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INTERACÇÃO PEDAGÓGICA OU A “VIDA” OCULTA DA AULA

III. 4. A motivação para a aprendizagem

Considerando que a motivação é interior à pessoa e, portanto, não é passível de observação, que também compreende características da situação, bem como a percepção desta por parte da pessoa, o conceito de motivação torna-se bastante abstracto e difícil de definir.

Para Sousa (2006: 73), a motivação “caracteriza-se por um certo nível de predisposição da pessoa para aumentar os seus esforços, uma vez que estes

correspondem à satisfação de uma necessidade ou motivos seus”. Neste enfoque, a autora propõe a distinção entre motivos e necessidades. Assim, “os motivos são o impulso e a energia internas das pessoas e dirigem o comportamento, que, por sua vez, produz resultados. Qualquer resultado pode ser o produto de múltiplos motivos. As necessidades são igualmente internas ao indivíduo e podem ser fisiológicas ou sociais ou estarem relacionadas com a auto-estima” (ibid., ibidem).

Seco (2002: 195), numa visão mais abrangente, refere que, “tratando-se de um constructo hipotético, inferido a partir dos comportamentos do indivíduo, a motivação é «um» dos muitos importantes factores que, presumivelmente, afecta o seu comportamento, produzindo efeitos importantes sobre uma grande quantidade de variáveis de natureza cognitiva (concentração, atenção e memória), afectiva (auto-estima, interesse, satisfação e emoções) e comportamental”.

A explicação do comportamento motivado tem sido objecto de várias interpretações ao longo do tempo. Um dos grandes contributos para a compreensão da motivação foi dado por Maslow5, que em 1954 (apud Silva, 2006: 48) enunciou a Teoria das

Necessidades, segundo a qual a motivação é entendida como um meio para satisfazer as

necessidades sentidas pelos sujeitos, sendo que estas necessidades não têm todas a mesma importância, encontrando-se hierarquizadas em cinco níveis: na base estariam as necessidades fisiológicas, e, no cume, as necessidades mais elevadas associadas à auto- realização.

A motivação dos sujeitos constitui-se em dois domínios: a motivação interna, ou intrínseca, e a motivação externa, ou relativa ao contexto. A satisfação das necessidades individuais é fundamental para a motivação, mas os dois domínios da motivação precisam de complementar-se. “A motivação intrínseca tem como efeito a perseverança do indivíduo

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Segundo Maslow, as necessidades humanas estariam organizadas numa hierarquia. Nesse pressuposto, representou a sua concepção por meio de um esquema em pirâmide, com cinco níveis, correspondentes às necessidades humanas ((e.g.) Hansenne, Michel (2004); Seco, M. Graça (2002); Carvalho & Ramoa (2000); Silva, Elsa (2006)), organizadas da base para o topo da seguinte forma: (1) As necessidades fisiológicas (fome, sede, sono, abrigo); (2) As necessidades de segurança (protecção, desejo de estabilidade, de previsibilidade, de ordem, de segurança); (3) As necessidades sociais (inserção num grupo, aceitação pelos outros, relações afectivas); (4) As necessidades de estima (êxito, autoconfiança através da confirmação social de reconhecimento, de status, de prestígio, de consideração); (5) As necessidades de realização pessoal (criatividade e desenvolvimento pessoal no sentido da realização do potencial, da utilização plena das capacidades individuais).

nas tarefas, independentemente dos reforçadores externos, o que se traduz por uma acção autónoma, independente, sistemática e orientada para objectivos” (Lopes, 2003: 82).

A motivação do aluno - Centrando o olhar na relação entre a motivação do aluno e o

processo de ensino-aprendizagem, Abreu (1982, apud Jesus, 2002: 16) afirma que “é a motivação que está na base do comportamento e da aprendizagem”. Podemos compreender a forte relação entre a motivação intrínseca e a aprendizagem se considerarmos que na sala de aula a aprendizagem do aluno se consubstancia por gosto, pelo interesse pelas matérias, pela possibilidade de alcançar “notas altas”, para transitar ao nível académico seguinte, ou para agradar aos pais e/ou professores.

