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ASPECTOS CONTEXTUAIS DA VIDA NA AULA

II. 3. A Comunicação na sala de aula

As relações educativas que se estabelecem na sala de aula assentam no acto comunicativo. A comunicação faz parte dos fenómenos sociais, portanto, está no centro de qualquer relação social, é “omnipresente” (Perrenoud, 1995a: 173).

É a acção comunicativa que favorece, em maior ou menor grau, a aprendizagem e a satisfação académica e pessoal do aluno. O processo de ensino-aprendizagem é, antes de tudo, uma relação de comunicação, que se manifesta, precisamente, no processo metodológico. Na metodologia tradicional o professor transmite a informação acabada aos seus alunos, a comunicação está centrada no professor e é unidireccional. Ao contrário, as metodologias activas são aquelas em que o aluno é o protagonista e o professor o

facilitador da aprendizagem, a relação de comunicação é recíproca entre o professor e os alunos.

Para além dos programas e dos métodos utilizados na prática pedagógica, há aspectos de natureza pessoal do professor, ou que dele dependem directamente, que se inscrevem na relação pedagógica e que desempenham um papel bastante significativo no sucesso da comunicação em torno do processo educativo.

Assim sendo, comunicar é mais amplo do que o simples enviar e receber mensagens; “comunicar é uma troca mútua de sentidos entre pessoas, através de gestos, símbolos e outras formas de expressão” (Amado & Freire, 2005: 1). Neste mesmo pressuposto, Thayer (apud Antão, 2001: 7) refere que, em sentido restrito, a comunicação é entendida como o “intercâmbio de informações – dados, sentimentos, opiniões – entre duas ou mais pessoas ou organizações por meios verbais e não verbais”. Na perspectiva de Perrenoud (1995a: 171), a comunicação estabelece-se “por meio de acontecimentos, das interacções entre as pessoas” e, no caso da sala de aula, a comunicação é “determinada pela relação pedagógica, pelo contrato didáctico, pelas condições de exercício do ofício de aluno e do ofício de professor” (ibid.: 174).

Na sala de aula, embora se verifique de forma mais frequente a sobrevalorização da comunicação verbal e escrita, importa não descurar o papel desempenhado por outras formas de comunicação, como por exemplo, a comunicação táctil, visual, gestual, tecnológica, entre outras. “Contacto visual, linguagem corporal adequada, gestão dos silêncios e controlo das interrupções são aspectos fundamentais da comunicação não- verbal” (Marques, 2003: 34) que intervêm na relação pedagógica. A aproximação física do professor em relação ao aluno pode “reduzir a distância social”. Também acenar positivamente, sorrir, manter contacto visual e mostrar interesse quando o aluno está a falar - mostrar-se interessado e “dar tempo às pessoas para falarem e exprimirem os seus pontos de vista” (ibid.: 36) - são acções que contribuem para o bem-estar do aluno e para a boa relação pedagógica.

A presença física do professor, transmitida pela sua postura e tom de voz, são interpretados pelos alunos, não só para apreciarem que “tipo” de professor têm pela frente, como para avaliarem as situações à medida que se desenrolam. “Os alunos identificam com rapidez as particularidades da fala dos professores e ajuízam, frequentemente, por elas a sua personalidade ou o seu estado de espírito” (Delamont, 1987: 106), uma vez que

“um professor comunica inevitavelmente algo aos seus alunos a partir do momento em que entra na aula: com o seu estilo de falar, a sua acentuação, o seu tom de voz, os seus gestos, a sua expressão facial, se se senta impavidamente atrás da secretária ou se circula constantemente pela sala de aula, rodeando de vez em quando com o seu braço os ombros de um aluno (Stubbs, 1978: 176).

Deste modo, a capacidade do professor de ser, de estar e de comunicar reflecte-se pela expressão verbal, mas sobretudo pela expressão não-verbal; a expressão corporal e a voz são, portanto, duas grandes ferramentas do professor. É a sua capacidade de as utilizar que regulará a relação pedagógica.

