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A manifestação do pensamento em período eleitoral: ADI 4451

4 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO BRASIL: OS JULGADOS DO STF

4.3 A manifestação do pensamento em período eleitoral: ADI 4451

Qual o limite da liberdade de expressão de jornalistas e humoristas durante o período eleitoral? Em agosto de 2010, o STF tratou da questão na Ação Direita de Inconstitucionalidade, nº 4451, com pedido de medida liminar, proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, ABERT473, entidade de classe de âmbito nacional, que congrega a categoria econômica dos radiodifusores de sons e imagens.

A ação pretendia impugnar o inciso II e parte do inciso III do artigo 45, da lei 9.504/97474. O artigo, em seu inciso II, determina: a partir de 1º de julho de ano de eleição é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: usar truncagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir programa com esse efeito. No inciso III: veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes.

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O conteúdo da Proposta de Emenda Parlamentar está disponível no site: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92006

473 A ABERT abrange emissora de rádio e de televisão, consideradas pela Constituição Federal como prestadoras dos

serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Possuía, em 2010, 1.822 associados em âmbito nacional distribuídas em todos os Estados e no Distrito Federal.

4.3.1 Os argumentos da inicial

A petição inicial apresentou os dispositivos como limitadores da liberdade de expressão e de imprensa, bem como do direito à informação dos eleitores. Enquanto o inciso II do artigo 45 constituía inaceitável censura legislativa prévia e restrição desproporcional ao exercício da crítica; o inciso III impunha postura acrítica.

Postulou-se a concessão de medida liminar justificando o periculum in mora pelo fato de as restrições seriam válidas a partir de primeiro de julho do ano da eleição e, assim, os efeitos dos dispositivos já estariam impedindo o “exercício, amplo e sem embaraços, da liberdade de expressão assegurada pela Constituição”:

Como se vê, a cada dia que passa, e na medida em que se aproxima a data do sufrágio, mais silenciosos e acríticos tornar-se-ão os veículos de comunicação, diante dos riscos de imposição de sanções às emissoras de rádio e televisão que descumprirem aquelas determinações. Cabe, neste ponto, salientar que o fato de a norma em questão encontrar-se em vigor desde a sua promulgação não afasta a urgência de que seja posto um fim a esta situação de grave afronta à Constituição475.

Os dispositivos legais coadunariam, portanto, com as determinações da Constituição Federal sobre as liberdades de expressão e imprensa e do direito a informação e geravam “efeito silenciador” sobre as emissoras de rádio e televisão fazendo com que estas evitassem divulgar de temas polêmicos para não serem acusadas de difundir opinião favorável ou contrária a determinado candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes. Os dispositivos inviabilizariam inclusive a veiculação de sátiras, charges, programas humorísticos envolvendo questões ou personagens políticos, durante o período eleitoral.

Além das liberdades fundamentais descritas no artigo 5ª da Constituição Federal, o artigo 220, da Comunicação Social, veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Portanto, ao criar restrições e embaraços a priori à liberdade de informação jornalística e à livre manifestação do pensamento e da criação, no âmbito das emissoras de rádio e televisão, a Lei Federal nº 9.504/1997 instituiria censura de natureza política e artística, de forma totalmente incompatível com a Constituição da República.

475 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4451. Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão,

Abert, vs. União, tribunal do pleno. Rel. ministro Carlos Ayres Britto. Brasília, DF, julgado em: 2 set. 2010, p. 25.

DJe-125. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjeto incidente=3938343>. Acesso em: 05 nov. 2012.

Os autores da ação asseguravam que a lisura do processo eleitoral, as liberdades de manifestação do pensamento, da atividade artística e de comunicação do pensamento, consistiriam garantias tão caras à democracia quanto o próprio sufrágio. Isto porque:

A ideia de um procedimento eleitoral justo não exclui, mas antes pressupõe a existência de um livre, aberto e robusto mercado de ideias e informações, só alcançável nas sociedades que asseguram, em sua plenitude, as liberdades de expressão e de imprensa, e o direito difuso da cidadania à informação... Ao criar restrições e embaraços à priori à liberdade de informação jornalística e à livre manifestação do pensamento e da criação, no âmbito das emissoras de radio e televisão instituem verdadeira censura de natureza política e artística476.

