lendas e Narrativas, 2.ª ed., vol. II, Lisboa, Na casa da

viúva Bertrand e filhos, 1858, pp. 296-297. O auto-narrador continua a sua caracterização e caricaturização do povo inglês que ele, «como português», tem «a obrigação moral de desamar», passando a criticar a sua culinária e a salientar a sua hipocrisia e devassidão: «É precisa uma raça de estomagos que ainda fosse antropophaga no meado do quinto seculo da era christan para luctar vantajosamente com a cosinha d'Inglaterra, e estes estomagos só os inglezes os possuem, segundo o testemunho do seu historiador Gibbon. Os nossos cederam a

Noutro momento da narrativa, que também importa citar pelo assunto que aborda, Herculano salienta a relação entre a língua inglesa, de pronúncia cerrada, e a natureza desonesta e avarenta dos ingleses, de que constitui expressão, segundo o autor, o Tratado de Methuen:

Uma cousa que sempre me acontece em ouvindo falar um inglez é notar as mysteriosas analogias que ha constantemente entre a língua de qualquer povo e os seus habitos de moralidade. [...] Agora escutae um inglez: dois terços de cada palavra, como a representam os signaes alphabeticos, não se proferem: devora-os o leitor: são uma armadilha para obrigar os labios peregrinos a darem syllabadas: o inglez pronuncia com os dentes cerrados, como se temesse que essas palavras-ouriços lhe fizessem, ao perpassarem, os labios em sangue. Não achaes n'isto um tipo de cobiça e avareza? Um pensamento enganoso? O algodão tecido á sorrelfa com a lan? Não descobris lá o pensamento do tractado de Methuen [...]?528

Nos textos de teor político-social, Herculano não se revela tão implacável. As circunstâncias em que os redige são, também, outras. O autor já não se encontra em exílio forçado num país estrangeiro e pelo qual não nutre a mesma afinidade afetiva e intelectual que a França, por exemplo, lhe suscita.529 Escritos em Portugal, os opúsculos que incorporam

alguma reflexão (negativa) sobre a Inglaterra refletem uma preocupação do autor mais voltada para a situação de dependência de Portugal em relação àquela nação, ou seja, trata- se de um registo mais patriótico e nacionalista. Por exemplo, no quadro da polémica iniciada pelo historiador sobre a propriedade literária, Herculano alude, em artigo primeiramente publicado n’O Paiz em 23 de outubro de 1851 e depois incluído como apêndice (III, «A convenção literária») ao opúsculo Da propriedade literária e da recente convenção com a França (1851), ao continuado estado de dependência de Portugal face à Inglaterra: «Se exceptuarmos, e ainda mal, a legação inglesa, pela espécie de patronato que a Inglaterra exerce em Portugal, e que não temos força para sacudir, a diplomacia estrangeira em Lisboa

tão dura prova, e vimo-nos obrigados a dispensar Miss Parker do mister de nos envenenar. [...] [Miss Parker] obrigava-nos a respeitar o domingo no pleno rigor da igreja anglicana; isto é, a morrer de tedio e tristeza, prohibindo em sua casa todo o genero de divertimento, ainda o mais innocente, desde pela manhan até sol posto, momento em que naquelle abençoado paiz Deus cede ao diabo o resto do dia dominical, e em que a devassidão e a embriagues, tripudiando nos prostibulos e nas tabernas, se vingam das dez ou doze horas de sermões impertinentes [...]» (Idem, ibidem, p. 301).

528 Idem, ibidem, pp. 307-308. 529 Cf. Idem, ibidem, p. 292.

é uma coisa sem valor real; é o mesmo que a nossa diplomacia nas outras cortes.»530 Noutro texto incluído no mesmo volume e dedicado a Mouzinho da Silveira — símbolo da Revolução de 1820 —, Herculano torna a delatar o mesmo estado de sujeição de Portugal, que se tornara como uma colónia britânica:

Le Portugal, ce vieux conquérant des plages maritimes de l’Afrique et de l’Asie, ce colonisateur d’une partie de l’Amérique, était devenu, à son tour, une colonie singulière dans son genre. [...] Politiquement parlant, nous étions des colons anglais. Notre armée était une armée anglaise, dont les soldats, et presqu’uniquement les soldats, étaient nés dans ce pays. Un général anglais nous gouvernait au moyen d’une régence servile, qui était censée représenter en Portugal le roi retenu à Rio-de-Janeiro. On avait même poussé l’impudence jusqu’au point d’imprimer ostensiblement au front de nos pères le sceau de la servitude, en mettant un diplomate anglais au nombre de ces régents de comédie. Un traité malheureux avait placé notre commerce à la remorque du commerce anglais, et notre industrie avait été absolument sacrifiée à l’industrie anglaise. [...] Ce n’était pas l’action, ou, si on le veut, la pression qu’exerce une grande, riche et puissante nation sur un peuple pauvre, petite et faible, quand la marche des évènements et des siècles a établi entre les deux sociétés de rapports intimes. Celle-là, on la souffre, car elle est inévitable, fatale. Non, ce n’était pas cela. C’était une domination insolente et brutale; c’étaient la honte, la misère, l’abrutissement de l’esclavage.531

