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CAPÍTULO VII – O BOM E O MAU ENSINO NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS

E) CONSEQUÊNCIAS DISCIPLINARES DO MAU ENSINO

Na sala de aula, na presença de comportamentos dos alunos considerados pelo professor como inadequados, e com o objectivo de os controlar e corrigir, este recorre a medidas disciplinares, contando-se, entre essas, as sanções.

Não sendo muito frequentes, estas medidas disciplinares são referidas pelos alunos apenas nas aulas em que não aprendem nem se sentem bem, isto é, são por eles interpretadas como uma consequência do mau ensino. É interessante sublinhar que as percepções do aluno em torno da frequência da aplicação dessas medidas são mais salientes relativamente ao grupo-turma, do que a si próprio.

O quadro abaixo apresentado retém as principais medidas de acção disciplinar aplicadas pelos professores, na situação de mau ensino.

Quadro 22 – Medidas disciplinares aplicadas pelos professores, na situação de mau ensino

Dos participantes no nosso estudo, apenas oito assumem, a título individual, que foram alvo de medidas disciplinares. De entre estes, são os rapazes do 5º ano que mais o referem (cf. Quadro 12 – Anexo G).

A acção disciplinar do professor mais percepcionada, quando aplicada ao grupo- turma, centra-se nas faltas disciplinares com expulsão da sala de aula (61,5%), seguindo- se as participações (19,2%) (cf. Quadro 17 – Anexo G).

São os alunos dos 7º (26,9%) e 9º anos (23,1%), vs 11,5% (5º ano), que mais vezes referem, como consequência do mau ensino, a marcação de faltas disciplinares acompanhadas pelo abandono da sala de aula. Os recados na caderneta, isto é, as participações ao encarregado de educação são as medidas disciplinares mais percepcionadas pelos alunos do 5º ano (15,4%), quando comparados com os outros dois grupos (3,8% no 7º e 0% no 9º ano). Relativamente à eventual diferenciação por género, dado o reduzido número de testemunhos nesta categoria, abstemo-nos de comentar.

As participações do mau comportamento, quando aplicadas, tanto o podem ser em termos individuais, como simultaneamente a dois alunos, a um grupo restrito de alunos, ou ainda colectivamente, o mesmo sucedendo com as faltas disciplinares, acompanhadas (ou não) de expulsão da sala de aula.

A acção disciplinar do professor, de carácter punitivo, surge, de acordo com os testemunhos dos alunos, quer em torno da violação das regras do funcionamento da sala de aula: “não colocar o dedo no ar para falar”, quer em torno de condutas perturbadoras manifestadas pelo aluno, nomeadamente: o “falatório” entre os pares, “mandar piadas” e fazer “barulho”. Estas últimas condutas são, portanto, violações ao trabalho de produção e interferem no ambiente de aprendizagem.

Quanto aos critérios de aplicação e aos efeitos dessas medidas, esses são aspectos que parecem ser discutíveis:

O mau ensino e as consequências disciplinares

-Participação ao encarregado de educação/ recados na caderneta -Faltas disciplinares com/sem expulsão da sala de aula

Castigos diversos:

-Mandar fazer cópias por castigo -Mandar T.P.C. por castigo -Fazer revisões da matéria

ƒ É injusto – pagam uns pelos outros: “Estivemos 90 minutos a fazer cópias porque

alguns rapazes portavam-se mal e não punham o dedo no ar. Há muitos dos meus

colegas que se portam mal e nós ficamos todos de castigo.”;

ƒ Pode dar azo ao exibicionismo: – “(…) e até iam alguns para a rua por causa do

comportamento e quando iam para a rua riam-se pensando que eram os maiores.”;

ƒ Tem efeito imediato, segundo a percepção dos alunos - “(…) mas os

professores mandavam-nos para a rua e quando esses iam todos embora, a sala

ficava um sossego, um grande sossego. E, assim, eu gostava mesmo. Mas os

professores, às vezes, quando eles se portam mal não os metem na rua e assim

está tudo muito mal - a sala de aula fica barulhenta e a matéria fica para trás e os

outros alunos que querem aprender não podem aprender. Está muito mal.”;

ƒ Não surte efeito - “(…) até que o professor mandou muitos trabalhos e os colegas

não se calavam na mesma”.

De acordo com os testemunhos destes alunos, em momento algum o professor evidencia possuir outras competências de controlo e correcção das condutas, para além da aplicação de punições.

