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Percepção de justiça e legitimação da autoridade escolar em função do género e ano de escolaridade

CAPÍTULO VIII – PERCEPÇÃO DE JUSTIÇA NA RELAÇÃO PROFESSOR ALUNO

VIII. 3. Percepção de justiça e legitimação da autoridade escolar em função do género e ano de escolaridade

Para verificarmos as diferenças por género e ano de escolaridade, na percepção de justiça e na legitimação da autoridade dos professores, procedemos a uma análise de variância ANOVA.

Os resultados obtidos mostraram que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os rapazes e as raparigas, relativamente à dimensão da percepção de justiça relacional/procedimental (p=0,409) e à dimensão distributiva (p=0,100). No entanto, verificaram-se diferenças ao nível da variável ano de escolaridade, na percepção da justiça

relacional (p=0,000), e na legitimação da autoridade escolar (p=0,003), o mesmo não acontecendo quanto à justiça distributiva (p=0,150).

Para sabermos entre que anos de escolaridade se encontravam as diferenças, procedemos a uma análise de comparações múltiplas. A análise dos Post hoc Test mostrou-nos que as diferenças se encontram apenas entre os alunos dos 5º e 9º anos de escolaridade. Entre os alunos dos restantes anos não existem diferenças estatisticamente significativas.

Verificámos, então, que são os alunos do 5º ano, quando comparados com os do 9º ano, que mais legitimam os professores, no que se refere à justiça relacional, tal como é evidenciado no quadro que se segue. Verificámos também que são os alunos do 5º ano que têm uma percepção de justiça relacional mais elevada, quando comparados com os alunos do 9º ano.

Quadro 27 – Comparação da percepção de justiça relacional e da avaliação da autoridade escolar, entre os alunos do 5º e 9º anos de escolaridade.

Terminada a nossa análise, verificámos que estes alunos não somente percepcionam as dimensões de justiça como distintas, bem como nos seus julgamentos de justiça são sensíveis à distribuição dos resultados, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, aos procedimentos e à qualidade do tratamento nas relações interpessoais, critério este que, como vimos, é organizador da vida social.

Para todos os alunos respondentes, independentemente do ano de escolaridade, são os aspectos distributivos da justiça os melhores preditores da legitimação dos professores, comparativamente com os aspectos relacionais e procedimentais, sendo este aspecto maisacentuado pelos alunos do 5º ano. Estes resultados contrariam os do estudo de Tyler (1997, apud Marçal, 2005: 141) os de Marçal (2005) e os de Gouveia-Pereira (2004), os quais demonstram que as pessoasnão reagem primeiramenteàs autoridades por aquilo

Ano de escolaridade Percepção de justiça e legitimação da autoridade 5º 9º Média Média Justiça relacional 3,84 3,51 Legitimação da autoridade 3,89 3,59

que delas recebem, mas pela forma como são tratadas, ou seja, os julgamentos relacionais/procedimentais revelaram um maior impacto na legitimação do professor do que os julgamentos de justiça comparativa e distributiva.

Contudo, segundo Mikula (1993, apud Vala e Theotónio, 1999), as dimensões de justiça encontram-se relacionadas com os contextos de interacção (por exemplo, formais

versus informais ou hierárquicos versus simétricos). A dimensão interaccional da justiça

será mais saliente em contextos de relação simétrica e próxima.

Apoiados na hipótese de Mikula, isto é, considerando que os julgamentos de justiça estão relacionados com o tipo de relações sociais, os nossos resultados remetem-nos para um contexto de sala de aula caracterizado por relações assimétricas. Assim, se os participantes da nossa pesquisa percepcionam a relação pedagógica com os seus professores como distante e assimétrica, nesse caso, valorizam, acima de tudo, a distribuição de resultados (notas). Nessa consideração, a relação na sala de aula parece, pois, orientar-se essencialmente para a finalidade de os alunos obterem benefícios em proveito próprio.

Considerando as características da nossa amostra (alunos do 5º, 7º e 9º anos), as nossas conclusões inserem-se, em parte, nos resultados do estudo de Nichols e Good (1998, apud Gouveia-Pereira, 2004: 128-129) realizado em contexto escolar sobre as percepções da justiça e as implicações da mesma na motivação para a aprendizagem, junto de 347 pré-adolescentes e 358 adolescentes de ambos os sexos, que revela que os pré-adolescentes têm preocupações mais centradas na justiça procedimental e distributiva, enquanto os adolescentes valorizam mais os aspectos relacionais.

