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Caracterização da Inovação na Hotelaria

REVISÃO DA LITERATURA

A INOVAÇÃO NA HOTELARIA

3.3. Caracterização da Inovação na Hotelaria

A mudança dos produtos e serviços turísticos tem reflexos importantes na estrutura e organização das empresas e unidades hoteleiras, bem como nas competências dos seus gestores. Gilbert e Guerrier (1997) e Deery e Jago (2001) põem em evidência as modificações sofridas pela hotelaria em trinta anos, mais concretamente, entre os anos setenta e noventa, no Reino Unido e as diferenças nas competências dos gestores de hotéis. Assim, enquanto nos anos setenta, a hotelaria oferecia produtos e serviços semelhantes e uniformes, quartos idênticos, de maior ou menor dimensão e conforto consoante a categoria. A partir de 1990, o aumento da concorrência obriga as empresas à diferenciação dos serviços pela qualidade, para responder às exigências dos consumidores, levando-as a uma diversificação dos serviços.

Sobre o gestor não existia a pressão actual para o controlo de custos ou a prossecução de objectivos financeiros. Considerava-se o trabalho barato e era fácil recrutar trabalhadores, a tempo inteiro, cuja produtividade não constituía preocupação; um número significativo de assistentes de direcção enquadrava o pessoal. Como refere Gallego (2002), os hotéis de quatro e cinco estrelas empregavam um elevado número de trabalhadores, podendo chegar a níveis de um ou dois quartos por trabalhador. Os hotéis tinham uma estrutura funcional, muito hierarquizada que originava uma elevada diferenciação de papéis e estatutos dos

membros organizacionais. A formação decorria da experiência, acedendo-se ao lugar de director após uma carreira de sucessivas promoções. Os conhecimentos técnicos eram valorizados, havendo alguma desconfiança face à formação académica, e o estilo de liderança é referido como autocrático, verificando-se uma grande assimetria na relação entre direcção e empregados.

Após o primeiro choque petrolífero, em 1973, e da crise económica que se lhe seguiu inicia-se uma mudança destinada a diminuir os custos operacionais. A partir dos anos noventa, inicia-se a mudança organizacional, como mostram Gilbert e Guerrier (1997), no sentido da flexibilização das estruturas e do aumento da polivalência laboral. O quadro 1 resume as principais diferenças verificadas na gestão dos hotéis nos diversos períodos, mostrando a evolução ao nível do mercado turístico internacional, das exigências legislativas e das respostas que os hotéis foram encontrando para responder às mudanças. Assim, verifica-se que o aumento da concorrência provoca a concentração dos hotéis em grupos e cadeias, procurando diferenciar-se entre si, mais do que competir directamente, tendo em conta que a concorrência se faz hoje em torno dos destinos turísticos, mais do que dos hotéis em si. Nesse sentido, assiste-se à criação de marcas regionais ou nacionais.

A emergência de novos destinos, em que se oferece alojamento de qualidade, a preços baixos, tem obrigado as empresas hoteleiras a baixar os preços ao cliente, diminuindo as suas margens de lucro. Como compensação procuram diferenciar os seus produtos no sentido de garantir taxas de ocupação mais elevadas, modificando a sua política de preços.

Quadro 1 – As Características da Gestão Hoteleira nas Últimas Décadas Anos 70’ (Gilbert e Guerrier) Anos 90’ (Gilbert e Guerrier) Século XXI (Deery e Jago) Mercado ∗ Pouco exigente ∗ Pouco competitivo ∗ Lucro fácil ∗ Pouca necessidade de promoção

∗ Hotéis mais individualistas

∗ Marcas locais

∗ Muito competitivo

∗ Necessidade de planeamento estratégico

∗ Mercado muito exigente

∗ Marcas internacionais

∗Muitíssimo competitivo

∗Mercado muitíssimo exigente e segmentado

∗Marcas multinacionais

∗Marca de cadeias de hotéis e marcas regionais ou de países

Legislação sectorial

∗ Pouca regulamentação ∗ Legislação sobre o emprego complexa

∗ Legislação relativa à higiene e segurança alimentar

∗ Legislação sobre o emprego mais complexa ∗ Necessidade de certificação da qualidade alimentar e ambiental Estrutura Organizacional ∗ Funcional

