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SATISFAÇÃO E MAL-ESTAR DISCENTE

V. 1. A (in)justiça em meio escolar

Considerando que na escola o aluno se socializa quer pela experiência escolar propriamente dita, quer pela pertença ao grupo-turma ou a um grupo de pares e que essas experiências conduzem a uma (re)elaboração da identidade pessoal e social, compreendemos o importante papel da escola na orientação do aluno face à autoridade. O professor é o primeiro representante da autoridade formal e, tal como referem Gouveia- Pereira e Pires (1999: 98), “a experiência escolar é a primeira relação que a criança estabelece com uma instituição social, consequentemente, fornece-lhes as bases para uma futura compreensão da autoridade formal” e de outros sistemas institucionais. As interacções no quotidiano da sala de aula permitem ao aluno a sua compreensão sobre as relações interpessoais e o confronto com sistemas de normas e comportamentos que regulam essas mesmas interacções. Assim, a malha complexa de relações de poder, de regras e de constrangimentos escolares vivenciados pelos alunos contribui para a formação de representações sobre a autoridade formal e também aprendem que essas relações não se estabelecem apenas com base no plano afectivo.

Nesse sentido, “aprendem a respeitar os professores, não apenas com base nas suas características pessoais mas reconhecendo a existência de papéis e regras sociais que devem ser respeitadas. No entanto, é também nesse contexto que os sujeitos cometem as primeiras transgressões e, muitas vezes, recebem as respectivas punições” (ibid., ibidem). Perante os castigos ou as recompensas recebidas o aluno forma opiniões sobre a (in)justiça da actuação dos seus professores e desenvolve atitudes positivas ou negativas face à autoridade.

A percepção individual da justiça ou injustiça existentes numa organização tem-se revelado como tendo um importante impacto no comportamento dos seus membros (Sousa, 2006: 29). Considerando a escola como uma organização, podemos inferir que a justiça percebida pelo aluno relativamente à acção e às tomadas de decisão dos seus professores intervém na regulação do seu comportamento em sala de aula e afecta

“emoções e atitudes” (Theotónio & Vala, 1999: 53), bem como tem um peso considerável na legitimação da autoridade.

A este propósito, Piaget (1973) alude a que o sentido da justiça está relacionado com a passagem da moral heterónoma para a moral autónoma: Até aos oito/nove anos a criança possui uma moralidade heterónoma, baseada nas relações de respeito unilateral e de obediência à autoridade como um dever e o medo do castigo, evoluindo depois para uma moralidade autónoma, constituída pela cooperação e respeito mútuo, que assenta na reciprocidade e na regra da igualdade (apud Gouveia-Pereira, 2004: 38).

Para Perrenoud (1978: 140) as injustiças na aula devem-se, essencialmente, a dois mecanismos que, no quadro do ensino tradicional, são geradores de desigualdades: por um lado, o tratamento diferente na acção pedagógica e na avaliação, e, por outro, a fraca distinção da acção pedagógica e de avaliação tendo em conta as especificidades do aluno. As situações de injustiça provocam no aluno sentimentos de que está a ser vítima de injustiça podendo levar a comportamentos de resistência e retaliação. Este tipo de situações é perturbador quer para o aluno, quer para a interacção na sala de aula e estas patenteiam como é importante o professor estar atento às desigualdades de tratamento na acção pedagógica e de avaliação com os seus alunos.

Se os alunos percepcionarem a autoridade escolar como imparcial e neutra menos a desafiarão. Assim, no que respeita à “legitimidade da autoridade, quanto mais as pessoas legitimam a autoridade, mais tendência têm para lhe obedecer e aceitar as suas ordens e propostas” (Gouveia-Pereira, 2004: 30). Nesse sentido, Gouveia-Pereira e Pires (1999: 98), com base nos estudos de Emler e James (1994), referem que “uma carreira escolar positiva, cujos resultados sejam satisfatórios, proporcionará ao adolescente comportamentos sociais mais positivos face à instituição escolar e à autoridade em geral (…) os adolescentes com atitudes negativas não reconhecem e rejeitam as autoridades e as regras que elas aplicam e têm a percepção de que a autoridade é exercida de forma enviesada e tendenciosa”; por conseguinte, na sequência de atitudes negativas face às autoridades surgem os comportamentos desviantes. Os comportamentos e as atitudes dos alunos face à autoridade institucional, segundo a pesquisa de Rubini e Palmonari (1995), estão correlacionados significativamente com o desempenho e rendimento escolar (apud Gouveia-Pereira, 2004: 50). Compreende-se, portanto, que uma relação positiva com a autoridade escolar favoreça a aprendizagem do aluno.

Dimensões da justiça - A literatura e a investigação em torno da justiça percebida

remetem-nos para três principais abordagens: a justiça distributiva, a justiça procedimental e a justiça relacional. Esta última dimensão é considerada por alguns autores como sendo compostapor duas dimensões distintas: a dimensão interaccional e a dimensão procedimental.

O conceito de justiça distributiva “foi introduzido, na psicologia social, por Homans (1961) e desenvolvido por Adams (1965) na sua teoria da equidade” (apud Theotónio & Vala, 1999: 54), e desenvolveu-se com base numa concepção das relações humanas como transacções, como trocas de recompensas e de castigos, de ganhos e de custos, de investimentos e de perdas. “Centra-se nos julgamentos que os indivíduos fazem relativamente aos resultados que obtêm numa qualquer interacção” (ibid., ibidem).