Contudo, a acção comunicativa do professor só influi positivamente a relação pedagógica se for sentida pelos alunos como verdadeira. Quando o professor não harmoniza o que faz ou o que diz com o que pensa ou sente, ou quando procura iludir os alunos sobre os seus verdadeiros sentimentos, “sentindo o que acha que deve sentir” e não o que verdadeiramente sente, trair-se-á através de mensagens não verbais que vai emitindo, e às quais os alunos são bastante sensíveis. “Os alunos aprendem a ler a tensão muscular, o enrugar da boca, as expressões faciais e o movimento corporal. Se estas «mensagens corporais» estão em conflito com as mensagens verbais, os alunos podem ficar confusos. Ou então acreditam na mensagem não-verbal e consideram falsa a mensagem verbal” (Gordon & Burch, 1998: 49-50).

Trata-se de uma questão de expressividade de sentimentos, de pensamentos e de acções, difícil de esconder, e facilmente captada pelos alunos, que poderá levar a diferentes interpretações por parte destes, e que também entra em jogo na estabilidade da relação pedagógica e, “não raro, determina muitos dos seus comportamentos na aula, perante o professor e perante os colegas” (Antão, 2001: 22).

Os alunos também se exprimem através da linguagem não-verbal. Estar atento a sinais não-verbais durante a exposição, tais como silêncios, semblantes concentrados ou expressões de interesse, podem fornecer indícios do que os alunos estão a integrar nas suas estruturas de conhecimento (Arends, 1997: 284). O silêncio, por exemplo, pode querer dizer que os alunos estão aborrecidos; a maioria das vezes significa que não compreendem o que o professor está a dizer. “Talvez seja verdade que grande parte da «arte de ensinar» e a maior diferença entre professores experientes e principiantes estejam na habilidade de os professores lerem nos seus alunos sinais subtis de comunicação e

adaptarem as suas exposições, de modo a que as novas matérias para aprender se tornem significativas” (Arends, 1997: 284).

Ensinar e aprender, embora sejam conceitos que pressupõem uma inter-relação, são organizadores distintos, se considerarmos que “o processo de ensino é exterior, enquanto que o de aprender é interior” (Gordon & Burch, 1998: 21). Nas situações pedagógicas, é comum utilizarmos o termo “ensino-aprendizagem” quando nos queremos referir à interacção que se estabelece entre o professor e o aluno durante o acto educativo. Contudo, o maior ou menor sucesso deste processo prende-se com o vínculo entre o acto de ensinar e o acto de aprender, estabelecido através da comunicação entre os actores em presença.

Convictos de que o sucesso do processo de ensino-aprendizagem se alicerça numa eficaz comunicação em sala de aula, partimos do pressuposto de que a forma como o professor comunica, organiza e gere a comunicação na sala de aula determina a eficácia da acção pedagógica. Comunicar bem implica, geralmente, ser bem sucedido. É através da comunicação que o professor consegue cativar o interesse dos alunos para a aprendizagem.

Para além das diversas formas de comunicação, ao nível da sala de aula, o problema coloca-se também em termos de legitimidade. Na maioria das salas de aula “a única comunicação legítima é aquela que o professor organiza sobre assuntos da sua escolha em relação com o programa, e mantendo o controlo integral das intervenções dos alunos (…) qualquer outra comunicação entre alunos é ilícita. Em caso limite ela pode ser tolerada se for discreta, caso contrário é sancionada ou interrompida por uma intervenção do professor” (Perrenoud, 1995a: 35). A este propósito, e referindo Debarbieux (1990, apud Estrela, 2002: 64), “a palavra, o ruído e os gestos dos alunos são sentidos pelo professor como uma forma de violência, enquanto que igual sentimento é gerado nos alunos pelo «interdito da palavra, do movimento, do ser, em suma» ”.

Perrenoud propõe e desenvolve a distinção da comunicação na aula em várias dimensões: “A comunicação do stress, inútil, clandestina, imposta, codificada, ensurdecedora, contestatária, cheia de armadilhas, regida pelo saber, demasiado normativa… ” (1995a: 173). A vida na sala de aula, pelos condicionalismos que lhe são inerentes, integra estas distintas mas complementares dimensões comunicativas.

