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Baseado numa revisão da literatura, Diogo (1998) aponta para a existência de quatro grandes barreiras ao envolvimento das famílias nas escolas: (a) tradição de separação entre a escola e a família; (b) tradição de culpar os pais pelas dificuldades dos filhos; (c) barreiras estruturais da organização social; e (d) persistência das estruturas organizativas dos estabelecimentos de ensino.

Tradição de separação entre a escola e a família:

Os pais entregam os filhos à escola, delegando nela a sua função educativa. Os professores, por seu turno, aceitam essa passividade das famílias (Marques, 1997b). Apesar de ir sendo produzida legislação que visa fomentar e regulamentar a participação dos pais na escola, a cultura de separação persiste e as mudanças são lentas.

Os professores parecem desejar o apoio das famílias no acompanhamento escolar das crianças, querendo, simultaneamente, continuar a manter a mesma independência e liberdade relativamente a elas (Diogo, 1998). Num estudo realizado em Portugal (Marques, 1997e), concluiu-se que, tradicionalmente, os professores esperam dos pais o apoio aos seus esforços; a colaboração na criação de condições básicas ao desenvolvimento das crianças, em casa; o reforço dos hábitos de estudo em casa; a comparência nas reuniões escolares, nas festas escolares e sempre que são chamados à escola; a tomada de conhecimento das fichas de avaliação. Os professores esperam que, em casa, exista uma continuidade dos valores e atitudes da escola. Se tal não acontece, acusam as famílias de falta de interesse na educação dos filhos. Contudo, muitos professores manifestam desconfiança e resistência relativamente à participação dos pais na escola, porque receiam que ela se traduza numa fiscalização do seu trabalho (Villas- Boas, 2001), numa diminuição da sua autonomia profissional e pedagógica (Marques, 1994a) ou num acréscimo de tarefas (Marques, 1993) e, ainda, porque consideram que a organização da escola compete aos professores (Estrela e Villas-Boas, 1997).

Da parte dos EEs, existem também atitudes que dificultam essa colaboração, havendo quem queira interferir em áreas que não são da sua competência; quem se

Colaboração escola-família

demita do seu papel educativo, remetendo para a escola o cumprimento de funções que competem à família; e quem, devido à sua baixa condição sócio-económica e à diferença entre a sua cultura e a da escola, não se sinta à-vontade na escola nem competente para apoiar os filhos no estudo em casa (Estrela & Villas-Boas, 1997).

A inexistência de contactos entre a escola e as famílias contribui para o desenvolvimento de concepções negativas e de desconfiança de parte a parte, as quais levam a que esta separação se acentue (Funkenhouser & Gonzales, 1997). Existe ainda a concepção, perfilhada por EEs e por professores, de que não vale a pena ir à escola quando as crianças não têm problemas (Villas-Boas, 2001).

Tradição de culpar os pais pelas dificuldades dos filhos:

Ancorados numa visão pretensamente sociológica, muitos professores crêem que os problemas dos alunos na escola são devidos à família. Atribuem aos pais a responsabilidade pelo seu não envolvimento na escola e consideram que o facto de eles não se deslocarem à escola demonstra desinteresse pelos filhos (Villas-Boas, 2001). Adoptam uma atitude culpabilizante, em vez de procurarem encontrar formas de superar o problema (Marques, 1997b). Esta atitude traz associada a desresponsabilização da escola, através da culpabilização das famílias (Diogo, 1998). Trata-se da “vitimização da vítima”, ou seja, da atribuição de responsabilidades pelo afastamento da escola às famílias que dela se sentem excluídas. Diversos estudos (Chora et al., 1997; Epstein, 1997a; Silva, 1997b), no entanto, como já foi referido, têm concluído que as famílias valorizam a escola e gostariam de dar apoio às suas crianças, não o fazendo por não saberem como ou por não se sentirem competentes para tal.

Barreiras estruturais da organização social:

Neste domínio, os factores aos quais Diogo (1998) encontrou maior referência no seu estudo foram o emprego dos dois elementos do casal e as deslocações casa-trabalho e trabalho-casa. A incompatibilidade de horários das reuniões nas escolas com os horários de trabalho dos EEs é um obstáculo que não encontra instrumentos legais ou facilidades a nível dos empregos para ser ultrapassado. O modo de vida urbano, acentuado pelo aumento dos fenómenos de urbanização, dificulta ainda mais a comunicação e o envolvimento de muitas famílias na escola (Diogo, 1998), por se sentirem marginalizadas, devido a factores como a pobreza e as diferenças culturais (McDermott & Rothenberg, 2000).