Ainda na petição, distingue-se a liberdade de expressão em duas concepções: a libertária ou substantiva e a democrática ou instrumental. A concepção libertária utiliza-se do conceito de Schreiber477, para quem a liberdade de expressão “é um bem em si, é um aspecto da autorrealização do homem, essencial ao pleno desenvolvimento de sua personalidade”. Seria, então, um desdobramento da própria dignidade da pessoa humana.

A perspectiva democrática surge como exercício do autogoverno e à consecução de outros objetivos importantes para a sociedade. A partir dela, chegar-se-ia mais próximo à verdade e para produção de boas políticas. A visão instrumental, portanto, compreende o compromisso com a liberdade de expressão fundando-se na premissa de que, ao longo do tempo, a liberdade produzirá resultados melhores para a sociedade que qualquer benefício alcançado por meio de sua supressão. “O melhor remédio para uma eventual patologia do discurso é uma dose ainda maior de liberdade discursiva” 478.

As dimensões substantivas e instrumentais da liberdade de expressão, além de não apresentarem antagonismos, convivem para buscar a realização dos ideais da liberdade e da democracia. A liberdade de expressão é não apenas um direito subjetivo, como também uma norma objetiva voltada para a construção de instituições livres de dimensão transindividual ao direito fundamental.

A interpretação do inciso II considera que estes meios de comunicação estariam impedidos de produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos envolvendo partidos, candidatos

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BRASIL. STF, 2010, p. 2.

477 SCHREIBER, Simone. Liberdade de Expressão: Justificativa Teórica e a Doutrina da Posição Preferencial

no Ordenamento Jurídico. In: BARROSO, Luís Roberto. (Org.). A reconstrução democrática do direito público

no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 229.

ou coligações, além de realizar crítica jornalística, favorável ou contrária a candidatos, partidos ou coligações.

Assim, o fato da televisão e do rádio serem considerados serviços públicos, por se tratarem de serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens, não apresentaria fator relevante para diferenciá-los a outros veículos de comunicação em relação às liberdades de expressão, imprensa e informação. Até porque o art. 220 aplica-se indistintamente a todos os meios, independente da forma, processo ou do veículo.

Para a ABERT, seria possível auferir a intenção do legislador em evitar que os meios de comunicação deformassem a formação da vontade do eleitorado, mas o “o dispositivo foi longe demais, sacrificando excessiva e ilegitimamente as liberdades de expressão artística, a liberdade de imprensa e o direito à informação” 479.

A restrição, portanto, seria desnecessária diante da existência de meios menos gravosos para se atingir a finalidade pretendida, como o direito de resposta nos casos de ofensa à honra, que ao invés de esvaziar a criação amplificá-lo-ia. Enquanto a criação humorística fomenta discussão sobre questões de interesse público e chamam atenção para crítica social. Na concepção dos autores da ação, os humoristas atraem o público para a atuação dos candidatos e tornam a campanha eleitoral mais “palatável” à grande parte da população.

Tão importante quanto garantir a liberdade de pensamento e expressão seria assegurar um procedimento eleitoral apto a legitimar as escolhas populares, por meio de um conjunto de regras do jogo justas. A deliberação política durante o período de sufrágio deve ser objeto de preocupações, num cenário em que o livre discurso precisa dialogar com o desafio da democracia representativa.

