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CAPÍTULO VII – O BOM E O MAU ENSINO NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS

E) DIMENSÃO METODOLÓGICA DO BOM E DO MAU ENSINO

Para além dos conhecimentos científicos, o professor deve saber escolher métodos e estratégias de ensino, de modo a adequá-las aos conteúdos de ensino e à diversidade humana presente na sala de aula. Nesta escolha, apoiar-se-á nas suas concepções pedagógicas e no seu estilo de ensinar. O conjunto de actividades que propõe à turma e os recursos materiais e humanos que mobiliza no decurso das mesmas constituem-se em elementos estruturantes da dinâmica e do clima que se instala na sala de aula, ou que se deseja ver instalado, e assumem-se como mais ou menos facilitadores da aprendizagem e da satisfação do aluno. Segundo Perrenoud (1995a: 52), “a característica principal das actividades susceptíveis de gerarem aprendizagens é que exigem trabalho, esforços, interesse, implicação pessoal do aluno e não um simples conformismo de superfície”. A percepção que os alunos têm das tarefas e a atribuição de sentido é um factor que os leva (ou não) a envolverem-se nelas.

Neste ponto do trabalho, organizámos a análise das representações dos alunos em torno dos processos e recursos metodológicos que o professor põe em marcha, ao nível do bom e do mau ensino, os quais designaremos, respectivamente, por:

ƒ pedagogias de sucesso ƒ pedagogias de insucesso

Por uma questão de análise, e no sentido de evitarmos a repetição, remeteremos também para este ponto os testemunhos dos alunos em torno desta dimensão, encontrados nas questões 1.2., 1.3., 2.2. e 2.3. (cf. Quadros 7 e 8 – capítulo VI).

O quadro que se segue retém os processos e recursos metodológicos mais referidos pelos alunos quer enquanto facilitadores da aprendizagem e bem-estar, quer enquanto inibidores.

Quadro 17 – Processos e recursos metodológicos mais utilizados na situação de bom e de mau ensino

Processos e recursos metodológicos

Pedagogias de sucesso Pedagogias de insucesso

-Usar novas tecnologias -Abusar do método expositivo -Fazer jogos didácticos -Não diversificar processos

-Diversificar processos / Inovar -Os professores escrevem muito no quadro -Resolver exercícios / Fichas -Os alunos escrevem muito no caderno -Fazer trabalhos em grupo / a pares -Não usar novas tecnologias

-Aulas práticas / Experiências -Não fazer esquemas / Resumos da matéria -Aulas pouco expositivas -Fazer muitas fichas / Não fazer fichas -Esquemas / Resumos da matéria -Ausência de materiais didácticos -Fazer trabalhos de pesquisa -Aulas monótonas

-Usar o quadro -Fazer muitos trabalhos de casa

-Tarefas curtas -Estar muito tempo na mesma tarefa

Pedagogias de sucesso – Ao nível do bom ensino, entre os testemunhos dos alunos sobressaem vários indicadores que apontam claramente para um processo de ensino- aprendizagem apoiado em diferentes metodologias e actividades diversificadas.

A análise dos testemunhos dos alunos evidencia que, para além do bom ensino estar associado a actividades de carácter mais clássico, tais como resolução de “fichas” e “exercícios”, estes aprendem melhor quando o professor faz “esquemas da matéria”, “resumos”, dá “apontamentos”, faz “jogos sobre a matéria”, promove o “trabalho em grupo” e o “trabalho de pesquisa” e ainda quando “conta histórias a propósito da matéria”.

Os testemunhos dos alunos evidenciam também a importância da componente visual dos conteúdos de ensino. Assim, nas aulas em que aprendem e se sentem bem, os professores, para além de “usarem o quadro”, usam “novas tecnologias” (televisão, computador e retroprojector) para exibirem “vídeos/filmes”, “slides”, “acetatos”, “Powerpoint”, etc.

Referem que aprendem ainda melhor quando os professores “não são muito

expositivos”, “dão aulas práticas/fazem experiências”, e ainda quando “diversificam os

processos” e “utilizam métodos de que os alunos gostam”.

