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3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

3.3 A Jurisprudência da Corte Interamericana

3.3.11 Sobre a injúria contra instituições

O caso Francisco Ursón Ramirez vs. Venezuela, tratou de um general de brigada das Forças Armadas da Venezuela que, em 2002, ocupou o cargo de Ministro da Fazenda, até renunciar depois de desentendimentos com os membros do alto comando militar. Dois anos depois, participou o programa “A Entrevista” e discutiu o uso de lança-chamas como meio de castigo contra soldados no Forte Mara, local onde ocorreu um incêndio.

Apresentado como oficial de engenharia, ele explicou como funcionava as lanças-chamas e os procedimentos utilizados pelas Forças Armadas. Por causa das declarações, Ursón Rodriguez

390 O artigo 5º ainda determina: “É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada,

foi julgado e condenado a cinco anos e seis meses de prisão pelo delito de injúria contra a Força Armada Nacional, conforme estabelecido no artigo 505, do Código Orgânico da Justiça Militar, segundo o qual “incorre em pena de três a oito anos de prisão quem de alguma forma injuria, ofende ou menospreze as forças armadas nacionais ou alguma de suas unidades” 391.

Em seu julgamento, a Corte analisa que, conforme o artigo 1.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, os direitos reconhecidos pelo instrumento correspondem a pessoas, seres humanos, e não a instituições como as Forças Armadas. “O direito e proteção a honra e dignidade, reconhecido no artigo 11 da Convenção implica limites as ingerência dos particulares e do Estado. Por isto, é legítimo que quem se considera afetado por sua honra recorra aos meios judiciais que o Estado disponha à sua proteção”392.

Conforme já tratado, o direito a liberdade de expressão pode estar sujeito a restrições, em particular quando intervém em outros direitos garantidos pela Convenção. A Corte tem precisado condições por parte dos Estados para restringir ou limitar o direito mediante uma excepcional determinação de responsabilização posterior e esta limitação deve ser justificada como estritamente necessária.

Durante o processo, a Comissão alegou que o artigo 505 do Código Orgânico da Justiça Militar tinha uma amplitude tal que qualquer expressão de um pensamento crítico sobre as Forças Armadas poderia ofender a qualquer de seus membros e dar lugar a uma sentença de até oito anos de prisão.

O Estado da Venezuela393 enfatizou: Ursón Ramires foi punido por fato tipificado e sancionado por uma lei da república que cumpriu todo procedimento ditado pela Constituição da República da Venezuela. Para a Corte, as limitações à liberdade devem estar previstas em lei, tanto no sentido formal quanto material. Se a restrição provém do direito penal, é preciso então observar os requerimentos característicos da tipificação penal a fim de satisfazer o princípio da legalidade.

No que se refere às normas penais, este Tribunal tem estabelecido, por meio de sua jurisprudência, que estas também devem estabelecer claramente e sem ambiguidade, quais são as condutas delitivas típicas e no campo especial militar e o comportamento ilegal deve ser determinado através da descrição da lesão ou entrada em perigo de bens jurídicos militares severamente atacados para justificar o exercício do poder militar punitivo e a sanção adequada394.

391 CORTE IDH. Caso Ursón Ramirez vs. Venezuela. Sentença de 20 nov. 2009. p. 12. 392 Ibid., p. 14.

393 Ibid., p. 15. 394 Ibid., p. 16.

A ambiguidade na formulação desse delito poderia abrir um campo à discricionariedade da autoridade, particularmente indesejável quando se tenta estabelecer a responsabilidade penal das pessoas e punir as condutas com sanções que afetam um direito fundamental como a liberdade.

Para a Comissão, Ursón Ramirez foi responsabilizado de forma ilegítima, tendo em vista que o direito à honra protege qualquer qualquer pessoa, mas não pessoas jurídicas. O Estado da Venezuela, por sua vez, considerou a responsabilização legítima por salvaguardar a segurança nacional.

Mesmo diante deste duelo de argumentos, a Corte julga que o direito à honra e a reputação das Forças Armadas não estão protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos.Aqui não se pretendeu delimitar se as Forças Armadas têm ou não um direito à reputação, mas se analisa o fato de ser legítimo para efeitos de restringir o direito à liberdade de expressão que a Convenção reconhece ao senhor Ramirez.

No julgamento, relembrou-se o fato de a Corte Européia de Direitos Humanos395 ter ampliado a proteção de direito à reputação também para companhias como um fim legítimo de restringir o direito a liberdade de expressão. Porém, em relação ao processo de Urson Ramirez, embora o instrumento penal pudesse ser ideal para restringir o exercício abusivo e salvaguardar um bem jurídico a ser protegido, não significaria que ele seja necessário e proporcional em todos os casos.

Para a Comissão, “as sanções penais e sua gravidade nunca poderiam se utilizadas como recurso para sufocar o debate público sobre questões de interesse geral e para limitar a crítica dos funcionários no exercício de suas funções, ao Estado e suas intituições” 396. Numa sociedade democrática, portanto, o poder punitivo deveria ser exercido numa medida estritamente necessária para proteger bens jurídicos fundamentais dos ataques mais gravosos para evitar o exercício do poder punitivo do Estado. A Venezuela contra-argumentou alegando se tratar de uma opinião emitida por um membro da Força Armada Nacional, o que imprime maior gravidade e menosprezo à instituição, podendo desonrá-la e desacreditá-la.

Por sua vez, a Corte observou: o “direito penal é a mais restritiva e severa imposição de responsabilidade pela conduta ilícita” particularmente por impor penas restritivas de liberdade.

395 A questão foi tratada nos casos Steel and Morris vs. United Kingdom e Kulus and Tózycki v. Poland. 396 CORTE IDH, 2009, p. 19.

Assim, o uso da via penal deve responder ao princípio da intervenção mínima, por causa da natureza do direito penal como última proporção. Na sociedade democrática o poder punitivo só pode ser exercido na medida necessária para proteger bens jurídicos fundamentais dos ataques mais graves.

A necessidade de usar processo penal para impor mais reponsabildades ao direito à liberdade de expressão deve ser cuidadosamente analisada e vai depender das especificidades de cada caso. Para fazer isso, deve-se considerar o bem que se destina a proteger, a extrema gravidade da conduta do emissor, o dolo com que autou, as características do dano injusto causado, as características da pessoa cuja honra ou reputação se pretende salvaguardar, os meios pelos quais se pretendia causar danos e outras informações que mostra a necessidade absoluta de usar, de forma excepcional, medidas penais397.

Sobre a questão, o Tribunal venezelano julgou Urson Ramirez por ter emitido uma opinião inverídica. Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a opinião não pode ser objeto de sanção, ainda mais quando está condicionada à comprovação dos fatos sobre os quais se baseia. Assim, a Corte IDH conclui que o Estado da Venezuela violou o princípio da legalidade e o direito de liberdade de expressão.