• Nenhum resultado encontrado

O Interaccionismo Simbólico no Estudo da Liderança Inovadora

REVISÃO DA LITERATURA

A LIDERANÇA INOVADORA

2.3. A Liderança, um Processo de Grupo

2.3.3. O Interaccionismo Simbólico no Estudo da Liderança Inovadora

Nos últimos anos tem-se assistido à aplicação às ciências sociais dos pressupostos da teoria da complexidade e do caos, no sentido de suprir a dificuldade dos modelos anteriores em explicar a actividade humana num contexto de mudança. Destacam-se dois movimentos que se reclamam explicativos da dinâmica organizacional como um todo e do comportamento dos líderes. A primeira perspectiva assenta na teoria dos sistemas dinâmicos e explica os processos de mudança como resultantes da amplificação de pequenas alterações nos departamentos ou no meio envolvente da organização. Enquanto gestor do sistema holístico, o líder desempenha um papel que fomenta a descentralização em prol dos trabalhadores, para que possam lidar com informações e conhecimentos complexos e encontrar soluções inovadoras para os problemas com que se deparam. O líder é visto como multifacetado desempenhando papéis diferenciados, desenhando uma organização que aprende continuamente (Senge, 1990), assegurando a construção dos significados e a sua gestão (Wheatley, 1992; Weick, 2001).

Contudo, esta abordagem tem vindo a ser criticada por Ralph Stacey e seus colaboradores (Griffin, 2002, 2005; Fonseca; 2002; Stacey, 2001; Stacey, Griffin e Shaw, 2000) que pensam ser necessário elaborar uma teoria da actividade humana e, consequentemente, da gestão das organizações, que conceda ao ser humano a responsabilidade, autonomia e liberdade de acção. Propõem o modelo dos processos de resposta complexa que considera a organização como um conjunto de processos de interacção humana, resultando a actividade organizacional das inter-relações simultaneamente cooperativas ou consensuais e competitivas ou conflituais que ocorrem entre as pessoas. Ao interagir diariamente, as pessoas na organização lidam com a complexidade e a incerteza e, ao fazê-lo, vão construindo o presente e, conjuntamente, o futuro (Stacey, 2001).

A teoria dos processos de resposta complexa considera que as interacções podem ser entendidas enquanto actos de comunicação, poder e avaliação: é na interacção que as pessoas se constroem enquanto seres conscientes e auto-conscientes, capazes de cooperação e consenso e ao mesmo tempo de competição e conflito (Stacey 2001). A consciência, ou seja, o conhecimento e a mente, é um processo social resultante da capacidade de se colocar no lugar do outro e partilhar a linguagem. As pessoas têm também a capacidade de analisar, consciente ou inconscientemente, o modo como o grupo ou a sociedade pensa acerca do seu comportamento, o que constitui uma forma muito eficaz de controlo social. Nesse diálogo interior, que ocorre ao mesmo tempo que as pessoas interagem, forma-se a identidade e é construído o social. A comunicação não se pode resumir ao simples envio e recepção de mensagens, como mostraram Watzlawick, Beavin e Jackson (1979) pois, ao mesmo tempo que veicula informação, impõe um comportamento e estabelece o lugar de cada um dos interlocutores na relação. Assim, consiste num processo complexo, através do qual emergem os indivíduos, os significados e os padrões que definem o social.

Todo o processo de comunicação interpessoal implica uma relação de poder. As pessoas juntam-se em grupos e partilham sentimentos de pertença ou exclusão que definem a identidade social de cada um. Os indivíduos em interacção constrangem-se e capacitam-se mutuamente, vão definindo e negociando a inclusão no endogrupo ou exclusão para o exogrupo. A importância da inclusão, de ser considerado competente e capaz, e a evitação da ansiedade ou exclusão constituem aspectos emocionais intimamente associados ao processo. A pessoa é, assim, levada a conformar-se aos hábitos colectivos, ao mesmo tempo que contribui para a modificação dos hábitos do grupo (Stacey, 2003, Stacey e Griffin, 2005).

O modelo refere ainda que, concomitantemente aos processos de comunicação e às relações de poder, as pessoas fazem escolhas entre diversas acções possíveis. Essas escolhas (ou decisões), que evidenciam a natureza avaliativa do comportamento humano, podem ser conscientes ou não. Os critérios de avaliação podem referir-se a normas (definidas como temas em que a experiência de estar juntos é organizada em termos de obrigação e restrição) ou a valores (definidos como temas a que as pessoas se conformam voluntariamente e que integram um conteúdo ético) que em conjunto constituem a ideologia. O ser humano em interacção é visto como activo, interveniente e livre. Resultando a acção humana da interpretação da situação em cada momento, a teoria vem dar um lugar de destaque ao pensamento e ao papel desempenhado por cada um dos intervenientes na interacção no momento presente.

Os processos de resposta complexa na análise das relações interpessoais adoptam uma perspectiva interaccionista, tomando como referência o trabalho de George Mead. Assim, a dimensão temporal é integrada, considerando-se que os processos que ocorrem no momento presente, reconstroem iterativamente o passado, enquanto vão continuamente construindo o futuro. Na interacção as pessoas aprendem a responder às expectativas dos outros, tanto

quanto às suas próprias expectativas, num role playing privado que se desenrola concomitantemente à interacção social, criando o ego individual e colectivo.

