ESTUDOS EMPÍRICOS
5.3. Construção da Escala de Liderança Inovadora (ELI)
5.3.1. As Entrevistas para Elicitação dos Constructos Bipolares
5.3.1.1. Amostra e Procedimento
Para elicitação dos constructos relacionados com a liderança inovadora foram realizadas 24 entrevistas estruturadas, seguindo a metodologia de Georges Kelly, junto de pessoas pertencentes à população alvo. Cinco entrevistados eram pessoas consideradas inovadoras por colegas e as restantes dezanove trabalhavam em empresas consideradas inovadoras por responsáveis de associações empresariais que operam na área do turismo; nove trabalhavam num hotel em Vilamoura e os restantes dez num parque temático.
Efectuaram-se ainda vinte sete entrevistas colectivas com alunos, estudantes trabalhadores, dos 3º e 4º ano da Escola de Gestão Hotelaria e Turismo e da Escola Superior de Tecnologia, da Universidade do Algarve.
Na condução das entrevistas foi utilizado o método das grades de Kelly, pedindo aos sujeitos que explicitassem os elementos. Distribuiu-se a cada um dos entrevistados um conjunto de nove cartões, solicitando relativamente a cada um dos elementos (E):
E1 – Escreva num papel o nome de um chefe inovador com quem tenha trabalhado E2 – Idem E1
E3 – Idem E1
E4 – Escreva num papel o nome de um chefe não inovador com quem tenha trabalhado E5 – Idem
E6 – Idem
E7 – Escreva o nome do chefe com quem menos gostou de trabalhar E8 – Escreva “Eu como chefe”
E9 – Escreva “Chefe ideal”
Obteve-se, assim, um conjunto de sete nomes de pessoas com quem o entrevistado trabalhou, figuras reais que suscitam memórias de práticas reais. Note-se que nenhum dos inquiridos que participou no estudo colocou alguma dúvida relativamente à identificação dos chefes inovadores, tendo um único manifestado algumas dificuldades em recordar-se de nomes de chefias não inovadoras.
Na segunda parte da entrevista, o sujeito era instado a juntar os elementos formando tríades, por exemplo E1, E2 e E4, do seguinte modo: “refira o que é que os dois chefes inovadores fazem ou faziam de semelhante e que fosse oposto do chefe não inovador”. Recolheram-se, deste modo um conjunto de constructos bipolares – comportamentos
Quando o sujeito esgotava os constructos relacionados com os primeiros três elementos, pedia-se-lhe que formasse uma nova tríade, em que figurasse sempre um líder inovador. O entrevistado produzia assim mais um conjunto de constructos bipolares. Este procedimento continuava até que todos os elementos tivessem sido utilizados, incluindo o líder ideal, o LPC e “eu como líder”.
Todas as entrevistas foram realizadas nos meses de Outubro e Novembro de 2002.
5.3.1.2. Resultado das Entrevistas e Construção de uma Primeira Versão da Escala
Obteve-se um total de 283 constructos, dos quais se eliminaram de imediato os traços de personalidade e atributos pessoais. Mantiveram-se 145 constructos, cuja semelhança com a investigação de Caughan (2001) parece interessante, pelo que se anexa uma tabela comparativa de ambos os estudos (Apêndice A). Estes temas podem ser reagrupados em 4 grandes dimensões. Apresentam-se seguidamente alguns exemplos de constructos bipolares, em cada uma das categorias:
a. Empreendedorismo Empreendedor e dinâmico É firme e seguro nas decisões Tem capacidade de iniciativa
Compreende depressa as novas situações
Resolve os problemas de imediato. Não adia
Não é muito dinâmico Demonstra insegurança
Mostra estagnação, acomoda-se
Não consegue compreender situações novas
Adia a resolução, deixa acumular os problemas
b. Mudança e flexibilidade perante as regras Aproveita as oportunidades
Disponível para correr riscos
O que está estabelecido pode ser mudado
Experimenta novas maneiras de trabalhar
Não mostra medo mesmo que falhe
Não aproveita as oportunidades Não quer correr riscos
As coisas devem ser mantidas
As regras estão estabelecidas, devem ser cumpridas
Tem medo de perder, não arrisca
c. Valorização e apoio ao colaborador Dá valor ao trabalho das pessoas
Sabe elogiar quando merece
Quando repreende explica o porquê da repreensão
Assume a responsabilidade pelos erros
Menospreza o valor dos membros da equipa
Não sabe elogiar, só repreende
Repreende mas não explica porque é que está mal.
