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3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

3.2 A opinião consultiva 5/85

A Corte analisou a compatibilidade entre o exercício da liberdade de expressão por parte dos jornalistas nos termos da Convenção Americana e o ordenamento interno que possa dispor a respeito da filiação obrigatória como condição para a atuação profissional. A questão foi levada para a consultoria da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Governo da Costa Rica e se transformou na opinião consultiva 5 (OC-5), o primeiro pronunciamento acerca do direito à liberdade de expressão no Sistema Interamericano.

Neste parecer, entendeu-se que toda transgressão ao artigo 13 implica na supressão radical da liberdade de expressão por meio de censura prévia, proibição ou sequestro de publicações e qualquer tipo de controle governamental; circunstâncias em que o poder público estabelece meios para impedir a livre circulação de informação, ideias, opiniões ou notícias.

Exigir filiação seria então uma violação radical tanto para o direito de cada pessoa se expressar como o direito de todos de estarem bem informados, afetando diretamente as condições de uma sociedade democrática. Todo ato do poder público que impeça a restrição ao direito de buscar, receber ou difundir informações e ideias, na maior medida ou por meios distintos dos autorizados pela Convenção Americana de Direitos Humanos, seria também contraditório ao que ela determina 318.

317 RAMOS, 2001, p. 342.

318 CORTE IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinión Consultiva OC-5/85 de 13 nov. 1985. p. 55.

O licenciamento obrigatório, amplamente conhecida no caso de diversas profissões, pode contribuir para o desenvolvimento destas e o bem do serviço ao público desde o duplo ângulo ético e profissional. Sem embargo, quando se trata do exercício do jornalismo a restrição profissional gera um limite a liberdade de expressão que não e

compatível com a Convenção Americana, pondo-se esta liberdade nas mãos de um grupo reduzido de pessoas, com exclusão de outras.319

Para a Corte, a organização das profissões em geral e os sindicatos profissionais não contrariam a Convenção pelo fato de constituir meio de regulação e controle da fé pública e a ética através da atuação dos sindicatos. Contudo, o conceito de ordem pública reclama que, dentro de uma sociedade democrática, garantam-se as maiores possibilidades de circulação de notícias assim como o mais amplo acesso a informação por parte da sociedade. Por isto, razões de ordem pública válidas para justificar o licenciamento obrigatório de outras profissões não podem ser invocadas no caso do jornalismo pelo fato de limitá-la de modo permanente.

Na consulta, a Corte alerta: um sistema de controle ao direito a liberdade de expressão em nome de uma suposta garantia de correção e veracidade da informação que a sociedade recebe pode ser fonte de grandes abusos e violar o direito a informação que tem esta sociedade. “A liberdade de expressão se insere na ordem pública primária e radical da democracia, que não é concebível sem o debate livre e sem que a dissidência tenha direito de manifestar-se”.320

Dentro deste contexto, a Corte considera o jornalismo como manifestação primária e principal da liberdade de expressão e do pensamento. A profissão de jornalista está ligada ao direito de buscar, receber e difundir ideias de toda índole, atribuições que não se aplicam ao exercício de outras profissões, como direito ou medicina. Por isto, não se pode conceber a imposição de capacitação adquirida em uma universidade ou por quem está inscrito num sindicato para prestar este tipo de serviço ao público. Isto vincularia a liberdade de expressão, inerente a todo ser humano.

Ao participar como amicus curie321 da consulta, a Federação Latino-Americana de

Jornalistas afirmou que algumas constituições latino-americanas não consideram a sindicalização das profissões como prejudicial à liberdade de expressão. Sustentou ainda a afiliação obrigatória como contributo para a utilidade coletiva vinculada com a ética e responsabilidade profissionais,

319 RAMIREZ, Sergio Garcia; ALEJANDRA, Gonza. La liberdad de expresion en la juriprudencia de la Corte

Interamericana de Derechos Humanos. Costa Rica: Comision de Derechos Humanos, 2007. p. 26.

320 CORTE IDH. La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinión Consultiva OC-5/85 de 13 nov. 1985. p. 20. 321 Amicus Curie define-se como um instituto que viabiliza a participação de interessados afetados pelas decisões e

visto que o público requer o trabalho de um profissional não somente capacitado, mas obrigado em sua responsabilidade e ética profissionais com a sociedade. Para a Federação, o sindicato é um meio para garantir a independência dos jornalistas face aos empregadores.

A liberdade de expressão também pode ser afetada com a existência de monopólios ou oligopólios na propriedade dos meios de comunicação. Conforme analisa André Ramos, nem a informação deve ser centralizada impedindo a circulação de ideias e opiniões nem as pessoas podem ser impedidas de manifestar seu pensamento, de ver bloqueadas as possibilidades de receber informações.

Assim, não é lícito invocar o direito de a sociedade estar informada corretamente para fundamentar um regime de censura prévia de informações supostamente falsas; da mesma forma, não é admissível a difusão de informações ou ideias a partir de monopólios públicos ou privados de meios de comunicação, fornecedores de informações segundo um único ponto de vista.322

A Opinião Consultiva descreve o direito à liberdade de expressão como uma pedra angular para a existência de uma sociedade democrática e uma condição para que a comunidade, na hora de exercer suas opções, esteja suficientemente informada. Nesta consulta surgiu uma concepção repetida em quase todos os outros julgamentos relacionados ao referido direito: “Uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre”323.

A Corte declarou: nem consequências de razões de ordem pública são válidas para justificar a filiação obrigatória, especialmente no caso do jornalismo, pois prejudica a faculdade reconhecida a todo ser humano pela Convenção Americana de Direitos Humanos de ser livre para se expressar e infringe princípios primários de ordem pública democrática fundamentada em si. Ao interpretar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos e ao demarcar a extensão da eficácia das normas nele previstas, o tribunal considera que o documento reclama a máxima possibilidade de informação e o seu pleno.

Mesmo diante de tamanha importância, é possível haver restrições aos meios de comunicação. Porém, a perquirição destes limites deve acontecer de forma criteriosa para evitar a criação de um sistema de controle do direito de expressão que, em nome de uma “suposta” garantia de correção e verdade de informação recebida pela sociedade, pode ser fonte de grandes absurdos e violar o direito à informação.

322 RAMOS, 2001, p, 286.

As restrições à liberdade devem ser necessárias para assegurar fins legítimos. Não basta apenas comprovar-se sua utilidade, as limitações precisam ser essenciais e demandam que se demonstre não ser possível alcançá-la por outro meio menos restritivo. Mas, diante de excessos, pode ser apropriado ao Estado delegar, por lei, autoridade para aplicar sanções por infrações e responsabilidade ética profissionais.

A Corte decidiu, então, na Opinião Consultiva OC-5/85 pela não obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista, sob o argumento de que as teses utilizadas para fundamentar filiação obrigatória não são suficientes para justificá-la, tendo em vista ser o jornalismo a manifestação primária e principal da liberdade de expressão e do pensamento.

Exigir conhecimentos especiais para garantir a veracidade das informações contrariaria a efetivação do direito à comunicação. Assim, a análise da Corte tornou-se base conceitual, contribuindo para estabelecer as bases do entendimento do direito à liberdade de expressão e tornando-se um padrão de proteção a tal direito.