Mordaz na sua apreciação do tipo inglês é Eça de Queirós. Num texto escrito em Bristol por ocasião do bombardeamento de Alexandria no decorrer da guerra anglo-egípcia de 1882, que determinou o protetorado britânico sobre aquele território durante sete décadas (1882-1952), Eça de Queirós esboça um retrato da Inglaterra imperial e aponta com agudeza os atributos tão característicos dos ingleses. Referimo-nos ao escrito Os ingleses no Egipto, que congrega uma série de pequenos textos postumamente publicados em volume que reúne as suas Cartas de Inglaterra (1905). Deste texto, interessa-nos particularmente o discurso que Eça constrói para justificar a declaração enunciada em tom de desabafo: «Estão em toda a parte, esses inglezes! O século XIX vae findando, e tudo em torno de nós parece monotono e sombrio — porque o mundo se vai tornando inglez.». A explicação que o autor apresenta prende-se com a capacidade singular de os ingleses nunca se desinglesarem e, em toda a parte, pretenderem «reduzir as civilizações estranhas ao tipo da sua civilização anglo-

530 Alexandre Herculano, «Da propriedade literária e da recente convenção com a França [apêndice III]» (1851),

in Opúsculos, intr. e notas de Jorge Custódio e José Manuel Garcia, t. I: Questões públicas, Lisboa, Editorial Presença, 1982, p. 265.

531 Alexandre Herculano, «Mouzinho da Silveira ou La Revolution Portugaise (1868)», in Opusculos, t. II:

saxonica». E é por isso, conclui, «que nos paizes onde vive háa seculos, é elle ainda o estrangeiro».532 A representação queirosiana dos ingleses partilha da mesma ambivalência

que encontramos nos intelectuais atrás indicados, na medida em que a sua crítica ao imperialismo político e económico da Inglaterra, e a caricatura do tipo inglês que elabora e que vai perdurar na memória cultural, é contrapesada pela sua admiração pela cultura e educação inglesas.

Mas outros autores há que exponenciam as consequências negativas da forte influência britânica sobre o destino português, na linha do que Pinheiro Chagas aduz no oitavo volume da História de Portugal quando refere a reação popular ao comportamento das tropas inglesas durante as invasões napoleónicas: «Não admira pois que na tradição popular a vinda dos francezes e dos inglezes fosse considerada duas invasões differentes e egualmente nefastas.»533; e as consequências que a longo prazo estas trouxeram a Portugal,

nomeadamente a situação de subserviência em relação à Inglaterra, representada na figura de Beresford: «Em vez de servos escravos da França, eramol-o da Inglaterra.»534 Em direção

semelhante segue a crítica que Luz Soriano enceta ao alertar para a independência nacional ameaçada pela autoridade britânica e ao mencionar a forma como a Inglaterra tem imposto a sua vontade aos sucessivos governos constitucionais, nomeadamente em matéria de abolição da escravatura. Para este escritor, a filantropia britânica é «uma pura ilusão», comprovada pela «crueldade com que tem tratado os povos, que lhe estam sugeitos»535.

532 Eça de Queirós, «Os inglezes no Egypto», in Cartas de Inglaterra, 2.ª ed., Porto, Livraria Chardron, 1907,

pp. 201-205.

533 Pinheiro Chagas, História de Portugal nos séculos XVIII e XIX, vol. II, Lisboa, Escritório da Empresa, s. d.,

p. 267. Partimos do princípio, na senda da explicação facultada por João Francisco Marques, de que Pinheiro Chagas foi o autor deste volume da História de Portugal «escrita por uma sociedade de homens de letras». Cf. João Francisco Marques, «Algumas notas sobre as Invasões Francesas em Portugal na historiografia do século XIX», Revista da Faculdade de Letras — História, III Série, vol. 10, 2009, p. 40, nota 21.