Em caso de erro responsabiliza o grupo
d. Sociabilidade e igualitarismo Com ele as pessoas não se sentem inibidas a colocar uma questão difícil Tem capacidade de comunicar, de convencer as pessoas
Para ele, cada ser humano tem uma posição importante na terra
Não quer marcas de estatuto
Com ele as pessoas sentem inferioridade ao colocar uma questão difícil
Confuso, não transmite o que quer com clareza
Para ele, a sigla Dr. ou Engº abre todas as portas e o estatuto é tudo
Necessita ser tratado conforme o seu estatuto
e. Direcção de equipa
Os resultados obtidos são sempre resultados da equipa
Envolve toda a equipa nos objectivos
Partilha a informação, porque enriquece o grupo
Compreende as dificuldades que a equipa possa ter
Estabelece objectivos importantes
Estabelece prioridades na distribuição do trabalho
Explica claramente o que deseja de cada colaborador
Os bons resultados são devidos ao seu próprio mérito
Não dá a conhecer aos colaboradores os objectivos
Não partilha a informação, pois pretende ter sempre trunfos na manga Não compreende a equipa, a equipa não o compreende a ele
Estabelece objectivos formais (burocráticos)
Pede tudo ao mesmo tempo
Não explica claramente o que pretende
f. Desenvolvimento das pessoas Consegue levar os colaboradores a assumirem os projectos como seus Sabe como conseguir o máximo das capacidades dos seus colaboradores
Tenta captar as pessoas de modo a que sintam que estão a trabalhar para elas Delega as tarefas
Sabe pedir opinião
Transmite o projecto, mas poucos se motivam
Apenas exige o cumprimento das tarefas sem se preocupar com os seus colaboradores
Não incentiva. As pessoas são pagas, logo não têm que protestar
Prefere fazer a explicar como se faz Nunca pede opinião
A análise de conteúdo realizada sobre os constructos obtidos pode considerar-se próxima do trabalho de Caughan (2001) que desenvolveu uma investigação com o objectivo
de estudar a liderança em unidades de cuidados primários do Reino Unido. Os temas podem também ser reagrupados em duas categorias, focalizando a relação e a direcção da equipa (relacionamento com os colaboradores, delegação de competências e desenvolvimento das suas capacidades, valorizando e apoiando o seu trabalho) e a tomada de decisão, que permite a mudança de procedimentos e flexibilidade perante as regras.
Verificou-se que as percepções da liderança inovadora se centram no chefe e na sua relação com os colaboradores, estando ausente qualquer referência ao cliente ou à qualidade do serviço prestado, bem como ao objectivo do trabalho e à tarefa. A inovação está associada a uma chefia empreendedora, aberta à mudança, que estabelece relações de qualidade e confiança com os colaboradores. Assim, o modelo emergente parece definir a liderança inovadora como um processo dinâmico emergente da interacção entre o chefe e os colaboradores, para o que contribuem as características individuais do chefe (empreendedor e capaz de tomar decisões; flexível perante as regras; sem receio de alterar ou experimentar novos procedimentos) e uma relação de qualidade e confiança com os colaboradores, que passa por uma relação mais igualitária e pelo desenvolvimento dos colaboradores.
Tendo em conta que o elevado número de constructos impossibilitava a administração de um questionário, foi pedido a seis peritos, conhecedores da hotelaria, que eliminassem itens menos pertinentes ou redundantes. A sua falta de disponibilidade, impossibilitou a realização de uma reunião, tendo-se aceite que trabalhassem individualmente. Foram eliminados os itens que não reuniam o consenso de, pelo menos, quatro peritos, preparando- se a primeira versão da escala, que se apresenta seguidamente.