Estes dois últimos aspectos são os mais frequentemente referidos pelos alunos dos 7º e 9º anos, como contributivos para a sua aprendizagem e bem-estar, enquanto que os alunos do 5º ano enfatizam mais a importância do uso das novas tecnologias.

Existe também uma frequência expressiva de testemunhos, em todos os grupos, independentemente do género, que apontam os jogos didácticos entre as actividades pedagógicas que mais favorecem a sua aprendizagem e bem-estar.

É interessante sublinhar que, no cômputo geral da dimensão metodológica, a

diversificação dos processos/inovação é o aspecto mais frequentemente referido pelos

alunos, seguindo-se a utilização das novas tecnologias e os jogos, como actividades pedagógicas que favorecem a sua aprendizagem e lhes causam satisfação. O destaque recai também na realização de exercícios e fichas de trabalho sobre os conteúdos de ensino.

Os testemunhos dos alunos, que apresentamos de seguida, ilustram bem como a sua aprendizagem é favorecida quando na sala de aula são utilizadas determinadas metodologias e quase não carecem de mais comentários. De facto, os alunos consideram que: «nas aulas em que me senti bem e aprendi»:

ƒ “Fiz fichas de trabalho com consulta e por isso a matéria ficou-me na cabeça, (…) por isso não tive que estudar muito, foi só dar uma vista de olhos pela matéria.”;

ƒ “(…) os materiais eram materiais simples que não têm tanto a ver com as aulas mas com a vida fora das aulas. Utilizávamos ainda vários materiais engraçados como por exemplo os legumes, as plantas e os frutos, na aula de Ciências, e os sólidos geométricos em Matemática.”;

ƒ “(…) explicavam de uma maneira que se percebesse, e de uma maneira diferente, por exemplo: explicavam coisas que não tinham nada a ver com aquilo, mas depois, juntavam as coisas e fazia sentido. Também explicam por filmes e outros, mas sem estar sempre a escrever, chega-se a uma altura em que já estamos cansados e não tomamos atenção (…)”; ƒ “Os professores deram as aulas de forma divertida, interessante, interagindo com os alunos; deram a matéria de forma resumida, apresentando Powerpoint, filmes, fizeram no fim a conclusão da aula. A interacção era do tipo falarem uns com os outros (incluindo o professor) e colocando dúvidas e opiniões. Ainda fazemos trabalhos de grupo ou a pares, que também são um bom factor de aprendizagem. As aulas de que eu gosto mais são aquelas que trabalhamos em grupo, a pares, na sala dos computadores, projecções, etc.”;

ƒ “Nessas aulas fazíamos jogos didácticos com a matéria, eu ia ao livro procurar as respostas mais os meus colegas e depois respondíamos com clareza, e assim aprendíamos em vez de estarmos a passar matéria e matéria e matéria do quadro. (…) todas estas actividades [jogos, esclarecer dúvidas, a exposição da matéria] fazem com que um aluno tenha interesse pela matéria, se sinta bem por compreender e fique com vontade de chegar a casa e ir rever a matéria. Todos os professores deviam ter esse método de dar aulas, pois é muito menos cansativo do que dar matéria oral e os alunos que se desenrasquem.”;

ƒ “Hoje tive aula de História (uma disciplina que não domino nem gosto), saí da aula feliz. O stor não fez praticamente nada, simplesmente fez um jogo didáctico em que eram os alunos que faziam tudo. Perguntavam coisas sobre a matéria, e uma vez que era eu o porta-voz de um dos grupos, eu é que dizia as respostas. Eu saí da aula feliz, satisfeita, confiante e com a sensação de que aprendi algo.”;

ƒ “(…) utilizava métodos de ensino muito diferentes do normal, por exemplo: o professor entregava 2,3,4… perguntas e tínhamos de as desenvolver quanto aos aspectos gerais, abrangendo o máximo de informação possível.”;

ƒ “Ele tocava viola, fazia jogos, mas nunca esquecendo de ensinar. O professor divertia e ensinava os alunos de uma forma diferente de todos os outros.”;

