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A investigação e as ambiguidades conceptuais

1.2 Teorias e conceitos

1.2.3 A investigação e as ambiguidades conceptuais

Villas-Boas (2001) e Marques (1994b) dão conta da existência de alguma confusão terminológica e de alguma falta de rigor na utilização de terminologia referente à relação entre a escola, a família e a comunidade, fazendo-se sentir a necessidade de um esforço de precisão por parte dos investigadores. Essa dificuldade de precisão terminológica poderá advir, em parte, do facto de se recorrer a palavras de utilização muito comum para referenciar determinados conceitos distintos. Sendo alguns desses termos utilizados frequentemente no quotidiano como formas alternativas de transmitir a mesma ideia ou ideias aproximadas, a sua utilização para designação técnica de conceitos bem diferenciados torna-se, assim, mais difícil.

Colaboração escola-família

Estes autores salientam a necessidade de se proceder a uma maior precisão terminológica neste domínio. Nesse sentido, faremos uma síntese das definições de alguns conceitos-chave apresentadas por diversos autores e, em caso de entendimentos diferentes acerca do mesmo conceito, apresentaremos a definição que tivemos em conta no decurso deste trabalho.

Relação escola-família

Poucos autores recorrem à utilização deste termo. Contudo, Silva (2002) utiliza-o e justifica a sua opção. O termo “relação” admite “todo um continuum que vai desde a cooperação ao conflito” (p. 101). É, portanto, um conceito abrangente, que pode englobar uma grande diversidade de tipos de interacções e não apenas as de carácter positivo, como acontece com os termos “colaboração” ou “parceria”.

Família vs. Pais

Diversos autores manifestam preferência pela utilização do termo “família” em vez de “pais”, justificando essa opção com duas razões principais: (a) “pais” é um termo sexista (Marques, 1994b); e (b) “pais” é um conceito que se aplica apenas aos progenitores biológicos, enquanto que “família” engloba um número alargado de figuras, adultos ou crianças, com diferentes laços familiares (como por exemplo, irmãos, pais, tios, primos ou avós), que podem desempenhar um papel importante na criação de um ambiente favorável à aprendizagem (Silva, 2002; Villas-Boas, 2001; Marques, 1993; Davies, 1989).

“Pais” é um termo que aparece na literatura, com um sentido abrangente, designando os pais, as mães ou outros que desempenhem a função parental em sua substituição (Villas-Boas, 2001). Efectivamente, são as mães que, maioritariamente, fazem o acompanhamento da vida escolar das crianças e dos jovens.

No nosso estudo, damos preferência ao termo “família”, pelas razões apontadas. Quando pretendemos referir-nos exclusivamente, à pessoa responsável pelos contactos estabelecidos com a escola, optamos, na maior parte das vezes, pela designação “encarregado de educação”. A utilização do termo “pais” é feita no sentido definido por Villas-Boas.

Encarregado de educação

Encarregado de educação (EE) é o indivíduo que, no acto da matrícula de um aluno menor de idade, se responsabiliza, perante a escola, pelo acompanhamento da vida escolar da criança, independentemente do vínculo familiar que os possa unir e de lhe estar ou não atribuído o poder paternal. Corresponde, por conseguinte, à pessoa que mantém uma relação privilegiada com a escola. Geralmente o EE é um dos progenitores, sendo, na maior parte dos casos, a mãe. No entanto, em muitas situações, são outros familiares (avós, irmãos mais velhos, tios, padrinhos) ou pessoas sem laços familiares (amas, por exemplo).

No nosso trabalho, referir-nos-emos frequentemente aos EEs, visto serem as figuras responsáveis pelos alunos com quem o DT deve estabelecer todos os contactos necessários.

Parceria

O conceito de parceria tem origem no de “partnership”, muito utilizado a partir de meados da década de oitenta, “para indicar uma colaboração mais abrangente entre as instituições, quer seja formal ou informal, sempre porém no sentido de diminuir as descontinuidades entre elas” (Villas-Boas, 2001, p. 85). Esta autora refere o facto de este conceito ser traduzido de formas distintas por Steven

Stoer (1994, citado por Villas-Boas, 2001) traduz este conceito de duas formas distintas: “partenariado” e “parceria”. Partenariado aplica-se ao trabalho de uma equipa formal e decorrente de programas de carácter social e económico. Parceria aplica-se a um trabalho informal entre pessoas ou entidades com interesses comuns e com os mesmos objectivos. Ambos devem ser tidos em consideração na relação entre a escola e a família, de acordo com Stoer. Villas-Boas acrescenta que a parceria implica “uma maior responsabilização dos “parceiros”, com iguais direitos e deveres, perante um objectivo comum, o da aprendizagem”, e que este termo contribui ainda para acentuar a relação tripartida entre a escola, a família e a comunidade.

De acordo com Silva (2002), o conceito de parceria implica, para alguns autores, “uma conotação igualitarista que, amiúde, corresponde mais ao domínio do desejo do que dos factos” (p. 101). Noutros casos, implica “mais uma negociação – com regras mutuamente aceites – do que uma efectiva igualdade.” (p. 101)

Colaboração escola-família

Para Marques (2001), parceria é um conceito que envolve a concordância das pessoas em fazerem algo em conjunto, partilhando a responsabilidade e os benefícios disso. Requer igualdade e respeito mútuo, vontade expressa livremente e reconhecimento de benefícios comuns. As pessoas trabalham em comum para obterem algo que não conseguiriam se actuassem sozinhas mas, embora haja partilha de poderes e de responsabilidades, as funções podem ser diferentes. Marques (1993) considera mesmo que é fundamental haver parceria para poder haver uma verdadeira colaboração nos dois sentidos, para haver autonomia nas escolas e para se criarem verdadeiras comunidades educativas escolares.

