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Criatividade e Inovação, Delimitação de Conceitos

REVISÃO DA LITERATURA

A INOVAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

1.1. Criatividade e Inovação, Delimitação de Conceitos

Os constructos de criatividade e inovação são muitas vezes utilizados indistintamente, embora sejam fundamentalmente diferentes, como referem West e Farr (1990), Rosenfeld e Servo (1990) e Sousa (2000). A criatividade tem sido analisada de diferentes pontos de vista, sendo de referir a abordagem dos 4Ps (De Cock, 1993) pelo consenso que recebe, que propõe

a análise da Pessoa criativa, Processo, Produto e Press, ou seja, a comercialização do produto criativo.

O estudo da criatividade centrou-se, inicialmente, na procura de explicações ao nível intra individual, sendo entendida, sucessivamente, como algo que contemplava apenas algumas pessoas, fosse a explicação um estado de graça, a sorte ou um traço de personalidade, que alguns possuíam e outros não. Nos anos cinquenta, os trabalhos de Guilford (1950) procuram distinguir as pessoas criativas, atribuindo-lhes traços designados por intelectuais, como o pensamento divergente, e de personalidade, como a curiosidade, autoconfiança, independência de julgamento, orientação estética, atracção pela complexidade e sensibilidade ao meio envolvente.

Na década seguinte, a concepção de criatividade modificou-se, sendo considerada uma competência que todos podem possuir e adquirir com formação adequada. Assim, os estudos relativos ao processo criativo deram origem ao desenvolvimento de técnicas mais ou menos mediáticas, como o pensamento lateral de De Bono (1989) ou o brainstorming de Osborn (1993) na génese do programa Creative Problem Solving (CPSI) de Sidney Parnes, por exemplo. O estudo do processo criativo veio mostrar que não se conseguem isolar processos de pensamento específicos do pensamento criativo (Weisberg, 1999). A divergência, durante muito tempo associada à criatividade, e a convergência (tida como o seu oposto) são hoje consideradas associadas e presentes no processo criativo, como tem vindo a demonstrar o método CPSI, de Osborn e Parnes, teorizado por Isaken e Treffinger (1985).

Numa abordagem pioneira, Amabile (1996) vem, a partir dos anos oitenta, propor um modelo de processo criativo que procura ter em consideração a influência combinada da personalidade, dos aspectos cognitivos e motivacionais e do contexto social, sobre as quatro fases do processo (identificação do problema, preparação, geração de respostas, validação das respostas e comunicação). Estes estudos influenciam a investigação que, a partir dos anos

noventa, tende a considerar a criatividade no seu contexto social e cultural. A importância de uma envolvente que apoie e premeie a criatividade tem sido salientada por vários autores como Amabile (1996), Sousa (2000) e Sternberg e Lubard (1999), citando apenas alguns que referem a importância do meio familiar, escolar e organizacional. A investigação em contexto organizacional tem-se centrado essencialmente na identificação do clima favorável à criatividade. Por exemplo, os trabalhos de Ekvall (1996) mostram a influência do clima nos processos de comunicação, resolução de problemas, tomada de decisão, na aprendizagem e motivação das pessoas e demonstram que, em climas mais favoráveis à criatividade, os trabalhadores assumem mais responsabilidades, têm mais liberdade, existe maior tolerância perante os erros e as ideias novas são incentivadas. Estas conclusões são, no entanto, contestadas por uma recente investigação de Sousa e Andrade (2006), que mostram que a tendência para a criatividade depende das diferenças individuais (idade, sexo, exercício de um cargo de chefia) e que as variáveis organizacionais (departamento e antiguidade) não influenciam tanto a percepção do clima.

Foi também estudada a influência da cultura, tendo, por exemplo, Lubart (1999) demonstrado a natureza diferente que o conceito de criatividade assume nas culturas ocidental (criatividade definida em termos da originalidade e do produto) e oriental (criatividade refere-se a uma verdade interior, expressa de uma nova maneira ou que fomenta o desenvolvimento pessoal).

Csikszentmihalyi (2001), vem propor um modelo sistémico que inclui factores individuais, culturais (o domínio ou área de conhecimento) e sociais (as normas e os responsáveis pela área de conhecimento), que influenciam o processo criativo e ajudam a constituir o resultado criativo. A criatividade é definida como o processo que só pode ser observado na interacção destes três elementos. Para que a criatividade seja possível devem ser transmitidos ao indivíduo um conjunto de normas existentes na área; o indivíduo produz

então uma variação nova no conteúdo que deve ser reconhecida e seleccionada pelos responsáveis da área e para ser integrada no domínio em questão.

