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Inovação no Sector Industrial versus Inovação no Sector dos Serviços

REVISÃO DA LITERATURA

A INOVAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

1.3. Classificação das Inovações

1.3.4. Inovação no Sector Industrial versus Inovação no Sector dos Serviços

No sector industrial, as actividades caracterizam-se pela produção de bens tangíveis, separação temporal entre as fases de produção e de comercialização, o que possibilita a estandardização do processo de produção e a criação de stocks. A inovação pode estar a cargo de gabinetes de I&D, responsáveis pela construção de protótipos. O registo de patentes constitui, assim, um dos indicadores reconhecidos institucionalmente nas estatísticas sobre inovação, lado a lado com a qualificação dos cientistas, responsáveis pelas invenções.

Embora os serviços possam ser geradores de protótipos ou patentes, o seu reduzido número fez com que a importância da inovação tenha sido minimizada neste sector, como

reportou-se essencialmente à inovação nas empresas dependentes das tecnologias de informação, comunicação e do conhecimento. As restantes, pouco dependentes daqueles recursos, foram consideradas menos ou não inovadoras (Escauriaza et al., 2001). Contudo, como referem Sundbo e Gallouj (1998), a inovação nos serviços procede de pequenos ajustamentos, sendo produzidas num horizonte temporal geralmente curto, através de processos práticos que não necessitam de investigação científica. Trata-se essencialmente de inovação incremental, assente em processos de melhoria contínua.

A caracterização das empresas de serviços deve merecer alguma atenção para uma melhor compreensão do processo de inovação neste sector. Quatro características parecem reunir o consenso dos investigadores como, por exemplo, Cunha, (2001), Sirilli e Evangelista (1998), Vermeulen e Van der Aa (2003) ou Vieira (2000): a intangibilidade, a simultaneidade da produção e do consumo, a heterogeneidade e a perecibilidade.

A intangibilidade refere-se à ausência de uma transferência de propriedade, dado que a transacção se refere a uma experiência e não a um produto material. Por exemplo, uma informação, uma peça de teatro, uma refeição, uma viagem constituem produtos cujo grau de intangibilidade varia num continuum que permite diferenciar cada um dos serviços, sendo uma consulta numa agência de viagens mais intangível do que uma refeição. Por outro lado, a refeição, em si mesma, pode ser considerada tangível, mas a qualidade do atendimento ou a imagem do restaurante constituem a vertente intangível do serviço.

A simultaneidade da produção e do consumo diz respeito à necessidade da presença do consumidor, isto é, para que se processe a transacção, o fornecedor ou produtor do serviço e o consumidor devem interagir. Por exemplo, uma viagem só pode existir com a comparência do viajante e uma peça de teatro só será espectáculo com a presença de espectadores. Gustafsson e Johnson (2003) mostram que a relação com o cliente tem vindo a evoluir no sentido do constante aumento da qualidade e personalização do atendimento. Assim, passou-

se de uma estratégia focalizada na valorização do produto, nos anos setenta, em que a relação era analisada em termos de transacção com o cliente, para uma estratégia de valorização dos serviços, chamando-se a atenção para os momentos de verdade, consubstanciados pelos encontros com o cliente. Na década de noventa, procura-se o estabelecimento de relações com o cliente que valorizem soluções duradouras e permitam a fidelização, a passagem da palavra a amigos e conhecidos e, actualmente, procura-se fomentar no cliente uma experiência única através de um serviço mais integrado, conseguido pela associação das empresas em rede. Estas diversas fases não são exclusivas mas cumulativas, retratando o aumento de exigência dos intervenientes no processo.

Uma terceira característica, a heterogeneidade, indica que os serviços são de estandardização mais difícil do que os produtos manufacturados, o que impede a estabilidade e fomenta a diversidade da prestação resultante da interacção cliente-fornecedor. O serviço prestado por uma agência de viagens deve responder às solicitações e às necessidades do cliente. Mesmo o cliente que compre um pacote turístico pretende que a viagem tenha alguma flexibilidade de modo a satisfazer desejos ou necessidades mais individualizadas. As novas tecnologias de informação e comunicação vêm permitir o acesso directo e uma resposta mais flexível e personalizada.