No que concerne o estudo da liderança a efectiva mudança de paradigma consiste no facto do líder ser apenas um elemento do sistema em que está inserido, não lhe sendo dada a capacidade de “gerir” a cultura, os significados ou os conhecimentos que emergem, em cada momento, da interacção entre as pessoas. O sistema influencia as pessoas, que por seu turno, fazem funcionar o sistema. Neste processo de influência social são considerados todos os actores presentes na interacção (Stacey, 2003), os líderes e os seguidores e todos quantos interagem na organização.

O papel de líder é considerado um papel social emergente e iterativamente reconhecido à medida que as pessoas vão trabalhando em conjunto (Griffin, 2002). A interacção que se estabelece assenta em processos de comunicação e em relações de poder que forma e é formada pelas identidades individual ou pessoal / social ou colectiva. Assim, emerge uma diversidade de identidades, em que cada um reconhece e é reconhecido na sua diferença. O papel de líder constitui uma dessas diferenças, sendo construído e reconhecido por todos os actores da interacção. O líder é um produto do grupo e participa ele próprio na criação do mesmo grupo. O reconhecimento diz respeito aos temas emergentes da interacção e à capacidade do líder para articulá-los ou desconstruí-los quando se tornam demasiado repetitivos, ajudando o grupo na formulação de novos temas.

Ao interagir, as pessoas vão produzindo padrões de interacção que são simultaneamente conhecidos e desconhecidos. Quando se deparam com a incerteza, desenvolvem acções exploratórias, havendo então tendência para os membros de um grupo reconhecerem a pessoa capaz de dar sentido à experiência em curso (Stacey e Griffin, 2005). O líder não soluciona o problema sozinho, antes expressa o que está a acontecer e fomenta a acção dos outros. Está particularmente atento ao processo comunicativo que se desenrola no

grupo, notando as pequenas mudanças. Este processo implica uma aprendizagem contínua que ocorre no grupo durante as conversações com participantes competentes (Shiel, 2005) e, consequentemente, todos aprendem, líderes e liderados, e os outros actores organizacionais envolvidos na rede de interacções.

Ser líder está portanto directamente relacionado com a criatividade, e a inovação refere-se, não a ser alguém criativo ou inovador, mas sim a fomentar a criatividade e inovação do grupo, ou, como diz Basadur (2004) envolver os outros para que pensem de modo inovador, para o que deve aprender a interagir como um líder de processo.

O reconhecimento de alguém como líder parece estar associado à sua capacidade para se pôr no lugar do outro e adequar a articulação dos temas aos membros do grupo. Por outras palavras, o líder manifesta capacidade de empatia, sintonia e competência emocional (Griffin e Stacey, 2005). Stacey e os seus colaboradores estão próximos de Stryker e Statham (1985) que, associando a teoria do papel ao interaccionismo simbólico, explicitam o modo como a estrutura social integra o indivíduo em modelos organizados (ou padrões) de interacção. A pessoa incorpora os hábitos colectivos e, para ser aceite, actua de acordo com as expectativas dos outros, colocando-se no lugar do outro, imaginando o mundo ou a situação na perspectiva do seu interlocutor, num processo de role taking (Stryker e Statham, 1985). Procura então antecipar as consequências do seu próprio comportamento, num processo de role making.

O líder é reconhecido por, em dado momento e numa dada situação, se mostrar mais capaz de compreender as consequências das acções, revelando-se digno de ser seguido e imitado (Griffin, 2002). Sousa (1999, 2003) adianta algo mais ao aprofundar os processos de

role taking e role making. Efectivamente, numa organização, o líder no processo de role taking pode escolher como “outro significativo”: a) outros líderes ao mesmo nível da

hierarquia ou a níveis superiores, construindo o seu papel com base nas expectativas, atitudes e comportamentos percebidos como seus, ou b) os seguidores, tendo então que desenvolver

um esforço maior de imaginação para se colocar no lugar de pessoas mais diversas e cujo papel é, eventualmente, mais distante (Sousa, 1999, 2003). Estes últimos são considerados mais eficazes pois, ao longo da sua vida, desenvolveram maior capacidade para se colocar no lugar dos membros do grupo, melhorando as comunicações no endogrupo e com os exogrupos, como refere Griffin (2002).

A teoria dos constructos pessoais de Kelly permite compreender o processo através do qual as pessoas constroem a realidade. Independentemente de se realizar uma análise mais aprofundada, Kelly (1963) pode dar um contributo importante à compreensão dos processos cognitivo-emocionais presentes no processo de liderança. O autor refere que “Os processos de uma pessoa são psicologicamente canalizados pelo modo como antecipa os acontecimentos” (p.46).Assim põe a tónica na antecipação, na “capacidade criativa que cada ser vivo tem de representar o seu meio...” (p. 8). A estrutura de constructos pessoais corresponde ao modo como cada pessoa prevê os acontecimentos como sendo iguais e simultaneamente diferentes de outros (por exemplo, o branco define-se face ao preto ou ao não branco). No caso do líder a antecipação consiste em compreender as estruturas dos colaboradores e adequar a linguagem de modo a permitir a comunicação de qualidade. (Sousa; 2003).

Os constructos pessoais estão organizados num sistema hierarquizado, existindo constructos superordenados ou centrais, cuja mudança acarreta necessariamente consequências importantes para a pessoa; constructos intermédios, que asseguram a interacção entre os primeiros e os constructos subordinados ou periféricos. Ao procurar manter-se próximo dos seus subordinados, o líder esforça-se por colocar-se no lugar dos seguidores, entender e falar a sua linguagem, facilitando, assim, a comunicação. Na organização, uma chefia intermédia assume o importante papel de intérprete do discurso

estratégico, junto dos seus subordinados e junto do vértice estratégico de tradutor dos problemas que se colocam ao nível operacional.