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3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

3.3 A Jurisprudência da Corte Interamericana

3.3.10 Pelo direito de saber

Em 19 de fevereiro de 1982, vinte e dois familiares de vinte e cinco desaparecidos da Guerrilha do Araguaia iniciaram uma ação civil para esclarecer as circunstâncias dos desaparecidos forçados, localizar os restos mortais e ter acesso a documentos oficiais sobre operações militares. O caso se refere à detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas como resultado de operações do exército brasileiro.

A jurisprudência desse julgamento destacou a existência de um consenso regional sobre a importância do acesso a informações públicas, determinação prevista não só na Convenção Americana, mas em outros instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Na sentença, a Corte acrescentou sobre o artigo 13:

Esse artigo ampara o direito de toda pessoa de solicitar o acesso à informação sob o controle do Estado de fornecê-la, de maneira que uma pessoa possa ter acesso e conhecer essa informação ou receber uma resposta fundamentada quando, por algum

379 Na sentença, a Corte considerou que o Estado violou o direito a liberdade de expressão por atos de censura prévia

e por restrições ao exercício de direitos impostos e não cumpriu a obrigação de respeitar e garantir os direitos e liberdades.

motivo permitido pela Convenção, o Estado possa limitar o acesso à ela para o caso concreto381.

A informação deve ser fornecida sem necessidade de comprovação do interesse direto para sua obtenção, salvo no caso de legítima restrição. A questão foi objeto de resoluções emitidas pela Assembleia da OEA382 com o intuito de solicitar aos países não apenas respeitem, mas também que façam respeitar o acesso a todas as pessoas a informações públicas e promover ações legislativas para assegurar aplicação efetiva.

A Assembleia considerou o acesso à informação pública requisito indispensável para o funcionamento da democracia e para uma maior transparência na gestão pública383. No sistema democrático representativo e participativo, a cidadania se exerce por meio de ampla liberdade de expressão e livre acesso a informações.

O Tribunal ainda reconheceu o direito de conhecer a verdade a toda pessoa, inclusive familiares das vítimas de graves violações de direitos humanos. Por conseguinte, familiares devem ser informados de todo o ocorrido com relação a estas violações. O direito de conhecer a verdade também foi reconhecido em diversos instrumentos das Nações Unidas384 e pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos385.

No caso em estudo, a Comissão e os representantes dos familiares alegaram a incompatibilidade do direito interno e a Convenção Americana em relação ao direito à informação. Porém a Corte não considerou necessário realizar uma análise da normativa existente no Brasil.

O governo brasileiro informou sobre um projeto de lei nº 5.228/09 o qual reformaria o marco normativo regulamentador deste direito estabelecendo não ser possível negar o acesso à

381 CORTE IDH. Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Sentença de 24 nov. 2010. p. 73.

382 Para mais informações, recomenda-se a leitura dos documentos de Assembléia Geral da OEA sobre “Acesso à

Informação Pública: Fortalecimento da Democracia”.

383

CORTE IDH, Op. cit., p. 76.

384 No julgado, a Corte relembra que a antiga Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, no Conjunto de

Princípios atualizados para proteção e promoção dos direitos humanos mediante a luta contra impunidade estabeleceu que os povos têm direito a conhecer os acontecimentos sucedidos no passado em relação à perpetração de crimes aberrantes; que o Estado deve preservar arquivos e outras provas relativas a violações de direitos humanos e que incumbe aos Estados adotar medidas adequadas para garantir o funcionamento independente e eficaz do poder judicial, para fazer efetivo o direito a saber.

385 Segundo a sentença, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos há tempos catalogou a prática

dos desaparecimentos forçados ou involuntários de pessoas como crime contra a humanidade, que viola direitos fundamentais da pessoa humana, como a liberdade e a integridade pessoal, o direito à devida proteção judicial e ao devido processo, e inclusive o direito à vida.

informação necessária à tutela judicial ou administrativa dos direito fundamentais. A Corte valorizou a iniciativa e acrescentou:

O Tribunal considera que os Estados, para garantir adequadamente o direito de buscar e receber informação pública sob seu controle, devem adotar as medidas necessárias, entre outras, a aprovação de legislação cujo conteúdo seja compatível com o artigo 13 da Convenção Americana e com a jurisprudência deste Tribunal. Igualmente, esse direito supõe a obrigação do Estado de incorporar ao seu ordenamento jurídico um recurso efetivo e idôneo, que possa ser exercido pelos cidadãos para resolver eventuais controvérsias386.

Mesmo diante da importância de ter acesso à informação, este também não é um direito absoluto. Porém, as restrições devem estar previamente fixadas em lei não só no sentido formal, mas também material, de forma que a sua negativa não fique no arbítrio do poder público. Os limites ao acesso a informação justificam-se para assegurar o respeito a direitos, como a reputação de outros; proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas, conforme também determina o artigo 13.

A legislação e a gestão estatal devem, portanto, ser regidas pelo princípio da boa-fé e máxima divulgação, “de modo que toda informação em poder do Estado se presuma pública e acessível, submetida a um regime limitado de exceções387”. Desta forma, a negação da informação demanda motivação e fundamentação, correspondendo ao Estado o ônus da prova referente à impossibilidade de revelar a informação. “Ante a dúvida ou vazio legal, deve prevalecer o direito de acesso à informação388”.

A Corte recorda a determinação dada às autoridades para não se amparar em mecanismos como segredo de Estado ou confidencialidade da informação, em casos de violação de direitos humanos. Cabe ao Estado ainda garantir um recurso judicial simples, rápido e efetivo capaz de determinar se houve violação ao direito à informação e ordenar ao órgão correspondente a entrega da mesma.

Em voto, o juiz Roberto Figueiredo Caldas389 lembra que, enquanto aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle da constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema trata de direitos humanos. Para o

386 CORTE IDH, 2010, p. 85. 387 CORTE IDH, loc. cit. 388 CORTE IDH, loc. cit. 389 Ibid., p. 160.

juiz, a Convenção Americana busca aperfeiçoar os direitos internos dos Estados para incentivar a proteção dos direitos, podendo, inclusive, acarretar a revisão ou revogação de leis nacionais.

Após a condenação, o debate ganhou novos contornos no Brasil com a aprovação da Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, para regular o acesso a informações previsto em outras leis e na Constituição Federal. Os órgãos públicos dos três poderes dos três níveis de governo e entidades controladas direita ou indiretamente por União, Estados, Distrito Federal e Municípios passam a ter o dever de divulgar informações de interesse público, independente de solicitações e fomentar a transparência da Administração Pública para o desenvolvimento do controle social.

Dentre as diretrizes previstas no artigo 3º, da Lei n. 12.527/2011390, estão: observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, independente de solicitações; utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública e desenvolvimento e controle social desta.

Assim, todos os órgãos e entidades públicas devem implantar serviços de informação ao cidadão, gratuitamente, cujo serviço deve funcionar em local com condições apropriadas para atender e orientar a quem solicita qualquer dado, informar sobre a tramitação de documentos e protocolizar os requerimentos de acesso às informações. Para solicitar o acesso a informações ou documentos públicos, o cidadão precisará apenas se identificar e especificar a informação requerida, sem necessidade de justificar o pedido.