É neste sentido definido por Marques que o conceito de parceria surge referido ao longo do nosso trabalho.

Envolvimento e Participação parental

Apesar do esforço desenvolvido por diversos autores para definir estes dois conceitos, existe ainda alguma imprecisão e alguma incongruência na sua definição.

O conceito de participação é visto de forma idêntica pelos diversos autores. Marques (1994a) apresenta a seguinte definição: “A participação inclui as formas de relacionamento entre a escola e as comunidades que pressupõem a partilha do poder e o exercício da tomada de decisões e do poder deliberativo.” (p. 52). Silva (2002) considera que a participação parental tende a englobar “todo o conjunto de actividades colectivas legalmente enquadradas” (p. 101). O exemplo que Silva aponta, a participação em associações de pais ou em órgãos das escolas, encontra eco em muitos outros autores (Marques, 1994a; Davies, 1989).

Silva (2002) considera que o conceito de envolvimento se refere a acções essencialmente individuais em benefício directo dos filhos. Davies (1989) define envolvimento como designando todas as formas de actividade dos pais na educação dos seus filhos, tanto em casa como na escola ou na comunidade. Estas definições têm em comum o facto de se apontar para acções com um carácter mais individual, no sentido em que visam beneficiar directamente o educando de quem se envolve.

Tendo o conceito de envolvimento diferentes graus de abrangência conforme os autores, existem, no entanto, dois tipos de actividades que reúnem consenso e que são caracterizadas por terem como objectivo o benefício directo e imediato do educando. Trata-se das actividades de comunicação entre a casa e a escola e das tarefas de

aprendizagem realizadas em casa. No entanto, Silva (1997b) e Marques (1994a) incluem neste conceito as actividades de voluntariado, que podem visar um público mais lato do que o educando considerado individualmente.

Dada a dificuldade em estabelecer uma distinção precisa entre “envolvimento” e “participação”, evitaremos estes termos em sentido estrito, reportando-os quer à utilização que os autores citados dele fazem quer ao seu sentido corrente.

Colaboração

Marques (1993) manifesta preferência por esta designação em vez de participação ou de envolvimento. Apresenta-a como uma designação utilizada por Epstein para mostrar que da colaboração e da interacção entre a escola e a família, espaços de vida da criança parcialmente sobrepostos, depende a qualidade do seu desenvolvimento. Numa obra datada de 1994b, o mesmo autor apresenta diversas vantagens que considera existirem nesta designação: (a) tem um enquadramento teórico e integra-se numa visão de escola e de desenvolvimento da criança interactivos e desenvolvimentistas; (b) integra as noções de parceria, partilha de responsabilidades e participação, na perspectiva de que o sucesso educativo de todos implica a colaboração de todos os intervenientes; (c) tem implícito o conceito de escola como comunidade educativa, em que o processo educativo depende da interacção de todos os intervenientes.

No nosso trabalho damos também preferência a esta designação para nos referirmos às actividades de interacção positiva entre a escola, a família e a comunidade.

Ligação

Marques (1993) aponta as designações “ligação da escola às famílias” e “ligação da escola ao meio” como carecendo de rigor conceptual, pelo que recomenda que a sua utilização seja evitada.

Família difícil de alcançar vs. Escola difícil de alcançar

Davies (1989) refere-se a “pais de difícil acesso” como sendo pais que têm pouco ou nenhum contacto com a escola. Esta ideia, que surge com mais frequência traduzida por outros autores como “pais difíceis de alcançar” ou “família difícil de alcançar”, é considerada por Davies como sendo pouco adequada, visto que traduz a visão dos professores e não a dos próprios pais. Marques (2001) manifesta a mesma opinião, contrapondo a designação de “escola difícil de alcançar”, para traduzir o conceito de

Colaboração escola-família

escola com diversas características que contribuem para afastar as famílias mais desfavorecidas, ou seja, de “escola que não é capaz de atrair os pais e que, portanto, se encontra afastada deles, por motivos organizacionais, rotinas burocráticas, falta de espaço ou atitudes dos professores.” (p. 140) No seu entender, esta designação, além disso, “tem a vantagem de abrir caminho para a solução do problema” (p. 37).

Numa obra datada de 1993, Marques contrapunha as ideias de “alcançar” e de “envolver”, dando preferência à segunda. Considerava as designações “famílias/escolas difíceis de envolver” mais adequadas por serem mais abrangentes e integrarem mais eficazmente os diversos tipos de colaboração entre a escola e a família, não se limitando à comunicação, como o verbo “alcançar”. Já nessa obra, Marques enfatizava a preferência pelo conceito “escolas difíceis de envolver” em detrimento de “pais difíceis de envolver”, porque este último tende a “vitimizar a vítima”, pressupondo que a falta de colaboração entre a escola e a família se deve à família e desculpabilizando a escola.

Não obstante a pertinência da argumentação de Marques (1993) em favor da designação “famílias/escolas difíceis de envolver”, o autor, em obras posteriores, utiliza tanto esta designação como a de “famílias/escolas difíceis de alcançar”, sendo esta última mais frequentemente encontrada em obras de outros autores.