O produto criativo foi igualmente objecto de estudo, como se pode inferir a partir das definições de Teresa Amabile e Morris Stein (1995). Com efeito, “um produto ou uma resposta é criativo na medida em que constituir, simultaneamente, uma novidade ou uma resposta útil ou de valor para a tarefa em curso, desde que ela seja heurística e não algorítmica.” (Amabile, 1996, p.35), e para Stein (1995) a criatividade consiste num “processo que resulta numa novidade que é aceite como útil, convincente ou satisfatória por um significativo grupo de pessoas num determinado período”. Ambas as definições remetem a avaliação de um produto como criativo para observadores externos – o público, peritos ou a sociedade através dos tempos – ou a própria pessoa que o produziu (Sousa, 2000).

Amabile (2001) comenta ainda a mudança ocorrida ao longo do tempo na avaliação do produto criativo. Se, inicialmente, apenas era considerado o produto associado a insights radicais, que apenas algumas pessoas podiam realizar, hoje, é dada importância à criatividade incremental, fruto de melhorias e adaptações criativas, que todos podem realizar. Esta distinção vem colocar a questão da criatividade com “C”, relacionada com as grandes criações, e a criatividade com “c”, presente na resolução de problemas quotidianos que Sousa (2000) analisa, considerando que

“se a criatividade com “C” constitui o motor do estudo dos processos destinados a desenvolvê-la nos indivíduos, a criatividade com “c” é o constructo a partir do qual toda a compreensão do fenómeno deve ser encarada, servindo como complemento da primeira, e podendo ser aplicada a outros níveis para além do individual: grupos, organizações e sociedades” (p. 135).

Sousa (1999, 2000), construindo a partir das definições de Stein, assente no reconhecimento da criatividade por um conjunto de pessoas que desempenham papéis

diferenciados (produtores, mediadores e de reconhecimento) e de Csikszentmihalyi (2001), que situa a criatividade na interacção entre o criador, a sociedade e os responsáveis da área de conhecimento, considera o constructo de criatividade como uma atribuição, não possuindo existência concreta. Refere ser necessário distinguir a criatividade enquanto processo de auto- atribuição, que ocorre entre o criador e o produto da criação, dos processos de hetero- avaliação por uma audiência (sejam peritos, responsáveis da área, críticos ou o público em geral) que avalia o produto ou o criador, determinando se se trata de algo de novo e benéfico. O autor salienta que a criatividade se situa no nível individual, no processo de comunicação que ocorre entre o criador e o seu produto, consubstanciada em processos cognitivos, motivacionais e emocionais. Como afirma King (1995) a criatividade pode não ter impacte deliberado nos outros e não necessita de um público para existir. A criatividade reside essencialmente no modo como organiza e integra o real na sua identidade e nos motivos individuais que levam o criador a querer fazer melhor ou a procurar a perfeição (Sousa, 1999, 2000).

Os resultados da procura interna são objecto de apreciação por uma audiência e, se a avaliação for de novidade e utilidade, considera Sousa que seria mais apropriado falar de inovação. Efectivamente, está-se no quadro da definição proposta por West e Farr (1990), em que a inovação é descrita como um processo eminentemente social que consiste na:

“Introdução e aplicação intencionais, no seio do papel, do grupo ou da organização, de ideias, processos, produtos ou procedimentos, novos para a unidade de adopção relevante, com o objectivo de beneficiar significativamente o indivíduo, o grupo, a organização ou a sociedade” (p. 9)

Em suma, a criatividade define-se como uma característica essencialmente humana, como refere Weisberg (1999), que poderá vir a ser explicada por uma teoria global do

pensamento humano, ainda a desenvolver, Na delimitação do conceito, considera-se a criatividade situada ao nível individual, consubstanciada em processos cognitivos, motivacionais e emocionais. A partir do momento em que existe apreciação, avaliação ou divulgação do produto criativo, está-se em presença da inovação. E, embora possa existir criatividade sem reconhecimento público, em contexto organizacional, ter ideias não basta, é necessário que tenham interesse prático e se materializem em novas soluções com valor. Enquanto a criatividade respeita à geração de ideias novas, a inovação consiste em transformar as ideias em dinheiro, como afirmam Rosenfeld e Servo (1990), que definem a inovação como sendo igual ao somatório da Concepção, Invenção e Exploração, em que a concepção diz respeito a uma ideia nova para o contexto em que será aplicada. A invenção é definida como a transformação da ideia em realidade e a exploração permite à organização lucrar com a invenção. Assim, a criatividade pode estar na origem de muitas inovações e, como salientam Woodman, Sawyer e Griffin (1993) e West (2002), é parte do processo de inovação.