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O ambiente familiar e os benefícios da colaboração escola-família

Marques (1997c) cita o provérbio africano “Para educar uma criança é preciso toda uma aldeia”, veiculando a ideia de que a chave para o sucesso educativo reside numa maior aproximação da escola às famílias dos alunos e à comunidade.

Diversos autores (Chora et al., 1997; Estrela & Villas-Boas, 1997; Silva, 1997b) estabelecem uma correlação positiva entre o apoio dos pais à vida escolar dos filhos e o rendimento académico destes. Silva (1997a) fala de um duplo efeito de Pigmalião, que interfere nesse processo. Por um lado, os pais, ao apoiarem a vida escolar dos filhos, sentem-se mais implicados e aumentam as suas expectativas relativamente ao seu percurso escolar, contribuindo para que as crianças e os jovens tenham também melhores expectativas e melhorem a sua autocofiança, auto-estima e autoconceito académico. A este processo o autor chama “efeito de Pigmalião dos pais”. Por outro lado, este envolvimento dos pais eleva também a expectativa dos professores

relativamente aos alunos, a qual exerce igualmente influência no rendimento escolar deles, através do efeito de Pigmalião, que assim se torna duplo.

Numa perspectiva constructivista da aprendizagem, o processo de construção do conhecimento é beneficiado quando ocorre uma discrepância moderada entre a informação nova e o que já se conhece, facilitando a integração da informação nova nas estruturas mentais. Ora para Marques (1997b), a descontinuidade cultural entre a família e a escola proporciona discrepâncias demasiado elevadas e, por conseguinte, desmotivadoras para os alunos. Reconhecendo que essa descontinuidade pode favorecer o insucesso académico, diversos autores (Villas-Boas, 2001; Marques, 1997a; Epstein & Connors, 1994) salientam que o desenvolvimento de programas de envolvimento parental pode contribuir para aproximar a família da escola e diminuir as descontinuidades. Desta forma, a integração dos alunos na escola e a aprendizagem poderão ser mais bem sucedidas. Estes autores acentuam que, se todas as crianças poderão beneficiar com a colaboração entre a família e a escola, são as que provêm de meios mais desfavorecidos que retirarão maiores benefícios.

Referindo que grande parte da diferença no desempenho escolar, principalmente a nível da competência verbal, se deve às diferenças no ambiente familiar, Bloom (1981) acrescenta que a variável que mais contribui para estas diferenças no ambiente familiar é aquilo que os adultos fazem, no decurso das suas interacções com as crianças, e não o seu status, seja ele de carácter económico ou de habilitações literárias. De acordo com o autor, regista-se uma grande diferença entre as famílias, no que respeita à forma como elas contribuem para o desenvolvimento de características básicas das crianças, que são fundamentais para as aprendizagens futuras na escola. Desta forma, o ambiente familiar pode ser favorável ou desfavorável para a aprendizagem. Esta ideia é reforçada por Villas-Boas (2001). A autora salienta a influência do ambiente familiar na formação dos valores que, por sua vez, condicionam a relação com a aprendizagem e a escola, contribuindo para a qualidade da motivação da criança e promovendo a existência de continuidade ou de descontinuidade entre a cultura da família e a da escola.

Bloom (1981) salienta que as famílias que não cumprem adequadamente as suas funções educativas poderiam fazê-lo melhor se lhes fossem explicadas as consequências da sua actuação. Marques (1997d) reforça este ponto de vista, acrescentando que “as práticas, experiências e interacções familiares são mais importantes para o sucesso dos

Colaboração escola-família

alunos do que as características estruturais do tipo classe social, raça, educação ou rendimentos” (p. 57). Villas-Boas (2001), por seu turno, destaca a importância de se identificar os factores do ambiente familiar que contribuem para o desenvolvimento intelectual da criança e para o desenvolvimento da sua motivação básica para aprender, e aqueles que constituem um risco para a qualidade desse ambiente. É particularmente importante, na sua opinião, identificar os factores que são modificáveis.

De acordo com um estudo realizado por Wang et al. (1993, citado de Villas-Boas, 2001), as variáveis que maior influência exercem na aprendizagem são de três tipos: (a) variáveis do ambiente familiar, entre as quais se contam actividades e atitudes dos pais promotoras de aprendizagem; (b) variáveis de natureza psicológica relacionadas com a metacognição, a motivação e a afectividade; e (c) variáveis de instrução, entre as quais se contam a gestão da aula e a relação pedagógica. Villas-Boas (2001) aponta a coincidência registada nos estudos de Bloom (1982, citado de Villas-Boas, 2001) e de Wang et al. (1993, citado de Villas-Boas, 2001) relativamente aos exemplos de atitudes parentais consideradas promotoras da aprendizagem, nomeadamente manifestação de interesse pelo trabalho escolar, participação nas reuniões na escola, expectativas relativamente ao sucesso escolar, verificação da realização do TPC e da assiduidade às aulas. As atitudes identificadas por estes investigadores corroboram a ideia de Bloom, anteriormente indicada, de que, para o desenvolvimento da aprendizagem dos filhos, é mais importante o que os pais fazem do que o seu estatuto sócio-económico ou as suas habilitações literárias. Por outro lado, demonstram que a possibilidade de o ambiente familiar ser ou não favorável à aprendizagem depende de factores que são modificáveis, pelo que a intervenção da escola junto das famílias, nomeadamente através de programas de informação e de formação, assume grande importância. A investigação (Chora et al., 1997; Epstein, 1997a; Epstein, 1997b) mostra que a maior parte das famílias se preocupa com as suas crianças e deseja o seu sucesso, tendo vontade de obter ajuda, por parte da escola, para colaborar na educação dos filhos. Faz-se sentir a necessidade de mais informação e orientação das escolas para com as famílias, para que estas consigam manter um diálogo positivo com as crianças acerca da escola, do crescimento e do futuro (Epstein & Connors, 1994). Efectivamente, quando a família incentiva, apoia, dá uma supervisão e uma orientação adequadas e transmite percepções positivas acerca da escola e da aprendizagem, influencia positivamente o sucesso

académico, as atitudes, as aspirações e o comportamento dos jovens (Epstein & Connors, 1994).