534 Pinheiro Chagas, op. cit., p. 311. João Francisco Marques, na sua leitura da historiografia oitocentista sobre

as Invasões Francesas, e reportando-se ao que Pinheiro Chagas escreveu a respeito da intervenção britânica em Portugal, conclui que «este [estado de subserviência] foi o drama das invasões napoleónicas e a lição a extrair do que aconteceu ao país que as teve de sofrer» (João Francisco Marques, op. cit., 2009, p. 42).

535 Simão José da Luz Soriano, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epitome do que

entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União-Tipográfica, 1853, p. 33. Luz Soriano contesta o facto

de ser proibido a Portugal o tráfico de escravos, quando outras nações como a França e os Estados Unidos o praticam, sem que a Inglaterra se imponha contra tal. O escritor conclui, quanto a este assunto, que: «[a] escravatura só portanto é crime nas colonias portuguezas, e debaixo da bandeira portugueza, talvez porque em Londres se pensou que com isto se arruinavam as nossas provincias d’Africa. A natural consequencia destes factos, é que a soberba britannica só é altiva e insolente para uma nação tam pequena e mal governada como a portugueza, porque para as poderosas, e que por si tem boas esquadras e numeroso exercito, como a americana do norte, e a franceza, essa altivez transforma-se em humildade impotente» (Idem, ibidem, p. 32). No que concerne à ação da própria Inglaterra entre os povos sobre os quais exerceu ou exerce domínio (em Malta, entre os Boers, na Áustrália, no Canadá, na Índia), conclui que «os ingleses, aspirando á honra de se acharem á frente da civilização moderna, praticam actos pêores que os dos hespanhóis no meado do século XIX! Quem

Mais severo e demolidor na sua censura à Inglaterra é Oliveira Martins. A sua interpretação da história de Portugal, patente quer na História de Portugal (1879) quer no Portugal Contemporâneo (1881), assume um carácter antibrigantino, antijesuítico e antibritânico, apontando a dinastia de Bragança, o obscurantismo associado ao jesuitismo e a influência e domínio da Inglaterra como as três causas da decadência nacional.

Na História de Portugal, e atendendo ao caso específico da Inglaterra, Oliveira Martins acentua, sobretudo, o seu domínio sobre Portugal e como essa situação foi impulsionadora de um progressivo estado de decadência e obstativa do desenvolvimento de uma identidade nacional. A sua crítica à Inglaterra não é, contudo, fortuita, porquanto intimamente ligada à demonização da casa de Bragança: na sua perspetiva, a dependência de Portugal face à Inglaterra começou com a coroação de D. João IV536 — daí que o autor

questione o verdadeiro significado da Restauração da Independência, uma vez que ao domínio castelhano veio suceder, imediatamente, o inglês —, foi brevemente interrompida pela ação do Marquês de Pombal e veio a ser consolidada por D. Maria I e seu filho quando abandonaram Portugal e colocaram o país sob o protetorado britânico.537 Além da denúncia

desta situação de tutela — que reputa ter sido consolidada com a assinatura da Convenção de Sintra538 —, que perpassa toda a História de Portugal, o historiador acusa a contínua

semelhantes actos pratica não póde seguramente dar-se por philantropo, nem ter direito a olhar-se como nação civilizada» (p. 35).

536 Oliveira Martins reporta-se ao tratado de paz e de comércio de 29 de janeiro de 1642, celebrado entre D.

João IV e Carlos I; ao tratado de paz e aliança de 10 de junho de 1654 (tratado de Westminster), celebrado entre D. João IV e o «anti-Cristo Cromwel», acordo este que «fazia de cada inglez um rei de Portugal»; e ao tratado de 23 de junho de 1661, entre D. Afonso VI e Carlos II. Conclui o autor que «pelo tratado de 54 a Inglaterra ficára-nos possuindo: por este de 61 tutellou-nos, declarando-nos prodigos e ineptos: encarregava- se de nos defender, mas como bom tutor, vendeu-nos. [...] Da longa campanha diplomática da Restauração, atravez de todos os incidentes, hollandezes e francezes, resultava este facto que ficou pesando por dois seculos sobre o novo Portugal: o protetorado inglês. Protetorado, sempre se traduziu, na lingua real da historia, por exploração: é um euphemismo diplomático» (Oliveira Martins, Historia de Portugal, t. II, 3.ª ed., Lisboa, Viúva Bertrand & C.ª Sucessores Carvalho & C.ª, 1882, pp. 135-137).

537 «Não será a história da Restauração, a nova história de um país que, destruida a obra do imperio ultramarino,

surge, no XVII seculo, como no nosso appareceu a Belgica, das necessidades do equilibrio europeu? Não