∗ Muitos níveis hierárquicos

∗ Muitos assistentes de direcção

∗ Emprego estável

∗ Estrutura mais baixa

∗ Menos níveis hierárquicos

∗ Trabalho estandardizado

∗ Empowerment

∗ Menor controlo

∗ Mais responsabilidade

∗ Estrutura baixa e flexível

∗ Menos níveis hierárquicos

∗ Estandardadização e inovação

∗ Empowerment

∗ Responsabilização Adaptado de Gilbert e Guerrier (1997) e de Deery e Jago (2001)

Nesta evolução, as empresas têm modificado a sua estratégia no sentido do aumento permanente da qualidade e da focalização no cliente, o que reverte para a necessidade de melhorar continuamente a prestação do serviço aos vários níveis, fomentando a expressão da criatividade individual e a inovação. O cliente das unidades hoteleiras é hoje mais experiente,

não se deixando surpreender facilmente pela oferta de instalações confortáveis e modernas, pelo que o hotel deve oferecer algo mais, que lhe garanta distintividade face aos restantes.

Na caracterização do hotel como organização, Kasavana e Brooks (1995) definem-no como uma rede de departamentos, divisões e pessoas que devem operar de tal modo que se tornam invisíveis a um observador pouco atento, embora o serviço daí resultante deva caracterizar-se pela visibilidade e distintividade. Nesse sentido, o trabalho de equipa e a cooperação devem pautar o trabalho das pessoas em cada departamento e na acção interdepartamental, na organização como um todo, assumindo, assim, a definição da missão um papel essencial na gestão da empresa hoteleira. Para Kasavana e Brooks (1995), qualquer que seja o tamanho do hotel ou o seu nível de serviço, a missão deve contemplar os três grupos de actores interessados, os clientes, os empregados e os gestores – por exemplo, as expectativas dos clientes (instalações seguras, limpas e confortáveis, empregados prestáveis e simpáticos e serviço e equipamento adequados); a filosofia dos gestores, identificando os valores orientadores da operação e garantir a satisfação do cliente interno, de modo a que através do seu desempenho sejam superadas as expectativas dos clientes e dos gestores. Os objectivos decorrentes da missão podem respeitar à garantia dos níveis de qualidade, à correcta gestão das pessoas, dos recursos financeiros, equipamentos e instalações, à implementação de um sistema de gestão que garanta a eficácia e eficiência organizacionais, ao aumento da flexibilidade, da produtividade, dos lucros, à diminuição dos custos e fidelização do cliente (Sarmento, 2003).

Do ponto de vista estrutural, como referem Kasavana e Brooks (1995), os hotéis podem assumir desenhos muito diversificados, que podem ir até à subcontratação das áreas de alimentação e bebidas, sendo contudo essencial assegurar uma grande interacção entre todos para garantir a qualidade do serviço. Os autores referem que os departamentos, divisões e os empregados do hotel podem ser classificados de front of the house e back of the house,

consoante os trabalhadores interajam com o cliente ou não. Nesse sentido podem identificar- se como áreas de front of the house, o front office (recepção), os restaurantes e bares e como áreas de back of the house os sectores de andares, lavandaria e limpeza e as áreas de manutenção, comercial, financeira e recursos humanos.

A pressão para a qualidade tem levado um número crescente de empresas a procurar a certificação da qualidade e da qualidade ambiental, como forma de melhorar os procedimentos e a prestação do serviço ao cliente. O modelo de excelência da European

Foundation for Quality Management (EFQM), para a gestão da qualidade baseia-se em nove

critérios e refere que os resultados excelentes relativos ao desempenho, clientes, pessoas e sociedade são alcançados por meio da liderança na condução da política e estratégia, consubstanciada através das pessoas, parcerias, recursos e processos. Em todo o processo a inovação e a aprendizagem são transversais (figura 6), apoiando a melhoria da qualidade e dos processos ao nível dos meios que conduzirão a melhores resultados.