A investigação, e a nossa experiência, têm mostrado que o que é importante não é a correcção dos comportamentos, mas a sua prevenção. Nesse sentido Brophy (1996, apud Lopes, 2003) refere que são inúmeros os casos de professores que acabam por soçobrar perante a incapacidade de lidar com os comportamentos indisciplinados dos alunos. Todavia, o que estes e muitos outros professores não sabem é que os melhores professores são tão maus a lidar com a indisciplina como os piores. A diferença está no facto de os bons professores serem eficazes na criação de um clima de sala de aula que inibe a indisciplina. Desse modo, raramente têm que lidar com comportamentos perturbadores do bom funcionamento da aula, tais como chegar tarde, interromper as aulas, não trazer o material necessário, estar desatento, falar para o lado, manifestar agressividade física e verbal, e muito menos, com situações de indisciplina generalizada.

A este propósito, Estrela e Amado (2000) referem a importância do papel da escola na valorização e criação de condições para a formação do sentido da responsabilidade, da autonomia, da capacidade crítica, do reconhecimento dos direitos e deveres dos alunos, estas sim, verdadeiras oportunidades educativas que contribuem, sobremaneira, para a prevenção de condutas desajustadas.

Em síntese:

No presente subcapítulo analisámos as representações dos alunos em torno dos seus comportamentos e sentimentos, baseados na assumpção de que os comportamentos precisam de ser interpretados à luz dos constrangimentos e condicionalismos sociais e físicos das situações educativas. Assim, partimos do pressuposto de que esses comportamentos surgem em função das interacções pedagógicas que se estabelecem no contexto da sala de aula entre os actores em presença, e espelham, portanto, o tipo de relação estabelecida e o desempenho do professor em torno da organização e gestão das situações pedagógicas de aprendizagem.

Na situação de bom ensino, as percepções dos alunos relativamente aos comportamentos que adoptam evidenciam condutas facilitadoras das aprendizagens, tais como: prestam atenção, concentram-se e envolvem-se activamente nas

tarefas/actividades. O envolvimento do aluno na aprendizagem leva-o a participar nas aulas, a colocar questões sobre os conteúdos de ensino e a querer esclarecer todas as suas dúvidas, ao que o professor corresponde. O aluno mostra, assim, estar motivado para aprender, enquanto que o professor se mostra motivado para ensinar.

Quanto às normas de funcionamento e de produção da sala de aula, as condutas dos alunos afiguram-se ajustadas à regra e à tarefa, não tanto por autocontrolo, mas porque o professor mostra competências de gestão de relações humanas. Contribuem para essa boa gestão a consideração dos direitos e deveres de parte a parte, bem como firmeza quanto baste na aplicação das regras. As relações interpessoais pautam-se pelo respeito mútuo e pela colaboração. Como consequência desse tipo de gestão, o aluno cumpre as regras estabelecidas e os comportamentos de desvio ao trabalho escolar tornam-se menos frequentes e são substituídos por comportamentos mais positivos.

Verificamos, portanto, que a percepção dos alunos em torno dos seus comportamentos é o resultado da interpretação que fazem da acção dos seus professores, isto é, moldam as suas condutas em função do princípio da reciprocidade.

Quanto às razões de (in)satisfação, elas são, principalmente, de ordem relacional,

didáctica e curricular, o que nos remete, mais uma vez, para o papel do professor na

criação de um ambiente de aprendizagem estimulante e na gestão dos conteúdos de aprendizagem, tendo em conta, nessa gestão, aspectos como a adequação e a utilidade.

Evidenciámos que os estados emocionais dos alunos interferem nos seus comportamentos e têm consequências na aprendizagem. Concluímos que é o sentido do trabalho escolar a principal causa da (in)satisfação dos alunos. Contudo, apontam o professor como aquele que pode, justamente, ajudar a dotar o trabalho escolar de sentido.

Acompanham as experiências de aprendizagem significativas estados emocionais de bem-estar, tais como: felicidade, orgulho, confiança, motivação e aumento da auto-

estima. Na situação de mau ensino, as percepções dos alunos relativamente aos seus

estados emocionais remetem para o mal-estar, produto dos constrangimentos e tensões do clima de sala de aula e das estruturas de ensino, as quais geram infelicidade, tristeza,

culpa, desânimo, revolta, impaciência, medo, desmotivação e aborrecimento.

Estes resultados levam-nos a concluir que os processos cognitivos não se podem dissociar dos afectivos, isto é, que a satisfação pessoal tem fortes repercussões na vida escolar destes alunos, quer ao nível dos seus desempenhos, quer ao nível da relação pedagógica. Assim, “Não mais deve existir espaço para a sala de aula em cuja porta edifica-se o simbólico cabide onde, ao entrar, o aluno ali deixa penduradas as suas emoções e sentimentos, posto que lá dentro valerá apenas pela lição que faz, atenção com que ouve e nota que tira” (Antunes, 2003: 13).