• Nenhum resultado encontrado

A Liderança Carismática e Liderança Transformacional

REVISÃO DA LITERATURA

A LIDERANÇA INOVADORA

2.1. A Liderança, um Processo Centrado no Líder

2.1.1. A Liderança Carismática e Liderança Transformacional

Em finais dos anos setenta, Robert House (1971), retomando o conceito weberiano de carisma (Weber, 1962), desenvolveu o modelo contingencial path-goal e propôs a teoria da liderança carismática para descrever os traços de personalidade dos líderes carismáticos, o seu comportamento, a influência sobre os seguidores e as situações que facilitam a sua emergência. Trata-se de pessoas extraordinárias cuja acção produz efeitos excepcionais nos seguidores, unidades ou sistemas. São capazes de transformar os valores, expectativas comportamento e desempenho dos seguidores, de os motivar para a realização de sacrifícios

liderados em relação ao líder e o comprometimento em relação aos objectivos do grupo. Na sua formulação inicial, House procurou determinar os atributos pessoais, como ser não convencional, auto confiante, dominante, ter vontade de influenciar os outros e manifestar os seus valores morais (House e Aditya, 1997). Contudo, posteriormente, a investigação empírica centrou-se nos comportamentos dos líderes carismáticos e nos seus efeitos sobre os seguidores (Conger, Kanungo e Menon, 2000), como por exemplo, comunicar a visão ou inspirar para a prossecução dos objectivos, manifestar sensibilidade para com as necessidades dos colaboradores, saber analisar o meio envolvente, correr riscos e apresentar um comportamento não convencional. Assim, o líder é criativo e conduz o grupo à prossecução de objectivos inovadores.

O modelo de Conger e Kanungo (1987) define a liderança carismática como um fenómeno multidimensional, tributário das percepções e atribuições dos seguidores. Trata-se de uma teoria de relação social, como afirmam House, Spangler e Woyckle (1991), pois, se é um facto que o líder pode influenciar os liderados, são estes que aceitam ou não essa influência, tornando-se seguidores.

O que distingue o líder carismático de outros líderes é a sua capacidade para formular e apresentar uma visão inovadora, inspiradora e, pelas suas acções, dar a ideia de que a sua missão é extraordinária e inovadora. A liderança carismática é vista como um conjunto de atribuições disposicionais dos seguidores para com o líder e, em simultâneo, um conjunto de comportamentos manifestos por parte do líder. O comportamento do líder modifica os seguidores, que manifestam maior envolvimento, motivação e melhoram o seu desempenho (House e Aditya, 1997), aumentam a reverência para com o líder e, indirectamente, a confiança e a satisfação (Conger et al., 2000).

Contestando esta perspectiva unidireccional, em que o líder teria a ideia ou a visão que injectaria (por palavras) nos subordinados passivos, Westley e Mintzberg (1999) consideram

que a imagem que melhor retrata o processo da liderança visionária se assemelha mais a um drama, em que a acção e a comunicação ocorrem simultaneamente. Afirmam que ideia e emoção, actor e audiência estão, momentaneamente, unidos em múltiplos níveis simbólicos.

Uma primeira fase de ensaio permite ao visionário preparar-se para a visão, ou seja, necessita dominar o assunto e as técnicas facilitadoras da produção de ideias, de modo a identificar novas percepções; a representação consiste na transformação do ensaio em sucesso, ou seja, na promulgação da visão ou na comunicação por palavras e acções. A visão deve ser reconhecida pelos seguidores, enquanto nova maneira de pensar e agir, permitindo que se juntem ao líder na sua implementação. Estão simultaneamente presentes processos perceptivos e simbólicos, na medida em que o líder, através da comunicação verbal e não verbal, apela tanto à lógica e racionalidade quanto às emoções dos colaboradores que, comparados à audiência, na metáfora do teatro, não são passivos, antes respondem activa e emocionalmente. Assim, o líder confere mais poderes aos colaboradores e, simultaneamente, deles recebe mais poder. Os autores afirmam que os líderes visionários não são considerados super homens ou heróis e a sua acção não conduz necessariamente ao sucesso organizacional e o seu estilo varia, bem como o conteúdo da visão ou o contexto em que actuam (Westley e Mintzberg, 1999). Este estilo de liderança garante a obediência dos subordinados e pode ser muito eficaz, se a visão for adequada, nomeadamente, em circunstâncias de crise, mas também pode facilitar os fenómenos de pensamento de grupo (Janis, 1982), diminuir a participação das pessoas, com os riscos daí decorrentes.