A equidade, a igualdade e a necessidade também têm sido utilizadas como critérios de avaliação da justiça distributiva (Sousa, 2006: 29). Assim, uma situação é equitativa ou justa, na medida em que os indivíduos recebem recompensas na proporção das suas contribuições, e é percebida como injusta quando existe iniquidade no que concerne aos resultados recebidos numa qualquer troca social. Esta teoria implica que os indivíduos nos seus julgamentos de justiça fazem comparações com outros indivíduos que se encontram na mesma situação.

Transpondo a teoria da equidade para o contexto escolar, se um aluno se prepara devidamente para um exame, espera ter uma boa nota nesse exame. Na presença de uma avaliação, para além de julgar os níveis que lhe foram atribuídos, compara as suas notas com as dos seus colegas, e ajuíza sobre as mesmas em função da percepção que tem daquilo que estes últimos investiram no trabalho escolar. Trata-se, portanto, de um processo de comparação intra e interindividual (Gouveia-Pereira, 2004: 62).

Nesta perspectiva, o que modela a dinâmica das relações são essencialmente considerações sobre a distribuição dos resultados; os indivíduos esperam que as trocas sociais sejam justas. Esperam que as recompensas de um indivíduo sejam directamente proporcionais aos custos e às recompensas do parceiro, tal como esperam que os lucros sejam proporcionais aos investimentos. Se tal não se verificar, podem surgir emoções negativas tais como a raiva ou a tristeza (ibid: 61).

A percepção de justiça procedimental é relativa à justiça dos procedimentos das autoridades utilizados na determinação das recompensas recebidas pelos sujeitos. Esta linha de pesquisa emergiu a partir dos trabalhos de Thibaut e Walker (1975), os quais

revelaram que as pessoas são afectadas pelos processos de justiça subjacentes às tomadas de decisão, (apud Caetano e Vala, 1999: 76). Thibaut e Walker identificaram dois determinantes da percepção de justiça procedimental: o controlo do processo e o controlo

da decisão. “Em contexto organizacional, estes conceitos têm sido traduzidos,

respectivamente, por «voz» (oportunidade de expor o ponto de vista ou participação no processo de tomada de decisão) e por «escolha» (oportunidade de influenciar a decisão)” (apud Theotónio & Vala, 1999: 54).

Transpondo esta dimensão de justiça para o contexto escolar, “quando um aluno recebe uma nota considerada bastante inferior à esperada, pode decidir conversar com o professor para tentar perceber se os critérios usados foram adequados, rigorosos e iguais para todos” (Gouveia-Pereira, 2004: 67). Deste modo, os julgamentos de justiça ou injustiça percebida pelos alunos relativamente às acções dos seus professores, não variam apenas em função dos resultados, mas também em função dos processos que determinam esses resultados.

A participação dos sujeitos nos processos de tomada de decisão interpõe-se na aceitação dos resultados. Assim, os alunos que recebem resultados que lhes são desfavoráveis tendem a aceitá-los como justos quando avaliam a tomada de decisão que os antecede como procedimentalmente justa. O facto de o aluno ter voz influencia positivamente a percepção de justiça procedimental (ibid.), isto é, o que os alunos valorizam é que o professor considere os seus pontos de vista, e, nesse caso, aceitarão as decisões mais facilmente.

Por último, a justiça relacional, ou interaccional, surge associada à forma como os indivíduos são tratados aquando da implementação ou da explicação dos procedimentos. “Frequentemente, esta dimensão é considerada um aspecto específico da justiça procedimental” (Theotónio & Vala, 1999: 54), uma vez que os procedimentos implicam uma interacção com o outro.

De acordo com Bies (1987, apud Caetano e Vala, 1999: 76), “a justiça relacional consiste em dois factores: (1) se as razões para a decisão foram clara e adequadamente explicadas; (2) se os indivíduos que as implementaram trataram com dignidade e respeito as pessoas afectadas pela decisão”. Estes dois factores evocam a nossa atenção para a importância dos aspectos comunicativos na percepção da (in)justiça.

Tyler e colaboradores (1996, apud Sousa, 2006: 30) demonstraram que os motivos relacionais (procedimentais e interaccionais) são antecedentes importantes de comportamentos positivos face à autoridade e ao grupo no seio do qual o indivíduo trabalha e que a percepção de justiça relacional melhora a auto-estima dos envolvidos no processo. Essa “dinâmica psicológica é explicada pela necessidade que as pessoas têm em sentir orgulho nos grupos a que pertencem e, acima de tudo, na necessidade que sentem em se sentirem respeitadas no seu seio” (ibid., ibidem). Assim, a consideração pelos direitos dos indivíduos, o respeito pela dignidade de cada um, a explicação das decisões, a auscultação das suas opiniões, imparcialidade nas decisões e avaliações baseadas em informação precisa constituem um leque de referentes interpessoais de grande peso nos julgamentos de justiça, que se afigura promotor de sentimentos positivos.

Os julgamentos de justiça são organizadores elementares das interacções sociais. Hoje, a pesquisa procura integrar os efeitos das diferentes dimensões da justiça percebida. Segundo Blader & Tyler (2003) e Tyler & Blader (2003), os julgamentos de justiça determinam a legitimação da autoridade, os comportamentos face ao grupo e a identidade do indivíduo (apud Gouveia-Pereira, 2004: 1).