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Fenómenos interaccionais: expectativas, profecias e crenças

INTERACÇÃO PEDAGÓGICA OU A “VIDA” OCULTA DA AULA

III. 2. Fenómenos interaccionais: expectativas, profecias e crenças

As expectativas na sala de aula - Na sala de aula, tal como noutras esferas da vida,

os sujeitos constroem uma impressão acerca dos outros sujeitos em função da observação das condutas uns dos outros. É o que acontece na sala de aula entre professores e alunos. A partir daqui formam-se as expectativas (positivas ou negativas, baixas ou elevadas, correctas ou incorrectas) que são comunicadas, quer aos alunos, quer aos professores, de várias formas, durante a interacção aí estabelecida.

Por outro lado, as expectativas dos sujeitos em relação a outros sujeitos são também criadas a partir daquilo que deles sabem, por intermédio de outras fontes indirectas. Na escola, os professores podem elaborar as suas expectativas sobre os alunos em função das avaliações destes nos anos anteriores, pelos resultados dos testes de avaliação ou por meio de comentários de outros professores, entre outros. Por seu turno, também os alunos podem criar expectativas acerca de um determinado professor com base na informação dada, por exemplo, por outros colegas.

Assim, a interacção na sala de aula joga com um contexto no qual as expectativas dos actores em presença se fazem notar e, a seu modo, interferem e marcam a relação pedagógica.

As expectativas do professor - As expectativas do professor em relação aos seus

alunos exprimem-se nas suas práticas, na sua maneira de considerar as notas que lhes atribuem (Felouzis, s/d: 109). Assim, através da comunicação que com eles estabelece, o professor vai-lhes transmitindo, consciente ou inconscientemente, as expectativas que formula a seu respeito, podendo adoptar comportamentos diferenciadores em relação a uns e outros dos seus alunos.

A investigação em torno das expectativas em meio educativo tem evidenciado que o professor tem expectativas mais elevadas em relação aos alunos atentos, obedientes, com capacidade de autocontrolo e colaboradores (Fontaine, 1995; Arends, 1997). “Fazer esta diferenciação cria um contexto relacional mais agradável para os alunos melhores do que para os alunos piores” (Fontaine, 1995: 125). Deste modo, o contexto escolar parece ser favorável ao desenvolvimento sócio-afectivo dos bons alunos, mas não ao dos alunos fracos.

Segundo a mesma linha de estudos, as expectativas também são induzidas consoante a personalidade do professor. “Os professores mais influenciáveis (e dogmáticos) tratam os alunos que consideram ter baixo potencial intelectual mais negativamente do que os considerados como bons” (Oliveira, 1992: 69).

Se as “expectativas representam uma das numerosas variáveis motivacionais susceptíveis de orientar o comportamento” (Fontaine, 1995: 119), então o professor terá esse poder. Ilustramos esta suposição por meio do quadro 1, no qual se caracterizam algumas condutas dos professores em função das expectativas que elaboram para “bons” e “maus” alunos.

Quadro 1 – Tratamento diferenciado do professor para bons e maus alunos - quadro adaptado de Good e Brophy (1987, apud Arends, 1997: 162).

Categorias de comportamento Comportamentos do professor

Elogio e informação retroactiva -Reforça os comportamentos inadequados dos «maus» alunos -Critica mais os fracassos dos «maus» alunos do que dos «bons» -Dá menos elogios pelo sucesso aos «maus» alunos do que aos «bons» -Não dá informação retroactiva às respostas em voz alta dos alunos mais fracos -Administra ou avalia diferenciadamente testes e trabalhos

-Dá menos informações e respostas mais breves às perguntas dos «maus» alunos

Interacções verbais -Espera menos tempo pelas respostas dos «maus» alunos -Responde pelos «maus» alunos ou chama outro colega

-Chama menos vezes os alunos mais fracos para responderem às perguntas -Só faz perguntas fáceis, não-analíticas aos «maus» alunos

-Aceita e utiliza menos as ideias dos alunos mais fracos

Interacções interpessoais -Geralmente dá menos atenção aos «maus» alunos -Interage menos frequentemente com os alunos mais fracos -Exige menos dos «maus» alunos

-Interage com os «maus» alunos mais em particular do que em público -Senta os «maus» alunos nos lugares mais afastados

-Mostra menos interacções amistosas com os alunos mais fracos

-Apresenta menos comunicações não-verbais e compreensividade para com os «maus» alunos

Estratégias de instrução -Utiliza menos métodos eficazes mas morosos com os alunos mais fracos -Dá mais trabalho na carteira e tarefas de baixo nível aos «maus» alunos -Deixa de lado os «maus» alunos nalgumas actividades de ensino

Como se pode depreender do quadro, as expectativas elaboradas pelo professor afectam a interacção pedagógica que se estabelece na sala de aula. “O professor, assim que adquire uma fraca estimativa das capacidades de um aluno, deixa de tentar ensinar- lhe tanto como aos outros e de esperar que ele dê respostas da mesma qualidade” (Delamont, 1987: 77).