Figura 6 – O modelo de excelência da EFQM

Liderança Pessoas Política e Estratégia Parceiros e Recursos Processos Resultados Chave do Desempenho Resultados Pessoas Resultados Clientes Resultados Sociedade Meios Resultados

Verifica-se, assim, que a qualidade é indissociável do processo de inovação, que se traduz num processo de melhoria contínua. Como refere Cetron (2001), a grande concorrência entre os grupos hoteleiros torna cada vez mais difícil a uma dada cadeia distinguir-se das restantes, pois logo que uma oferece um novo serviço, capaz de atrair clientes, os seus concorrentes adoptam-no, procurando melhorá-lo, aumentando continuamente o nível da qualidade do serviço no produto mais básico. Deste modo, o que distingue uma unidade de outra é a atenção ao pormenor e a personalização do serviço. A boa localização e as facilidades oferecidas pela unidade constituem assim elementos capazes de transformar o próprio hotel em destino turístico, isto é, a ser reconhecido pela qualidade da sua envolvente, da sua comida e dos serviços e actividades e vantagens que oferece aos clientes que voltam mais do que uma vez. Citem-se como exemplos, a abertura das cozinhas ao cliente, para que possa participar na confecção das refeições ou a oferta de mini férias “saudáveis” incluindo spa e refeições orientadas pelos conselhos de nutricionistas.

Verifica-se, assim, que a inovação decorre da focalização no cliente e da necessidade de aumentar continuamente a qualidade do serviço e dos produtos prestados. A atenção permanente às práticas dos concorrentes, procurando adoptá-las e melhorá-las, parece constituir neste sector a essência do processo de inovação.

A investigação tem vindo a salientar o papel relevante que o cliente desempenha no processo (Go, 2005). Com efeito, o turista, através da Internet, tem acesso a novas ideias e experiências que lhe dão o conhecimento e a competência necessária ao desenvolvimento das soluções mais adequadas para si próprio. Assim sendo, o cliente deve ser considerado como parte integrante do processo, num nível central, como fonte de inovação, e não apenas ao nível dos resultados, como dimensão externa (Sundbo e Gallouj, 1998). Contudo, Sandoff (2005) chama a atenção para o paradoxo existente entre o atendimento personalizado e o

estabelecimento de standards de serviço, no sentido de garantir o controlo dos comportamentos, a uniformidade nas várias unidades do grupo, se for caso disso, e a segurança do trabalhador em situações imprevistas.

O empowerment dos trabalhadores da hotelaria tem vindo a ser considerado como um elemento que contribui para o aumento da qualidade do serviço e da satisfação dos clientes, ao permitir aos trabalhadores de front office responder a clientes exigentes e a standards de qualidade elevados, como mostram Klidas, van den Berg e Wilderom (2007), para quem a cultura orientada para o cliente e um estilo de liderança favorável contribuem significativamente para o empowerment destes trabalhadores.

3.4. Resumo do Capítulo

Este capítulo procurou retratar a evolução do turismo, mostrando o impacte significativo das mudanças socio-económicas e políticas nesta actividade, ao nível global, procurando também caracterizar a sua importância para a economia regional. Alguns indicadores estatísticos permitem demonstrar o crescimento registado no segmento de mais elevada qualidade. A hotelaria constitui um dos subsectores base da actividade turística que procura diferenciar-se para fidelizar um número crescente de clientes, fomentando a focalização no cliente e incentivando os seus colaboradores a gerar ideias que possibilitem a melhoria contínua dos processos de trabalho e da qualidade do serviço. Apresentar-se-ão, no próximo capítulo, alguns estudos que permitirão exemplificar a inovação na hotelaria, mostrando a sua natureza incremental, e a importância do papel desempenhado pelos gestores em todo o processo.

CAPÍTULO 4