A quarta característica referida é a perecibilidade que indica a impossibilidade de armazenar o serviço que necessita da participação activa do consumidor. A ausência do consumidor leva a que a produção se perca (por exemplo um lugar vazio num espectáculo ou num transporte). Também nos serviços prestados em regime de self-service como, por exemplo, num supermercado, restaurante ou bomba de gasolina, apenas existe transacção se o cliente se servir total ou parcialmente.

Para Vermeulen e Van der Aa (2003), se a perecebilidade e a heterogeneidade parecem não diferenciar particularmente os processos de inovação no sector dos serviços, o mesmo

não acontece com as duas primeiras características. A intangibilidade, ou seja, a imaterialidade do novo produto, aumenta a necessidade de interacção e comunicação entre as pessoas implicadas na inovação, sendo da mais elevada importância o desenvolvimento e partilha dos significados para um entendimento comum. A simultaneidade da produção e do consumo obriga a um maior envolvimento e entendimento entre os profissionais do front

office e do back office. Assim, como referem Escauriaza et al. (2001), entende-se que seja

saliente o papel determinante das pessoas na prestação dos serviços e se considere os recursos humanos um elemento-chave lado a lado com os aspectos organizacionais. Noutra investigação, Hull (2003), comparando o processo de inovação nos sectores industriais e dos serviços, conclui que as diferenças mais significativas ocorrem nos serviços mais dependentes da relação interpessoal e em que existe maior dificuldade de estandardização.

Sundbo e Gallouj (1998) classificam as actividades no sector dos serviços segundo duas dimensões: a dimensão trabalho intensivo versus tecnologia intensiva e a dimensão estandardização ou personalização que definem, nos quatro quadrantes, os diferentes tipos de serviços, como se pode ver na figura 1. Assim, no quadrante 1, das actividades estandardizadas e de trabalho intensivo, encontram-se, por exemplo, lojas franchisadas como as de fast food. No segundo quadrante, definido pelo trabalho intensivo e actividades personalizadas, situam-se serviços orientados para o conhecimento e focalizados na satisfação das necessidades do cliente, como por exemplo, hotéis de alta qualidade, hotéis de charme. Os serviços de transporte constituem um exemplo de actividades estandardizadas e de tecnologia intensiva, enquanto a produção de automóveis topo de gama é exemplo de uma actividade personalizada de tecnologia intensiva. Os serviços têm sido considerados como um sector utilizador de tecnologia, por oposição a sectores construtores ou inventores, podendo ser diferenciados face à tipologia de Anderson (1992) que distingue a inovação emergente (nova no grupo ou organização), importada (já utilizada pelos concorrentes) ou imposta (as

mudanças ambientais forçam o grupo a modificar os procedimentos e práticas de trabalho ou as mudanças de regulamentação repercutem-se nas exigências do cliente, por exemplo).

Figura 1 – Classificação dos serviços em torno das dimensões trabalho ou tecnologia

intensiva e estandardização/personalização, adapatado de Sundbo e Gallouj (1998: p.8)

Outros, como Hull e Tidd (2003) ou Jacob e Bravo (2001), procurando dar conta das características de um sector muito heterogéneo, distinguem as empresas de tecnologia intensiva das de conhecimento intensivo (Knowledge Intensive Business Services, como empresas consultoras). As primeiras agregam organizações que manifestam um esforço de investigação e desenvolvimento muito semelhante às empresas de produção industrial e de tecnologia intensiva (como os serviços financeiros ou seguradoras) que se caracterizam pela possibilidade de estandardizar o serviço, não sendo obrigatoriamente produzido na presença do cliente. As segundas, referem-se a empresas em que a relação interpessoal constitui a base da prestação do serviço que não é passível de estandardização. O turismo e, nomeadamente a

Trabalho Intensivo Tecnologia Intensiva Estandardizado Personalizado I Fast food II Hotéis de Qualidade III Transportes IV Automóvel topo de gama

hotelaria de qualidade, inserem-se nesta categoria pois, embora utilizem cada vez mais as tecnologias e sistemas de informação, é no contacto pessoal que o serviço existe.

Estes trabalhos assumem alguma importância tendo em conta que ajudam a precisar e objectivar o conceito de inovação e, por essa via, compreender uma realidade complexa e multidimensional.