Segundo Estrela (2002: 72), outra forma de transmitir expectativas ocorre quando o professor faz advertências disciplinares e falha o “alvo”, designando imediatamente um aluno que considera indisciplinado desde que a perturbação venha da zona da sala de aula em que ele se encontra. “O aluno injustamente visado capta assim a imagem que tem dele o professor, sente-se um bode expiatório e passará a fazer o possível para justificar a fama que tem” (ibid., ibidem).

Para além dos comportamentos e do desempenho académico, os professores adoptam outras rotulações sobre os seus alunos, e que, nalguns casos, exercem real efeito sobre estes. Os estudos mostram que características pessoais dos alunos, tais como o género, a classe social ou a raça, são utilizados pelos professores na construção e reforço de estereótipos (Delamont, 1987: 77; Friedman, 1976, apud Diez-Aguado, 1983: 573).

As expectativas são, pois, um fenómeno que interfere e que medeia a relação pedagógica que se estabelece na sala de aula.

As capacidades do professor para ensinar também parecem estar associadas às suas expectativas sobre os alunos. O estudo de Crano e Mellon (1978, apud Diez-Aguado, 1983: 573) sugere que a expectativa que o professor tem do aluno depende em larga medida da expectativa que tem da sua própria capacidade para controlá-lo. Assim, os professores identificam como alunos incapazes de aprender aqueles que se vêem incapazes de ensinar. Do mesmo modo, os professores mais competentes são os que, de um modo geral, têm melhores expectativas dos seus alunos. Os resultados deste estudo apontam para a relação das expectativas do professor e a sua eficácia docente, o que também é corroborado por Estrela (2002: 72) e Felouzis (s/d: 130) quando diz que “os professores eficazes desenvolvem simultaneamente um certo optimismo sobre os alunos e expectativas positivas sobre a sua progressão e capacidade”. Assim, os professores mais eficazes tendem a organizar as suas práticas pedagógicas à volta dessas expectativas, insistindo junto da sua turma sobre a possibilidade de cada um ter êxito, favorecendo as atitudes positivas por parte dos seus alunos.

Brophy e Good (1970, apud Oliveira, 1992: 43) concluem que “os resultados das expectativas dependem essencialmente dos professores e pouco dos alunos, e que se os professores tomarem consciência do seu comportamento discriminatório, talvez o possam controlar e modificar”. Nesta perspectiva, poder-se-á criar um círculo positivo estreitando- se mais a relação educativa, que será baseada, fundamentalmente, em expectativas

positivas mútuas. “A melhoria das expectativas introduzirá alterações concomitantes das relações interpessoais entre professor e aluno com os seus efeitos indirectos sobre o nível de bem-estar do aluno” (Fontaine, 1995: 127).

As expectativas dos alunos - No contexto da sala de aula também entram em jogo

as crenças, conhecimentos, expectativas e hábitos que os alunos trazem para a escola, no que concerne à aprendizagem e à motivação. Tal como as características da interacção professor-aluno sofrem efeitos das expectativas do professor, também é de esperar que as expectativas do aluno possam influenciar a sua conduta na sala de aula. Apesar de ser pouca a investigação em torno das expectativas do aluno na sala de aula, há evidências que apontam nesse sentido.

Feldman e Prohaska (1979) referem que “logo no primeiro encontro com um novo professor, os alunos desenvolvem expectativas a partir do aspecto físico, do sexo, da raça, da idiossincrasia comportamental do professor” (apud Oliveira, 1992: 56).

Não só a interacção que se estabelece na sala de aula influi nas expectativas do aluno sobre os seus professores, como, e segundo a investigação, as expectativas que o aluno tem do professor antes mesmo de conhecê-lo influem na impressão que dele irá formar e na sua atitude na aula (Diez-Aguado, 1983: 582).