Nesse sentido, poderiam ser admitidas formas de regulação da liberdade de expressão em prol do aperfeiçoamento do processo público de debate sobre a escolha dos representantes do povo. Todavia, a referida regulação deveria integrar-se ao sistema constitucional da liberdade de expressão, que pressupõe a preservação, na maior medida possível, das garantias de livre manifestação individual, de funcionamento dos veículos de comunicação e fluxo de informações. Desta forma, proibir veiculação de cenas que “degradem” ou ridicularizem” estabeleceria uma restrição desproporcional a este tipo de manifestação artística. Lembrando que a norma

configura cerceamento a priori das liberdades, caracterizando uma censura legislativa prévia, em franca contradição com a Carta Magna.

Em relação ao inciso III, do art 45, da lei 9.504/1997, que proíbe a veiculação de propaganda política e difusão de opiniões favoráveis ou contrárias a candidato, partido, coligação, seus órgãos e representantes, a proibição de veiculação de propaganda política não foi objeto da ação, pois requer das emissoras e rádio e televisão o dever de imparcialidade. E, na qualidade de concessionários, os veículos têm o dever constitucional de fornecer toda sorte de notícias e informações à população sobre as disputas políticas, inclusive as críticas.

Mas parte do inciso mostrava-se desproporcional e excessivo na imposição de as emissoras deveriam ser imparciais não autorizaria que elas fossem silenciadas durante a disputa eleitoral nem obrigadas a adotar “uma postura acrítica em relação à política. Os advogados concluem que, num ambiente verdadeiramente democrático, os eleitores e atores envolvidos devem ter a oportunidade de manifestar livremente suas posições políticas, por qualquer veículo de comunicação social, criando-se rico e fértil ambiente para a deliberação, amadurecimento da cidadania e tomada das melhores decisões.

O Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido a inconstitucionalidade da vedação de divulgação de pesquisas eleitorais às vésperas do pleito por meio da ADIN nº 3741480 e o risco da consulta influenciar no eleitorado não era justificativa para restringir informação de interesse dos cidadãos. “Ressaltou-se a ideia de que a liberdade de informação é corolário da democracia, e por isso deve ser preservada”.

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Assim descreve a referida ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 11.300/2006 (MINIREFORMA ELEITORAL). ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16). INOCORRÊNCIA. MERO APERFEIÇOAMENTO DOS PROCEDIMENTOS ELEITORAIS. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL. PROIBIÇÃO DE

DIVULGAÇÃO DE PESQUISAS ELEITORAIS QUINZE DIAS ANTES DO PLEITO.

INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DO DIREITO À INFORMAÇÃO LIVRE E PLURAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO DIRETA. I - Inocorrência de rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral. II - Legislação que não introduz deformação de modo a afetar a normalidade das eleições. III - Dispositivos que não constituem fator de perturbação do pleito. IV - Inexistência de alteração motivada por propósito casuístico. V - Inaplicabilidade do postulado da anterioridade da lei eleitoral. VI - Direto à informação livre e plural como valor indissociável da ideia de democracia. VII - Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei introduzido pela Lei 11.300/2006 na Lei 9.504/1997” (STF, ADIN nº 3741, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2006).

Na época, o voto do ministro Ricardo Lewandowski reiterava que as restrições da Constituição diziam respeito ao anonimato, ao direito de resposta e à indenização por dano moral e material, à proteção à intimidade, honra e imagem da pessoa, ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e ao resguardo do sigilo da fonte, quando necessário. E conclui: a proibição de pesquisas contribuiria apenas para circulação de boatos.

O mesmo raciocínio seria aqui aplicável. Ao reconhecer a inconstitucionalidade no precedente citado, o STF entendeu que o zelo e o esforço de lisura do pleito eleitoral não é um fim que legitime a restrição excessiva à liberdade de imprensa. O desiderato do legislador de tentar assegurar um processo eleitoral absolutamente asséptico e imparcial, proibindo a divulgação de informações, foi considerado inconstitucional pelo STF. “Assim, o Tribunal reconheceu a prevalência da liberdade de expressão e de informação, conferindo-lhe posição privilegiada à vista de sua íntima ligação com a democracia – ratio que, em tudo e por tudo, se aplica à hipótese em exame481.