A investigação desenvolvida em torno da colaboração escola/família/comunidade tem permitido encontrar resultados positivos, que se traduzem em benefícios não só para os alunos, mas também para os restantes intervenientes, nomeadamente, para os pais e as famílias, para os professores e a escola e para a comunidade.

Considerando os alunos, são diversas as variáveis que têm sido estudadas e que são referidas na literatura. O desenvolvimento das crianças e dos jovens e o seu sucesso escolar são beneficiados pela colaboração entre a escola, a família e a comunidade (Villas-Boas, 2001; Marques, 1994a). Esta contribui também para aumentar a motivação dos estudantes para a escola e para o estudo (Chora et al., 1997; Marques, 1997a) e para promover neles uma melhoria de atitudes fundamentais para o sucesso escolar (entre as quais assiduidade às aulas, comportamento e empenho nas tarefas escolares na escola e em casa – Epstein, 1997b), decorrente do sentimento de que a família e a comunidade valorizam a escola e se preocupam com o seu percurso académico (Sanders & Epstein, 1998; Epstein, 1997a). Regista-se, ainda, o desenvolvimento de expectativas mais elevadas dos jovens relativamente ao seu percurso escolar, favorecido por expectativas também mais elevadas por parte dos seus pais (Epstein, 1997b; Silva, 1997a).

Quanto aos pais e às famílias, a investigação na área da colaboração escola/família/comunidade tem-se debruçado sobre diversas variáveis, com a obtenção de resultados favoráveis. Essa colaboração contribui para modificar as percepções da escola e dos professores face às famílias, num sentido positivo (Chora et al., 1997). Beneficia o desenvolvimento de expectativas e de atitudes mais positivas da família em relação à educação (Villas-Boas, 2001; Marques, 1994a). Desenvolve a capacidade dos pais para verem os filhos de forma mais positiva e os percepcionarem como estudantes de uma forma também mais positiva (Funkhouser & Gonzales, 1997). Proporciona, às famílias, oportunidade de aquisição de conhecimentos e de desenvolvimento de competências para educar as crianças (Davies, 1996), conduzindo a um melhor desempenho do papel de educadores, por parte dos pais ou de outros familiares significativos (Marques, 1997a), e a um maior sentimento de eficácia no desempenho desse papel (Funkhouser & Gonzales, 1997). Favorece uma melhoria da auto-estima dos

Colaboração escola-família

pais e o “aumento da motivação para o desencadear de processos de formação permanente e a melhoria qualitativa da sua participação nas tarefas colectivas” (Diogo, 1998, p. 22). A colaboração escola/família/comunidade contribui ainda para a formação de cidadãos mais intervenientes e activos, pretendendo ter uma maior participação em assuntos públicos para além da escolarização dos filhos (Davies, 1989).

No que se refere aos professores e às escolas, a investigação tem procurado apreciar a influência da colaboração escola/família/comunidade sobre diversas variáveis, sendo os resultados obtidos, de uma forma geral, positivos. Essa colaboração contribui para modificar as percepções (Chora et al., 1997) e as atitudes (Davies, 1989) das famílias face à escola e aos professores, num sentido positivo. Facilita, aos professores, uma melhor compreensão das necessidades e das características das famílias, permitindo-lhes adaptarem mais facilmente o currículo aos seus alunos (Chora et al., 1997), tentando, inclusivamente, introduzir componentes curriculares que aproximem a escola da cultura da comunidade (Marques, 1997a). Promove uma valorização da imagem social da escola e o aumento do prestígio profissional dos professores (Marques, 2001). Contribui para a criação de um ambiente mais seguro na escola e proporciona o recurso ao apoio de estruturas e de serviços da comunidade, (Sanders & Epstein, 1998). Favorece, ainda, o desenvolvimento de um sentimento de pertença da escola, enquanto instituição, à comunidade (Davies, 1989).

Por fim, a investigação tem também procurado apreciar a influência da colaboração escola/família/comunidade sobre diversas variáveis relativas à comunidade, com a obtenção de resultados positivos. Verifica-se que essa colaboração proporciona, às instituições comunitárias, um maior campo de acção e mais apoios (Villas-Boas, 2001). Favorece igualmente, a essas instituições e aos serviços da comunidade, a possibilidade de acesso a recursos e a conhecimentos da escola (Davies, 1996).

Apesar de a investigação ter vindo a salientar, de forma inequívoca, os benefícios da colaboração entre a escola e a família e de em Portugal se terem verificado mudanças consideráveis na legislação que regulamenta as relações entre esses dois sistemas, a evolução observada na prática não tem sido muito significativa. As dificuldades que se registam não são exclusivas de Portugal. Efectivamente, a investigação realizada mostra um padrão semelhante nos países ocidentais, embora com matizes diferentes. Vários

trabalhos têm sido desenvolvidos no âmbito desta temática, que iremos considerar no ponto seguinte.