Outros estudos, centrados nas expectativas dos alunos em relação a si próprios (Bernardt e Miller, 1990; Campbell e Fairey, 1985; Entwisle e Backer, 1983; Fulkerson et

al., 1983, apud Fontaine, 1995: 124), mostram que “existe uma relação positiva entre

expectativas dos alunos e os seus resultados escolares” e “uma relação positiva entre expectativas dos alunos e as que os seus professores formam a seu respeito” (Pearsons et

al., 1982, ibid., ibidem).

Também há “professores, que pelo facto de terem uma determinada fama na escola, condicionam fortemente as expectativas dos alunos, pelo que, pelo menos uma parte dos comportamentos dos alunos corresponderá aquilo que quer os alunos quer os professores esperam (…) Deste modo, se os alunos supuserem que o professor é disciplinador, dar- lhe-ão muito menos problemas do que dariam se supusessem o contrário” (Lopes, 2003: 111).

As interacções na sala de aula parecem, pois, ser influenciadas pelas expectativas que os actores em presença têm uns dos outros. Entre os alunos também se criam

expectativas que, nalguns casos, “podem ser mais influentes que as dos professores. Se, por exemplo, um aluno tem fama de palhaço ou de provocador de professores, esforçar-se- á por manter esse papel para, desse modo, satisfazer as expectativas dos outros. Isto será mais frequente quando da manutenção do seu papel dependa o status que tem no grupo, pois este pode ser apoiado unicamente no papel que desempenha e, em tal caso, não é de estranhar que se esforce por conservá-lo” (Watkins & Wagner, 1991, apud Amado, 2001: 123-124).

Noutra perspectiva, a Psicologia Cognitiva acentua o carácter motivador das expectativas, uma vez que verificamos o nosso sentido da realidade vendo em que medida este nos serve para antecipá-la. Ver cumprida uma expectativa equivale, portanto, a aumentar a nossa capacidade de controlo sobre o mundo (Diez-Aguado, 1983: 563; Seco, 2000: 111).

Na sala de aula, as expectativas dos alunos também podem constituir um factor de motivação individual. Segundo a teoria das expectativas de Vroom (1964, apud Seco, 2000: 112), “o comportamento é orientado para objectivos e resultados, sendo o comportamento escolhido, bem como o esforço e a persistência do sujeito, função do valor desses resultados e da expectativa de alcançá-los”. Deste modo, a tendência para agir de determinada forma depende da magnitude da expectativa face ao resultado esperado. “Em geral, as investigações encontram uma correlação positiva entre as expectativas e a realização escolar: as crianças com alta expectativa de sucesso na escola obtêm scores mais altos no QI e no rendimento” (Oliveira, 1992: 38).

A profecia auto-realizada - O conceito de profecia que se cumpre por si mesma, ou

a expectativa inicialmente falsa que põe em marcha todo um processo que a converte em verdadeira deve-se ao sociólogo Merton (1948), que o utilizou para descobrir como “o medo infundado ou a quebra bancária faz com que os depositários retirem o seu dinheiro do banco” (apud Diez-Aguado, 1983: 565).

O fenómeno da profecia auto-realizada traduz-se na ideia de que “as pessoas fazem, em geral, mais aquilo que esperamos delas do que o contrário” (Rosenthal & Jacobson, 1971, apud Amado, 2001: 116). No contexto escolar, as relações interpessoais são marcadas, em maior ou menor grau, por este fenómeno.

Tanto quanto sabemos, Rosenthal e Jacobson4 foram os primeiros investigadores a estudar as expectativas na sala de aula e a tentar demonstrar a existência de profecias auto-realizadas. Esse estudo, conhecido por efeito de Pigmalião, mostra “como as expectativas do professor exercem influência na sua conduta em relação aos alunos, exercendo essa conduta, por sua vez, um efeito modelador da conduta destes” (Estrela, 2002: 71-72).

No contexto da sala de aula, basicamente, a profecia auto-realizada resume-se à forma como o professor trata o aluno e de como este último reage em consonância. Por exemplo, se o professor acha que um dado aluno tem um baixo nível cognitivo, trata-o de maneira diferente da que trata um outro que considere ter um nível cognitivo elevado. O aluno em causa “interioriza esse juízo e tende a comportar-se de acordo com ele - criando- se, deste modo, um ciclo vicioso” (Delamont, 1987: 76).

Nesta ordem de ideias, Amado refere que “as expectativas estão também associadas ao comportamento desviante do aluno, quer porque resultam de uma apreciação desse comportamento, quer porque se podem tornar numa força determinante do mesmo” (2001: 113).