A partir desta teoria e influenciado por Burns (1978), Bass constrói a sua teoria de liderança transformacional (Bass, 1999). O líder transformacional motiva os colaboradores a realizarem mais do que pensariam ser possível, estabelece expectativas e consegue desempenhos mais elevados. A liderança transformacional situa-se a um nível mais elevado do que a liderança transaccional, que descreve as transacções entre líderes, pares e

colaboradores, que podem ser descritas por modelos como o das díades verticais de Graen ou a teoria path-goal, de House (1971). Um terceiro tipo de comportamento, não transaccional ou liderança passiva (laissez-faire) respeita ao líder que espera que os problemas se manifestem antes de agir, evita tomar decisões ou não está presente quando necessário. Estas dimensões não são exclusivas, podendo o mesmo líder assumir vários estilos simultaneamente. O questionário elaborado, MLQ (Multifactor Leadership Questionnaire), extraiu cinco dimensões, três relativas à liderança transformacional e duas à liderança transaccional, descritas seguidamente (Bass, 1997).

A liderança transformacional pode ser descrita em torno de três dimensões: carisma, consideração individualizada e estimulação intelectual.

− O carisma refere-se a comportamentos tais como dar o exemplo, assumir riscos

calculados, manifestar comportamentos éticos. Os líderes são admirados e respeitados pelos seguidores, que têm confiança neles. Estão muito empenhados nos objectivos ou na missão. Dão sentido à realidade, estabelecem desafios para os seguidores e fomentam o espírito de equipa.

− A consideração individualizada indica que o líder manifesta preocupação por cada

um dos seus colaboradores, individualmente, procura desenvolver as suas capacidades e trata cada um como uma pessoa única, com necessidades e capacidades idiossincráticas.

− A estimulação intelectual diz respeito à capacidade de definir e reformular os

problemas, questionar as ideias feitas e estimular os colaboradores e pares a pensar criativa e inovadoramente.

A liderança transaccional é definida através de duas dimensões: o reconhecimento de contingência e a gestão da excepção.

− O reconhecimento de contingência remete para o estabelecimento de prémios

atribuídos a quem cumprir os objectivos (negociados ou não).

− A gestão da excepção, refere-se ao acompanhamento do desempenho do seguidor

pelo líder, que pode ser activo – se o líder adoptar acções correctivas ou os liderados não atingirem os padrões ou objectivos estabelecidos – ou passivo – se a intervenção depender da ocorrência de problemas

O líder transaccional clarifica os objectivos e responsabilidades, facilita a formação de expectativa, o estabelecimento de um contrato negociado e reconhece ou recompensa o trabalho; revela-se eficaz em períodos de estabilidade ou evolução lenta. A liderança transformacional fomenta o desenvolvimento pessoal dos colaboradores, criando objectivos desafiantes que vão para além do habitual, inspirando-os para esforços que resultam num desempenho acrescido, comportamentos inovadores e de cidadania organizacional (Rego, 2002). A liderança transformacional parece mais adequada nas fases de fundação e início de actividade das empresas e tem sido associada aos períodos de mudança rápida, de instabilidade, ou seja, quando encontrar soluções inovadoras para os problemas que se colocam se revela crítico para o desempenho organizacional.

Os diversos estudos realizados, utilizando o MLQ, mostram que a liderança transformacional e transaccional não são exclusivas dos níveis estratégicos, podendo ser encontradas em quaisquer níveis organizacionais (Bass, 1997, 1998). A investigação tem suportado esta teoria em diferentes sectores de actividade, como sejam o empresarial, militar, educacional (Bass. 1998), e em diferentes países (Bass e Avolio, 1993). Os dados mostram que as acções do líder influenciam a satisfação e o desempenho dos colaboradores e que a liderança transformacional é geralmente mais eficaz.

Estas teorias procuram explicar o modo como os líderes conseguem fomentar o empenhamento e envolvimento dos seguidores para que estes deixem de prosseguir

objectivos individuais, para actuar em prol do interesse colectivo, conseguindo, assim, as condições necessárias à transformação e mudança organizacional. Neste sentido, o papel do líder consiste em suscitar e apoiar a criatividade individual dos seguidores, de modo a fomentar a inovação organizacional.

Há contudo que perguntar, com Chemers (2000) e Yukl (1999), se não se assiste aqui a um regresso a teorias universalistas, em que a liderança mais eficaz é descrita independentemente dos contextos empresarial ou cultural. Embora se enquadrem no paradigma dominante, ao fazer depender o sucesso empresarial da acção do líder (criativo e capaz de desenvolver a inovação com os seguidores), estas teorias impõem-se na investigação dos finais do século XX, sendo consideradas como uma mudança de paradigma, e contribuem para o rejuvenescimento do estudo da liderança e o reavivar do interesse por esta temática (Hunt, 1999).