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REVISÃO DA LITERATURA

A INOVAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

1.4. O Processo de Inovação

O estudo do processo de inovação evoluiu, tendo os modelos lineares e deterministas, relevando do paradigma da racionalidade, sido substituído por modelos contingenciais, que identificam as variáveis que influenciam a inovação nas organizações. Hoje, o paradigma da complexidade procura explicações mais holísticas para este processo.

Os primeiros modelos explicativos da inovação descrevem um processo linear cujas fases se iniciam pela percepção, identificação da ideia ou oportunidade de mercado, seguida da sua avaliação e desenvolvimento, de modo a transformá-la em algo mais tangível; a esta fase Rosenfeld e Servo (1990) chamam invenção. Sucede-lhe a fase de adopção e implementação, que pode terminar com a comercialização e rotinização do produto ou processo inovador. Assim, nas organizações, a inovação está fortemente dependente da estrutura competitiva do mercado, como refere Vieira (2000).

O modelo de Rogers (2003), concebido em 1962 a partir de um estudo dedicado à difusão de inovações na agricultura, revela-se hoje incontornável. O processo compreende duas actividades principais, iniciação e implementação, cada uma delas subdividida em fases, como mostra a figura 2.

A primeira fase, estabelecimento da agenda, diz respeito à definição dos problemas gerais que a organização enfrenta e ao estudo do meio envolvente, de modo a identificar necessidades de inovação. O autor refere que esta fase não faz propriamente parte do processo mas é aí incluída, tendo em conta a sua importância no despoletar da motivação para o envolvimento nas fases ulteriores. Nesta fase podem ser detectadas as diferenças entre as expectativas e os resultados atingidos, as oportunidades ou inovações efectuadas no meio envolvente que se revelam adequadas ou adaptáveis à organização. A geração de ideias para responder aos problemas detectados está aqui incluída.

Estabelecer

a Agenda Compatibilizar

Redefinir /

Reestruturar Clarificar Rotinizar

Fonte: Rogers (2003: 421)

Figura 2 – O processo de inovação na organização

Na segunda fase, os decisores procuram antecipar os efeitos da inovação, em termos de custos e benefícios, no sentido de determinar se a mesma será introduzida ou, pelo contrário, abandonada.

A implementação da inovação integra três etapas: redefinição/reestruturação, clarificação e rotinização. A primeira diz respeito à adaptação da inovação à organização,

I INICIAÇÃO II IMPLEMENTAÇÃO

podendo levar à modificação ou reinvenção do projecto inicial. Pode também haver necessidade de adaptar a organização à inovação, por exemplo, modificando a sua estrutura.

Na fase de clarificação, o âmbito da inovação é ampliado, atingido um conjunto mais alargado de membros da organização. O seu significado é clarificado, de modo a tornar-se utilizável e partilhado por todos. Pode haver necessidade de acções correctivas.

Finalmente a fase de rotinização, em que a inovação é incorporada no dia-a-dia organizacional, entra nos hábitos e rotinas, deixando de ser considerada uma inovação. Rogers (2003) explica que este processo não é necessariamente concomitante em todos os sectores ou para todos os membros da organização.

A actividade de implementação pressupõe a difusão da inovação, o que implica a realização de acções de marketing e distribuição do produto ou serviço inovador. Rogers (2003) chama a atenção para as dificuldades de implementação de muitas das inovações propostas, baseando o seu modelo nos três estádios de Kurt Lewin: descongelamento, mudança e recongelamento no novo estado. Salienta ainda a importância dos processos de comunicação e persuasão, dos apoiantes precoces e líderes de opinião.

Este modelo de inovação reflecte o paradigma dominante da organização racional. Embora Rogers (2003) não considere as cinco fases rigidamente encadeadas, o processo de inovação é visto como uma sucessão de fases planeadas e controladas. O posicionamento estratégico consiste na adaptação ao meio envolvente, no conhecimento do cliente e da organização de modo a responder às exigências ou antecipar necessidades ainda não satisfeitas. Este trabalho tem o mérito de ter chamado a atenção para o problema da resistência à mudança e propor acções para a ultrapassar.

Kanter (1983) rejeita a concepção de inovação como processo planeado e linear, dada a ambiguidade e incerteza de que se revestem os objectivos, os custos e o horizonte temporal respeitante à implementação. As fases do processo desenvolvem-se com avanços e recuos e

relevam de múltiplas influências e contributos internos e externos à organização, podendo ameaçar o poder instituído de determinados grupos e, assim, originar conflitos. No seu modelo, Kanter (1983) propõe que, após a fase de geração de ideias, seja constituída uma coligação com o poder necessário para levar a ideia à implementação. Na coligação são negociados os apoios políticos e o acesso a recursos.

Na fase de definição do projecto, o inovador procura relacionar-se com um elevado número de pessoas, desempenhando diversos papéis na própria ou noutras unidades orgânicas ou organizações. Salienta a importância da escuta activa para conhecer as ideias que circulam e recolher informação ou “plantar a semente”, ou seja, deixar cair uma ideia nova para ver se “germina”. A informação assim recolhida, constitui a base para a definição do projecto em termos técnicos e políticos, facilitando a construção da coligação. Pretende-se, deste modo, reunir apoio político interno e, consequentemente, garantir os recursos que permitam a realização do projecto.