Assim, quando o aluno se envolve numa actividade por razões intrínsecas gera maior satisfação6 na sequência do aumento da concentração, da atenção às instruções do professor, na procura de novos conhecimentos e na tentativa de aplicar o conhecimento a novos contextos. Quando o aluno sente que está a aprender, essa percepção de progresso produz nele uma sensação de eficácia em relação ao que está a aprender. Consequentemente, o aluno irá gerar emoções e expectativas positivas de desempenho ou de competência e optimizar a motivação para aquela tarefa ou actividade (Guimarães, 2001: 38).

O envolvimento e o desempenho escolar de um aluno intrinsecamente motivado correlaciona-se com a sua alta concentração nas tarefas de aprendizagem, ao ponto de perder a noção do tempo (Guimarães, 2001: 38). Segundo este autor, “os problemas quotidianos ou outros eventos não competem com o interesse naquilo que está a desenvolver; não existe ansiedade decorrente de pressões ou emoções negativas que possam interferir no desempenho, a repercussão do resultado do trabalho perante os outros não é o centro das preocupações, ainda que o orgulho e a satisfação provenientes do reconhecimento do seu empenho e dos resultados do trabalho estejam presentes” (ibid.,

ibidem). Estamos perante uma experiência de aprendizagem que Csikszentmihalyi (1990,

apud Arends, 1997: 123) designa por “experiência de fluxo”.

O professor terá um importante papel na regulação desse fluxo, uma vez que poderá proporcionar aos alunos experiências de aprendizagem que aumentem, ou diminuam a motivação intrínseca. Para tal, as situações de aprendizagem precisam de assentar num

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Segundo estudos, há indicadores de que a satisfação do aluno facilita a aprendizagem e o desempenho (Guimarães, 2001: 38).

planeamento que contemple tarefas e estratégias promotoras da motivação intrínseca, tais como “chamar a atenção para o conteúdo em si”, “destacar a sua relevância para a vida do aluno”, “construir confiança quanto ao término dos trabalhos”, “apresentar níveis adequados de desafios”, “despertar curiosidade” e “diversificar as propostas de actividades” (Guimarães, 2001: 49).

A acção educativa precisa de assentar no conhecimento das motivações e necessidades do aluno, de forma a tornar mais clara a percepção das suas expectativas e representações sobre a aprendizagem (sendo sabida a considerável influência das mesmas no estabelecimento da relação pedagógica), de modo a que todo o processo se constitua numa verdadeira relação educativa na qual os desafios de aprendizagem façam sentido para os alunos, sejam interessantes e, consequentemente, aumentem a sua relação de interesse face ao saber. Como sabemos, as emoções estão integralmente relacionadas com a motivação intrínseca. Assim, “ o interesse desempenha um importante papel orientador nesta dimensão da motivação, já que, naturalmente, o indivíduo procura envolver-se em actividades que lhe despertem curiosidade e interesse. Por outro lado, o entusiasmo e a satisfação, acompanhando as experiências de competência e de autonomia, constituem as recompensas de um comportamento intrinsecamente motivado” (Seco, 2002: 200).

Podemos, pois, perspectivar o bom ensino como aquele que faculta o desenvolvimento de sentimentos positivos, de comportamentos e atitudes intrinsecamente motivados, conducentes à aprendizagem e à construção do saber, à satisfação pessoal e interpessoal dos sujeitos em presença, viabilizando assim uma verdadeira relação pedagógica. “Tudo pode tornar-se interessante e excitante para os jovens por um professor que tenha aprendido a criar uma relação com os alunos, em que as necessidades de uns são respeitadas pelos outros” (Gordon & Burch, 1998: 22).

As recompensas externas e a motivação extrínseca - Segundo Guimarães (2001:

46), “a motivação extrínseca tem sido definida como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou actividade, como para a obtenção de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, objectivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou para demonstrar competências e habilidades”. No contexto escolar, procurando colmatar o problema da falta de motivação intrínseca dos alunos, os

professores, muitas vezes, usam as recompensas externas para os atrair para o trabalho escolar. São exemplos de motivação extrínseca os elogios, as notas e os prémios.

As pesquisas na área da motivação evidenciam alguns efeitos adversos da aplicação de recompensas externas. Relativamente ao grau de envolvimento na tarefa, os estudos de Newby (1991, apud Guimarães, 2001: 48) evidenciam que, quando se utilizam estratégias assentes em motivadores extrínsecos ao aluno, o envolvimento dos alunos nas tarefas é menor, quando comparado com o envolvimento em tarefas que apelam à motivação intrínseca.