O sucesso do acto educativo está associado ao acto comunicativo, nomeadamente à forma como o professor o conduz. Segundo Schmuck & Schmuck (1988, apud Arends, 1997: 113), os processos de comunicação utilizados na sala de aula devem ser abertos e animados, havendo um alto grau de envolvimento dos participantes. Ao fomentar esta atitude comunicativa, o professor está a favorecer o sucesso do processo educativo e a consignar ao aluno um direito que lhe assiste, quer como aluno, quer como “pessoa”: “ser ouvido”.

Muita investigação tem sido feita em torno dos processos comunicativos na sala de aula. “As investigações orientadas pelo paradigma do processo-produto evidenciam a relação entre o estilo de comunicação do professor e a construção dos saberes, por parte do aluno” (Estrela 2002: 66).

No que concerne à equidade da comunicação, um estudo de Estrela (ibid.: 63) evidenciou a existência de uma forte relação entre a distribuição da comunicação e a indisciplina na aula. Se a distribuição da comunicação não é equitativa, o professor criará “desertos de comunicação” que, repetindo-se de uma aula para a outra, gerarão situações de marginalidade. Os alunos sentindo-se ignorados pelo professor manifestam comportamentos de desinteresse e de fuga à tarefa, ocupando-se com outras actividades fora do contexto da aprendizagem, ou, ainda mais frequentemente, enveredam por comportamentos desviantes mais perturbadores da aula, mantendo com eles jogos e conversas à margem do trabalho escolar, isto é, estabelecem redes de comunicação clandestina, que, nalguns casos, pode tornar-se tão ou mais densa que a rede de comunicações permitidas pelo professor.

Assim, a distribuição equitativa da comunicação por todos os alunos, bem como um sistema de regras que permita essa equidade, são factores que favorecem um clima de disciplina na aula, no sentido em que previnem o aparecimento do cenário que acabámos de descrever.

Para além da questão da distribuição da comunicação, da forma e do estilo, existem outros factores que contribuem para uma comunicação eficaz, tais como o tipo de mensagens e os códigos utilizados pelos protagonistas da relação.

Nesse sentido, “as revisões da literatura sobre a investigação dos efeitos produzidos por variáveis do comportamento do professor, põem em relevo a concordância dos resultados encontrados no que se refere à importância da clareza, da estruturação dos

conteúdos e do entusiasmo do professor sobre a aprendizagem dos alunos” (Estrela, 2002: 67). “Uma boa parte do insucesso escolar deve-se à incapacidade do aluno de compreender certas mensagens” (Antão, 2001: 22).

Analisando a comunicação pedagógica sob o ponto de vista da eficácia docente, Felouzis (s/d: 129) afirma que a comunicação pedagógica se constitui num factor de eficácia docente, eficácia essa medida pela consideração do professor em relação ao aluno, durante o acto comunicativo. “Uma maneira de nos tornarmos bons comunicadores é aprendermos a ouvir bem. Ser um bom ouvinte, não é só saber ouvir; é sobretudo saber compreender aquilo que o outro diz” (Marques, 2003; 32). É o que Gordon & Burch (1998) designam por “escuta activa”.

Para além do que diz, e neste campo Gordon & Burch (1998: 61-63) alertam para um conjunto de mensagens que habitualmente o professor usa na sala de aula e que têm como principal efeito bloquear a comunicação, o modo como o professor comunica com os alunos também pode favorecer ou inibir o clima comunicativo. A tonalidade afectiva constitui outra variável que influi no acto comunicativo. Actos como elogiar, encorajar, admoestar, criticar, ameaçar, para além da informação objectiva que veiculam, transmitem fortes cargas afectivas. “São estes actos que contribuem de um modo especial para a criação de um certo ambiente na turma que terá incidência nos planos da aprendizagem e no comportamento dos alunos” (Estrela, 2002: 66).

Concluímos que processos de comunicação que se pautem pela reciprocidade, clareza, afectividade, que sejam abertos, significativos, honestos, assentes no respeito mútuo, constituem, talvez, a variável mais importante para promover a aprendizagem, o discurso e a discussão positivas na sala de aula.

CAPÍTULO III