A implementação da ideia implica o apoio e persistência de outro grupo de pessoas que constituem a equipa do projecto, habitualmente composta pelos subordinados. Ao líder compete reunir as pessoas, envolvê-las, ouvir as suas sugestões e opiniões, de modo a melhorar o projecto e solucionar os problemas que entretanto vão surgindo, motivá-las e conseguir a sua adesão, prometendo partilhar a recompensa final. O seu papel consiste ainda em garantir o apoio permanente, desmembrando ou afastando qualquer oposição que procure interferir no trabalho da equipa. Nesse sentido, o seu trabalho é essencialmente político, de negociação. Quando estiver em condições de ser divulgado, o projecto ganha o apoio de toda a organização. Um desenho organizacional integrativo é essencial para facilitar o contributo das pessoas. Assim, não devem ser propostos objectivos e regras racionais para controlar os comportamentos, mas antes promovida uma cultura partilhada, assente na confiança e decorrente da visão de líderes carismáticos. Esta perspectiva vem propor um modelo de

inovação como processo eminentemente social e político e chama a atenção para a importância da gestão de todo o processo.

Esta é também a perspectiva de Schroeder et al. (2000) quando afirmam a necessidade de considerar a inovação como um processo dinâmico que se desenvolve no tempo, de forma fluida, com avanços e recuos, imprevistos e surpresas, um processo que propicia numerosas aprendizagens por ensaio e erro e mistura ideias novas e ideias antigas, rotinas e processos anteriores. A ideia inicial dá geralmente origem a diferentes ideias paralelas que tendem a originar diversas actividades de desenvolvimento, levando à intervenção de múltiplos actores. Durante o processo de inovação é frequente assistir-se, em paralelo, à reestruturação da organização e dos processos de trabalho. Ao longo do processo a gestão de topo acompanha activamente, estando directamente envolvida no processo.

A perspectiva dos processos adaptativos complexos distancia-se das anteriores ao considerar que as transformações são fruto da amplificação de pequenas diferenças que vão ocorrendo na organização, emergindo das interacções entre as pessoas (Stacey, 2001; Fonseca, 1998, 2002). A organização é concebida como um sistema dinâmico de interacções entre várias entidades que se auto-organizam, formando um padrão globalmente estável, na ausência de qualquer plano. Emerge uma dinâmica particular quando as interacções assumem características específicas de diversidade e conectividade, que facilitam e, ao mesmo tempo dificultam, a interacção entre as identidades, formando um padrão de mudança paradoxal, estável e simultaneamente instável, chamado de “orla do caos”. É no limite do equilíbrio que as pequenas mudanças, que se registaram até então, podem originar uma mudança mais profunda no padrão global. A inovação, tal como a criatividade individual, emerge das interacções entre diferentes entidades que, ao amplificar pequenas diferenças, produzem a novidade. A natureza das interacções presentes no processo pode ser explicada a partir do pensamento de George Mead.

Para Mead, o acto social constitui a unidade de análise e é de cada acto produzido pelos diversos actores individuais em interacção que vai emergindo o significado relevante para as partes. O significado não pode ser localizado num ou outro actor, no gesto ou na resposta, mas na interacção. Para comunicar, os actores usam símbolos significantes que têm sentido para os interlocutores. Os símbolos são objectos sociais, de significado partilhado, definidos na interacção - uma bandeira, um gesto, o choro de uma criança. A linguagem capaz de explicar a realidade, constitui um tipo particular de símbolo e a perspectiva, um quadro de referência simbólico (Charon, 2001). Os símbolos emergem da interacção, fomentando o entendimento comum, donde emergem novos símbolos significantes que dão novo sentido à realidade social. A interacção humana tanto existe com o exterior, com os outros, como internamente com o “self”, ou seja, estabelece-se uma conversação privada ao mesmo tempo que se está envolvido na conversação pública com outras pessoas. Sendo a organização definida como a estabilização temporária de temas ou hábitos que organizam a experiência das pessoas em interacção numa dada situação, no momento presente, Fonseca (2002: 76) refere que as possibilidades de mudança emergem das conversações em torno dos temas recorrentes, amplificando pequenas variações. Assim, a inovação emerge das interacções sociais do dia a dia, sob a forma de reorganização das experiências e dos significados, ou seja, decorre da comunicação, da especulação e imaginação. Dessas conversações entre os diversos actores podem emergir temas diferentes que, sendo recorrentes, podem constituir um novo padrão, que será negociado até, eventualmente, integrar o repertório de significados organizacionais. A aceitação desses significados será ou não unânime, mas uma vez aceite na comunidade adquire uma dimensão instrumental com acções ou comportamentos associados. Se estas novas acções obtiverem o apoio dos detentores dos recursos, isto é, do poder, implementar-se-á a experiência ou a ideia. Havendo aceitação social, iniciar-se-á a sua produção nos gabinetes de investigação e desenvolvimento (I&D) ou nos departamentos

indicados à concretização e acompanhamento. Trata-se, pois, de um processo de auto- organização, em que coexistem as decisões planeadas e não planeadas, as acções previamente controladas ou inesperadas, sem heróis individuais (Fonseca, 2002) e cujo desfecho é desconhecido à partida.

Todos estes modelos têm em comum o facto de considerarem a inovação como um processo social, em que interagem múltiplos actores, e reconhecem as dificuldades relacionadas com a implementação de novos produtos, serviços ou processos nas organizações. A inovação não depende apenas da acção planeada e dos indivíduos, mas também da dinâmica das interacções que emergem num determinado contexto. O estudo da resistência à mudança assumiu assim particular importância, lado a lado com os factores facilitadores da inovação nas equipas de trabalho e nas organizações.