Os resultados das pesquisas de Neri (1982), Stipek (1993), Woolfolk (2000) destacam alguns problemas decorrentes do uso de recompensas externas, ou motivadores extrínsecos, na sala de aula: (1) As recompensas utilizadas em sala de aula não têm o mesmo significado para todos os alunos; (2) A dificuldade de harmonizar as recompensas com os comportamentos apresentados; (3) A curta duração do comportamento desejado em função das recompensas; (4) A dificuldade em avaliar se determinado comportamento apresentado foi em função da recompensa; (5) A recompensa pode não ser efectivamente aliciante, quando comparada com a oferta extra contexto escolar (6) A dificuldade do professor em controlar as estratégias dos alunos (e.g. “batota” e “cábulas”) para obter essas recompensas, ou escapar das punições; (7) Os potenciais efeitos das mesmas na motivação intrínseca do aluno face à tarefa (apud Guimarães, 2001: 49-50).

Outros autores apontam aspectos positivos da atribuição de recompensas desde que sinalizem os reais desempenhos de aprendizagem. “Nesses casos, elogiar um aluno por ter aprendido uma nova habilidade ou por ter adquirido um novo conhecimento fortalece os seus sentimentos de eficácia e promove a autodeterminação, sustentando o interesse, mesmo quando for retirada a contingência de reforçamento” (Pintrich e Schunk, 1996, apud Guimarães, 2001: 53). Deste modo, o aspecto informativo da recompensa assume capital importância para que a mesma atinja os fins desejados.

Os estudos que acabámos de referir evidenciam que, se queremos alunos motivados intrinsecamente, isto é, um contexto de aprendizagem mais criativo, o uso de recompensas na sala de aula deve ser criterioso, ponderado, uma vez que a administração de recompensas pode levar os alunos a envolverem-se nas tarefas simplesmente para a obtenção das mesmas, isto é, com base numa orientação extrínseca.

A motivação do professor - Para além da motivação dos alunos, o contexto da sala

de aula também joga com a motivação dos professores. A motivação para a docência assume-se como um factor preponderante na actuação profissional do professor, pois à semelhança do que acontece com os alunos, também o empenho do professor em determinada acção está interrelacionado com a sua motivação, entendida como uma força interior que move os sujeitos para a consecução da satisfação das suas necessidades.

Conforme referem vários autores (Seco, 2000: 209), “a motivação para a docência é fundamental para o envolvimento nas acções de formação inicial e contínua de professores, para a concretização do processo de ensino-aprendizagem, para a motivação dos alunos nas tarefas escolares e para a realização profissional do próprio professor”. No contexto da sala de aula, “a motivação dos alunos pelas actividades escolares passa, em larga medida, pela motivação dos professores, pelo que, se queremos nas escolas alunos motivados, necessitamos de professores motivados para motivar os alunos” (Jesus & Abreu, 1993: 30).

A orientação motivacional dos professores pode ser de natureza intrínseca ou extrínseca, sendo que essa orientação conduzirá a implicações comportamentais diferentes. O professor motivado intrinsecamente “encara o seu trabalho com entusiasmo e com gosto, mostrando-se disponível para com os alunos e competente na(s) disciplina(s) que lecciona; o professor ME limita-se a cumprir o que está na lei, contentando-se em ser um bom funcionário e um bom burocrata” (Nunes, 1984: 150).

Deci et al. (1991, apud Seco, 2000: 209) também sublinham este aspectos, ao referir que os professores intrinsecamente motivados se envolvem, livremente, nas actividades, quer porque estas lhes interessam, quer pelo prazer e satisfação que retiram do seu desempenho, sem que para isso necessitem de qualquer recompensa ou constrangimentos materiais, enquanto que os professores extrinsecamente motivados apresentam uma orientação de natureza mais instrumental, associando o trabalho que realizam a algumas recompensas. Entre essas recompensas contam-se, entre outras, o salário auferido.

Apoiados em Jesus e Abreu (1993: 30), entendemos que só o empenho que o professor coloca nas actividades escolares que pretende que sejam desenvolvidas poderá motivar os alunos para essas actividades.

CAPÍTULO IV