ƒ “ (…) dando a matéria de uma maneira mais interessante, como através da informática, de acetatos, entre outras maneiras de ensinar, que incentivam os alunos a aprender, e descontraindo de vez em quando com uma piada.”;

ƒ “Os professores, se dão as aulas em powerpoint, é bom, porque é mais engraçado e mais motivador (…), quando o professor explica e pergunta se alguém tem dúvidas também é bom, porque mesmo que alguém não tenha percebido ele volta a explicar. Quando mostra filmes sobre a matéria ou para entretenimento, também é bom para aliviarmos um bocadinho por causa da matéria. E quando vamos à informática pesquisar sobre assuntos também é bom, porque aprendemos mais.”;

ƒ “O que acho mais engraçado, é que quando está a explicar alguma coisa, vem-lhe sempre uma história antiga, pela qual ele já a passou e começa a falar sobre ela.”;

ƒ “Dá mais aula prática que teórica (…) assim também nos divertimos, ou seja, não é tão cansativo, mas aprende-se tanto, ou mais, que as teóricas (…).”;

ƒ “Na aula de Ciências estivemos a apresentar os trabalhos de grupo e ao mesmo tempo estávamos a aprender a matéria.”;

ƒ “Gostava dessas aulas porque não eram sempre iguais”.

Os discursos dos alunos sugerem-nos que a variedade e a originalidade de métodos de ensino utilizados (“Variety”, na terminologia de Kounin), por vezes, numa mesma aula, aumentam a probabilidade de, por um lado, satisfazer as diferentes necessidades dos elementos que compõem o grupo-turma e atender a diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e, por outro, contrariar a monotonia, isto é, inovar e tornar uma aula interessante e diferente, por vezes até divertida, favorecendo, assim, a aprendizagem de

todos, o que corrobora o que a investigação em torno desta temática tem vindo a evidenciar.

Assim, segundo Kounin (1970, 1977 apud Amado, 2001; Arends, 1997), a variedade

e o desafio do trabalho no lugar constituem uma das mais importantes formas de utilização

do currículo no sentido de manter a ordem, isto porque, desafiar e ocupar os alunos impede os tempos mortos, que são fatais para a adequada e eficaz gestão da ordem na sala de aula. Para evitar a saturação da tarefa, o professor diversifica os processos e recursos metodológicos. Oferece aos alunos conteúdos variados, pratica o trabalho cooperativo e mobiliza requisitos intelectuais diferentes, tais como a atenção, a memória, a compreensão e a criatividade.

Actividades que estimulam a participação do aluno, isto é, que permitem a interacção com os pares, com o grupo-turma ou com o professor são bastante valorizadas pelos participantes na nossa pesquisa. Os alunos gostam de actividade, de poder colocar as suas “competências em movimento” e do envolvimento com os conteúdos de ensino. Percepcionam-se como protagonistas da sua aprendizagem e aumentam a sua auto- confiança. Aprendem mais facilmente e sentem-se bem por isso.

Pedagogias de insucesso – Ao nível do mau ensino, entre os testemunhos dos alunos, sobressaem indicadores que apontam claramente para um processo de ensino- aprendizagem marcado frequentemente pela ausência da diversificação de processos e

recursos metodológicos, para aulas essencialmente expositivas e para tarefas mal

doseadas.

A maior frequência das respostas dos alunos recai nos processos de aula que têm como protagonista o professor. Referem que os professores “escrevem muito no quadro” e, consequentemente, os alunos acabam por escrever muito no caderno, ao ponto de “(…) e

só me apetecia apagar o quadro todo porque já estava cansado de passar tudo”.

O trabalho de escrita, por parte dos alunos, não está consignado apenas a passar a matéria do quadro, uma vez que mencionam que o professor “dita” e eles escrevem ou ainda que “fazem cópias” tão extensas ao ponto de ocuparem a aula toda, o que gera insatisfação mediada pela percepção que têm de não contribuírem para a construção do conhecimento, de não serem elementos activos, contrariamente ao que desejam:“(…) e estávamos todos aborrecidos porque estávamos só a passar textos”; “Os professores

tornam-se uma seca, é escrever, escrever, escrever e ler e «está calado»!”; “O professor

passou a aula toda a falar e não nos dava trabalho”.