Persistência das estruturas organizativas dos estabelecimentos de ensino:

As escolas continuam a ser estruturas burocráticas, com rituais muito formalistas e uma linguagem muito técnica, não acessível aos EEs com baixa escolaridade (Marques, 1997b). O carácter dos contactos estabelecidos entre os professores e os EEs é predominantemente negativo. Geralmente estes só são chamados à escola quando há problemas com os seus educandos ou quando eles têm dificuldades (Epstein, 1997a; Afonso, 1994). A participação dos EEs cujos educandos não têm problemas tende até a ser desencorajada e considerada como uma perda de tempo (Afonso, 1994). Nas escolas de 2º e de 3º ciclo e nas secundárias, a direcção de turma não tem sido alvo de medidas promotoras de um papel activo do DT no envolvimento das famílias. Normalmente a atribuição do cargo faz-se por conveniência de horário e não pela adequação do perfil do professor ao cargo, o que contribui para o seu desempenho com um pendor predominantemente burocrático. Por outro lado, o número de horas de redução é insuficiente, contribuindo para acentuar mais esse pendor (Diogo, 1998; Marques, 1993).

As práticas adoptadas pela escola para garantir a segurança dos alunos (controlo de entradas, exigência de identificação) funcionam de forma intimidatória para muitos EEs, pouco ou nada familiarizados com a estrutura dos estabelecimentos de ensino (Funkhouser & Gonzales, 1997).

Outros factores de afastamento entre a família e a escola aparecem identificados na literatura. Epstein et al. (1997), Sanders e Epstein (1998) e Walker (1998) assinalam a tendência para a diminuição do envolvimento à medida que a idade e o nível de escolaridade dos jovens aumenta. Epstein et al (1997) referem que esta tendência é mais acentuada quando os alunos mudam de escola, começando as famílias a perder contacto com as escolas dos seus filhos e, consequentemente, com estes enquanto estudantes.

Num estudo por si realizado, Diogo (1998) identificou uma outra barreira ao envolvimento das famílias: o perfil do corpo docente. Há, entre os professores, uma grande insegurança relativamente a uma possível intervenção das famílias na escola, por recearem a ingerência destas no domínio pedagógico, sentindo-a como uma ameaça à sua autonomia pedagógica dentro da sala de aula. No que se refere ao DT, o enviesamento rotineiro e burocrático das suas tarefas é favorecido pela forma como se faz a atribuição deste cargo, conforme foi referido anteriormente. O facto de a formação

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de professores não abordar suficientemente a problemática da colaboração escola/família contribui para esta situação (Marques, 1994a), agravada, no caso dos DTs, por não haver qualquer formação específica para o desempenho deste cargo.

As diferenças de linguagem e de cultura entre a escola e as classes desfavorecidas, do ponto de vista sócio-económico, são um factor de exclusão (Funkhouser & Gonzales, 1997) e um obstáculo ao envolvimento parental na escola (Davies, 1989). Os pais de baixa condição sócio-económica têm pouca disponibilidade para intervir na escola e têm menos prestígio profissional que os professores, ao contrário dos pais da classe média, que têm tanto ou mais prestígio profissional que os docentes. Silva (1997b), acrescenta que estes pais têm dificuldade em compreender os professores e o que eles pretendem e não sabem como ajudar os filhos, o que gera falta de confiança na sua competência educacional e dependência dos professores. Habitualmente têm um grau de escolaridade bastante baixo, pelo que a escola, a partir do 2º ciclo, lhes é um espaço físico e social estranho, do qual desconhecem as normas formais e informais que regem as interacções entre os actores sociais e onde predomina uma linguagem que também não dominam. A estes factores juntam-se ainda as experiências negativas que muitos deles tiveram ao longo da sua reduzida escolaridade e o facto de praticamente só serem chamados à escola por razões desagradáveis (Silva, 1997a).