Face a estas experiências, podemos considerar que uma das variáveis que influencia o aproveitamento escolar do aluno será os professores acreditarem nas suas capacidades intelectuais e considerarem interessantes as suas intervenções. É importante para o aluno sentir que o professor acredita nele, que está interessado em que ele vença as eventuais dificuldades sentidas ao longo do processo de aprendizagem e que acredita que ele será capaz de as ultrapassar.

Crenças de auto-eficácia - Os comportamentos dos sujeitos também se explicam

pelo sentido de eficácia. Contrariamente ao que se suponha na perspectiva comportamental behaviorista, os seres humanos não são apenas organismos reactivos, mas possuem uma dimensão reflexiva, planificadora e prospectiva, isto é, “uma dimensão interna, que influencia o que decidem fazer e o modo como o fazem” (Pinto, 2003: 33). De entre os aspectos internos ao sujeito que contribuem para a determinação da acção, Bandura (1986, apud Pinto, 2003: 33) destaca os pensamentos auto-referentes, isto é, as representações mentais que se referem ao próprio sujeito. “Os pensamentos auto-

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referentes são mecanismos de transformação das representações simbólicas em cursos apropriados de acção, constituindo assim um elemento mediador entre o conhecimento e a acção” (ibid., ibidem), isto é, são crenças que mobilizam os indivíduos para determinados cursos de acção nos quais julgam ter êxito.

Entre os mecanismos psicológicos da motivação do aluno também se encontram as crenças de auto-eficácia. “As teorias cognitivas da motivação consideram que a motivação para a aprendizagem, as emoções e as expectativas de sucesso e fracasso futuros sofrem influências das crenças do aluno” (Boruchovitch, 2001: 148).

No contexto escolar, podemos definir as crenças de auto-eficácia dos alunos como uma “convicção pessoal para dar conta de uma determinada tarefa num grau de qualidade definida” (Schunk, 1991, apud Bzuneck, 2001: 116). A crença de auto-eficácia não é generalizável a todos os cursos de acção, isto é, é específica e varia de tarefa para tarefa, distinguindo-se, deste modo, das expectativas.

No contexto didáctico da sala de aula, “o aluno motiva-se a envolver-se nas actividades de aprendizagem caso acredite que, com seus conhecimentos, talentos e habilidades, poderá adquirir novos conhecimentos, dominar um conteúdo, melhorar suas habilidades, etc” (Bzuneck, 2001: 118). Assim sendo, as crenças de auto-eficácia estão associadas ao esforço e persistência nas tarefas escolares, isto é, têm um papel motivacional.

Um factor que pode levar os alunos a desenvolver o sentido de auto-eficácia é a

persuasão verbal. O professor, ao comunicar ao aluno que este possui as capacidades

para realizar com êxito determinada tarefa, desde que o faça baseado em critérios tais como a convicção e a credibilidade, incute-lhe um efeito positivo na prossecução do bom desempenho académico (ibid., 124).

O grau de dificuldade da tarefa, o grau de exigência do professor bem como a ajuda dispensada ao aluno constituem outros factores que influenciam um julgamento positivo ou negativo das próprias capacidades do aluno para controlar a situação e, portanto, influenciam no desenvolvimento da percepção de auto-eficácia (ibid., 125).

Considerando que as crenças de auto-eficácia do aluno o levam a um melhor desempenho académico e que se enformam em factores pessoais e ambientais, podemos inferir a influência que o professor pode exercer na potenciação das mesmas. Assim,

afiguram-se-nos como indicadores do aumento do sentido de eficácia do aluno uma relação educativa pautada pela comunicação de expectativas positivas quanto às suas capacidades, evitando ocorrências e verbalizações que possam gerar dúvidas sobre elas, e a proposta de tarefas escolares que sejam oportunidades reais de êxito. Sabendo que cada aluno é uma individualidade, este último aspecto remete para a importância da prática de um ensino individualizado.

Sabe-se, aliás, que os professores, também eles próprios com um elevado sentido de auto-eficácia são, naturalmente, abertos a novas ideias, estão dispostos a experimentar métodos inovadores como forma de encontrar abordagens mais eficazes para a aprendizagem dos estudantes, manifestam grande entusiasmo pelo ensino e estão mais comprometidos com a sua profissão. São, igualmente, menos críticos, face aos erros dos estudantes, e empenham-se para que estes superem as suas dificuldades (Tschannen- Moran, Woolfolk e Hoy, 1998, apud BermejoToro e Prieto Ursúa, 2005: 494).