São frequentes os testemunhos de alunos que denunciam a ausência de

diversificação de processos, isto é, os professores não utilizam qualquer tipo de

tecnologias, não levam qualquer material para a aula e não fazem actividades diferentes - a monotonia e a rotina instalam-se desde o início ao fim da aula – “nem utilizam métodos

diferentes, só falam, falam, falam…”. Este último aspecto é o mais referido por todos os

alunos, mais ainda pelos dos 7º e 9º anos, o que denuncia a predominância do uso do método expositivo por parte do professor, estabelecendo-se na sala de aula apenas uma comunicação unidireccional: Professor – aluno.

É também percepcionada pelos alunos a ausência de envolvimento do professor com o ensino. O trabalho escolar, que parece não ter sentido para o professor, menos terá para o aluno: “Na aula de história, em que o stor só falava, falava, falava e não o via a fazer

nada, e as aulas foram uma seca”. “Os professores pensam que já aprenderam tudo e que

só estão ali para dar mais uma aula. Então escrevem uma quantidade enorme de matéria

no quadro e dizem para nós passarmos tudo (…)”. A troca e a reciprocidade, isto é,

construir o conhecimento e “crescer” em conjunto também não se inserem nesta pedagogia - os professores pensam que nada têm para aprender com os alunos e fornecem-lhes um produto acabado.

Os alunos do 7º ano referem ainda, com alguma frequência, que nas aulas em que não aprendem nem se sentem bem, para além de os professores serem demasiado expositivos, não sabem dosear as tarefas, isto é, ou “dão poucos (ou nenhuns) exercícios e

fichas de trabalho”, ou “dão muitos”.

Quanto à ausência da diversificação de processos: “(…) as aulas são sempre a

mesma coisa (não há actividades diferentes)”; “(…) os professores chegam à sala, dizem o

sumário e as páginas para fazer os exercícios e sentam-se; depois os alunos vão corrigir

ao quadro e já está!”, são os alunos do 9º ano que o referem mais frequentemente, quando

comparados com os outros dois grupos.

Embora menos frequentemente, é também referido pelos participantes da nossa pesquisa que nas aulas em que não aprendem nem se sentem bem, os professores “não

toda”. Referem ainda que “não dão aulas práticas”, “não dão exemplos”, “debitam matéria”

e “estão muito tempo na mesma tarefa”.

Relativamente aos trabalhos de casa, os professores “mandam muitos”, mas geralmente “não os corrigem”.

A ausência do trabalho em grupo também caracteriza o mau ensino: “(…) não

deixaram fazer grupos para trabalhar (…)”, o que interpretamos como uma estratégia do

professor associada a um ensino directivo e vertical, em que não se admite o trabalho cooperativo, não se correndo, portanto, o risco de perder o protagonismo.

Assim, ao nível do mau ensino, os alunos não têm um papel activo no seu processo de aprendizagem. Pelo contrário, é-lhes destinado um papel que remete para a sua passividade, ou seja, “escutar” (quando escutam) e “escrever”. Quanto ao professor, verificamos que não utiliza metodologias “activas”, não dá oportunidade ao aluno para participar na aula nem construir o seu conhecimento, limita-se a “escrever” e a “falar”. Perante este cenário, os alunos não criam expectativas de novidade, já sabem de antemão como vai ser a aula e não se sentem bem por isso. A ausência de dinâmica, de novidade e de inovação, aliadas ao facto de não serem construtores do seu conhecimento não favorece a aprendizagem destes alunos: “a aula não me disse nada porque o professor

falava, falava, falava e nós não percebíamos nada porque chegava a um ponto em que já

não tínhamos paciência para estarmos na aula; dão aula teórica na qual os professores

falam, falam, falam e escrevem, escrevem, escrevem e no fim ninguém percebeu nada e a

aula foi uma verdadeira seca”.