Para os participantes na nossa pesquisa, a autoridade do professor consubstancia- se na avaliação. Assim, a legitimação da autoridade dos seus professores surge, não primeiramente em função de uma relação marcada pela consideração das suas necessidades, do seu ponto de vista, da lealdade, honestidade, confiança e respeito mútuo, mas pela dimensão da justiça distributiva, isto é, manifestam uma valorização mais instrumental das relações, tal como é evidenciado, também, nos resultados do estudo De la Caba (1993). Este autor verifica a evolução do raciocínio dos sujeitos sobre a justiça em função da idade, à semelhança do estudo de Nichols e Good, acima referido. Os alunos mais novos interessam-se, preferencialmente, pela equidade e pela proporcionalidade das

recompensas, enquanto que os mais velhos manifestam percepções de justiça relacionadas com a forma como são tratados pelo professor.

À medida que avançam no ano de escolaridade, sendo, portanto, alunos mais velhos, a legitimação da autoridade dos professores faz-se por meio de um esbatimento do predomínio da dimensão distributiva da justiça e uma maior consideração da justiça interaccional nessa legitimação, tal como afirma Deutsch (1990, apud Marçal, 2005: 128), “existe ao longo da escolaridade um esbatimento de relações mais hierarquizadas, em que as relações com o professor assumem um carácter mais relacional, isto é, menos autoritário”.

Quanto aos alunos do 5º ano, explicamos, ainda, estes resultados, talvez, pela mudança do sistema de avaliação, isto é, estes alunos deixam para trás um sistema de avaliação qualitativo para agora serem confrontados com um novo sistema – a avaliação quantitativa. O início deste novo ciclo de estudos e a adaptação a esse sistema de avaliação parece ser o centro das atenções destes alunos, ou, talvez ainda, porque desconhecendo os critérios e processos de avaliação, é a distribuição dos resultados que se torna mais saliente na legitimação da autoridade dos seus professores. Segundo Lowe e Vodanovich (1995, apud Rego, 2000: 289), “a justiça distributiva detém maior poder explicativo das reacções dos indivíduos em situações de pouca familiaridade com os procedimentos, ou quando estes desconhecem a utilidade e propriedade dos procedimentos usados pela e na organização. Nestas situações (…), os resultados adquirem maior saliência do que os procedimentos”.

Concluímos que quanto mais satisfeitos estão os alunos com a avaliação académica que lhes é atribuída pelos seus professores, isto é, quando vêm que o seu mérito e esforço são recompensados pelas notas, mais estes os legitimam, tendo este efeito maior magnitude junto dos alunos do 5º ano, quando comparados com os do 7º e 9º. A equidade e o reconhecimento do seu trabalho e do seu esforço são os aspectos mais acentuados na legitimação da autoridade dos professores.

Em síntese:

A análise dos dados sobre a percepção de justiça da acção pedagógica dos seus professores, permitiu-nos confirmar que estes alunos também os avaliam à luz de critérios de justiça, tal como já tínhamos evidenciado no capítulo anterior.

Verificámos, ainda, que a experiência que os alunos têm da escola, ao nível dos julgamentos de justiça acerca do comportamento dos professores, determina a aceitação e a legitimação da sua autoridade. Nessa legitimação, é a justiça distributiva, ou seja, as recompensas por meio da avaliação que tem um impacto mais forte, ainda que os aspectos relacionais também levem a essa legitimação.

Assim sendo, estes alunos aceitam as decisões dos seus professores, reconhecem a sua competência, e avaliam-nos positivamente quando deles recebem o reconhecimento e a recompensa pelos seus esforços e pelo seu trabalho. Na sua perspectiva, contribuem, também, para um bom clima de sala de aula uma relação pedagógica pautada por princípios de justiça, tais como a equidade, a proporcionalidade e a imparcialidade. As suas percepções deixam ainda transparecer os efeitos que o contexto de ensino exerce nos julgamentos de justiça.

Perante um contexto de ensino marcado por relações mais distantes, estes alunos exigem, em primeiro lugar, que os seus professores sejam justos na avaliação - a outra face da medalha do processo de ensino-aprendizagem – e que atribuam as notas de acordo com o trabalho e esforço de cada um, sendo este, um meio de se sentirem reconhecidos. Contudo, também anseiam por um ambiente de aprendizagem justo, pautado pelo respeito, pela consideração, por parte do professor, dos seus direitos pessoais, das suas necessidades, e a auscultação da sua opinião nas tomadas de decisão que, de algum modo, lhes dizem respeito.