Silva (2002) corrobora a clivagem sociológica que se faz sentir a nível do envolvimento e da participação parentais, considerando que ela assenta em três grandes eixos: a classe social, o género e a etnia/raça. O autor afirma que escola portuguesa tende a direccionar-se para um modelo de aluno branco, de classe média, residente numa zona urbana e de cultura erudita, na esteira do WASP norte-americano, de que falam diversos autores (white, anglo-saxon, protestant). A relação entre a família e a escola é uma relação entre culturas, em que a escola privilegia uma cultura urbana, letrada, de classe média, em detrimento das restantes. Desta forma, alguns grupos sociais encontram-se numa relação de continuidade cultural com a escola, enquanto outros se caracterizam por uma distância cultural que pode mesmo traduzir-se em descontinuidade cultural. Por conseguinte, a relação escola-família é vista por Silva como uma relação armadilhada porque “A clivagem sociológica de que está eivada torna relativamente fácil que ela desemboque na reprodução de desigualdades escolares

que são também sociais ou, por outras palavras, se converta num mecanismo de reprodução social e cultural.” (p. 120)

Tanto a representação dos encarregados de educação em órgãos das escolas como o desenvolvimento de programas de envolvimento de pais não constituem, por si sós, uma solução para diminuir o afastamento das famílias carenciadas, podendo até acentuá-lo. Frequentemente, os representantes dos pais em órgãos das escolas possuem um capital cultural semelhante ao da escola e identificam-se mais com os professores, que têm o mesmo tipo de formação académica, do que com a maioria dos outros pais, provenientes de meios populares. Esta situação é agravada pelo facto de raramente se fazer uma verdadeira auscultação permanente dos EEs, tanto mais que as associações de pais tendem a contar com uma reduzida participação dos EEs que representam (Silva, 2002). O autor chama, no entanto, a atenção para a necessidade de se aprofundar a democracia representativa e de a articular com a democracia participativa, não se cedendo à tentação de, perante este quadro, se resolver os problemas da representação dos EEs acabando com ela. Quanto aos programas de envolvimento de pais, existe o perigo de eles poderem contribuir para reforçar o fosso existente entre as famílias de baixos rendimentos e as da classe média, se não se basearem em princípios democráticos, com preocupações de igualdade (Davies, 1989) e de apoiar as famílias mais carenciadas (Marques, 1997d). A escola pode, no entanto, envolver essas famílias no processo educativo, o que contribuirá para aumentar o sucesso escolar das crianças.

McDermott e Rothenberg (2000), num estudo sobre o envolvimento na escola de pais com baixo rendimento, em áreas urbanas, identificam três factores que contribuem para a qualidade do envolvimento parental e para a vontade ou para a relutância desses pais em se envolverem na educação escolar dos filhos:

(a) A percepção da família acerca do seu papel e da sua responsabilidade na educação da criança mostrou ser o mais importante factor de predição do envolvimento parental. As famílias de baixos rendimentos sentem-se excluídas do sistema escolar e consideram que ensinar é uma responsabilidade da escola.

(b) Os sentimentos parentais de eficácia contribuem para o envolvimento parental. Os pais participam e envolvem-se mais se sentirem que podem contribuir do que se acharem que o seu envolvimento não contribuirá de forma positiva.

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(c) O facto de as escolas fazerem ou não com que os pais se sintam lá bem e de valorizarem ou não a sua participação contribui positiva ou negativamente para o seu envolvimento na educação dos filhos.

Conforme refere Villas-Boas (2001), a diminuição da descontinuidade entre as culturas da família, da escola e da comunidade, fundamental para o sucesso educativo e académico das crianças, é um processo bilateral, que implica aproximação da família à cultura da escola e aproximação da escola à cultura da família. Cabe, no entanto, à escola, a responsabilidade de tomar iniciativas de envolvimento das famílias (Estrela & Villas-Boas, 1997; Funkhouser & Gonzales, 1997). Sendo a relação entre a escola e as famílias uma relação entre culturas e havendo uma hierarquização social das diversas culturas, a relação entre a escola e as famílias é uma relação de poder. Uma vez que a escola tende a representar a cultura socialmente dominante, deve ser ela a dar os primeiros passos para a construção de pontes com as culturas que se encontram em situação desfavorecida (Silva, 1994).

Epstein (1997a) desenvolveu um modelo de colaboração escola/família/comunidade, que, sendo constituído por seis tipos de actividades, proporciona uma ampla gama de formas de colaboração que abrange a diversidade cultural e sócio-económica das famílias dos alunos de cada escola. Esta tipologia, de que nos ocuparemos no ponto seguinte, pode ser um precioso instrumento auxiliar das escolas que pretendam desenvolver programas de colaboração escola/família/comunidade.