CONCLUSÃO

Satisfeito um dos objectivos da nossa investigação: “dar voz ao aluno”, é agora tempo de retomar as questões que nortearam esta investigação.

Quando pedimos aos alunos que descrevessem as suas experiências do quotidiano escolar, no contexto de sala de aula, relacionadas com o desempenho dos seus professores e com os seus próprios desempenhos, estes apontaram um quadro de dimensões da acção pedagógica, o qual consideram, também, explicativo das suas condutas. Assim, segundo o seu ponto de vista, nas aulas em que aprendem e se sentem bem, ou inversamente, aquilo que se constitui mais representativo da acção pedagógica do professor centra-se nas seguintes dimensões: comunicativa, motivacional, relacional,

metodológica, avaliativa e de efeito (ou consequencial), que se interpenetram e se

operacionalizam no sentido de constituírem uma estrutura de conjunto, na qual se consubstancia um contexto de (in)eficácia do ensino.

Apelam, sobretudo, para a estreita relação entre a competência do professor e o seu bom desempenho profissional. A boa actuação do professor prende-se, principalmente, com a sua competência comunicacional, isto é, as explicações e demonstrações, a sua habilidade em exprimir o pensamento, em fazer-se compreender pelos alunos, em manter o interesse destes, através da clareza, de ritmo e da tonalidade afectiva do seu discurso. É ainda importante que o professor se desloque pela sala de aula, atitude esta por eles interpretada como um sinal de proximidade e de disponibilidade para os ajudar. É, assim, por meio desta atitude que percepcionam a consideração das suas individualidades e necessidades específicas.

Quanto à gestão dos comportamentos, é importante, acima de tudo, que o professor seja um bom gestor de relações humanas, que respeite os alunos, que considere os seus direitos e que seja firme na exigência dos seus deveres e no cumprimento das regras de funcionamento e de produção do trabalho escolar. Nestas circunstâncias, os alunos moldam os seus comportamentos e respondem em função do princípio da reciprocidade.

Por outro lado, traços da personalidade do professor, tais como ser estimulante, interessante e interessado, preocupado, compreensivo, paciente, simpático, bem disposto e humorado, são elementos pessoais que enformam um clima de sala de aula conducente ao bem-estar e, portanto, mais favorável à aprendizagem.

Segundo estes alunos, concorrem também para o estímulo da sua aprendizagem e para um clima de bem-estar o uso, por parte do professor, do reforço positivo e de recompensas. Também é importante para a sua auto-estima que o professor mostre, por meio das interacções pedagógicas, expectativas elevadas em relação aos resultados e às suas capacidades e apontam os efeitos negativos da crítica e da punição. Relações interpessoais, de preferência abertas e pautadas pelo respeito, pela firmeza, pelo humor quanto baste, justas, equitativas e imparciais, contribuem para o bom ambiente de aprendizagem.

Quanto aos processos e aos recursos metodológicos utilizados pelo professor, os participantes na nossa pesquisa referem que aprendem melhor e sentem-se bem quando as actividades didáctico-pedagógicas assentam na diversificação dos processos/inovação, na utilização das novas tecnologias, nos jogos, quando têm oportunidade de trabalhar em grupo, ou quando o professor permite a concretização de projectos pessoais.

A avaliação constitui outra das dimensões da acção pedagógica. Estes alunos referem que a sua aprendizagem é facilitada quando os professores utilizam a avaliação de uma forma construtiva e formativa, isto é, quando a utilizam para dialogar, explicar de novo e (re)orientar a sua aprendizagem, e apontam os efeitos negativos quando o professor se serve dela para punir comportamentos. Sentem-se bem quando percepcionam que os professores reconhecem e recompensam o seu esforço e trabalho com avaliações equitativas e justas, isto é, proporcionais ao desempenho de cada um.

Quanto aos efeitos das competências dos professores, os alunos tendem a moldar os seus comportamentos de modo a responder com base no princípio da reciprocidade. Assim, se os alunos percepcionam que o professor harmoniza correctamente as dimensões da sua acção pedagógica e lhes proporciona situações de aprendizagem satisfatórias, respondem com comportamentos ajustados e facilitadores das aprendizagens: prestam atenção, concentram-se e envolvem-se activamente nas tarefas/actividades.

São estas, segundo a nossa investigação, um vasto e complexo conjunto de dimensões que jogam no processo de ensino-aprendizagem e que dão forma e conteúdo às relações e interacções que se estabelecem no quotidiano da sala de aula. Dependente da harmonização das mesmas, assim surgirá o efeito de um bom ensino ou de um mau ensino.