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I NTRODUÇÃO G ERAL AOS M ICROSPORIDIA

DE DIAGNÓSTICO

8.2. A MICROSPORIDIOSE NOUTROS ANIMAIS

As microsporidioses já foram reportadas em diversas espécies de mamíferos domésticos e silváticos e com menor frequência, em aves, anfíbios e répteis.

O interesse, por estes parasitas, aumentou com o número crescente de casos documentados de microsporidiose em humanos e noutros animais. Uma das razões apontadas para o gradual interesse em estudos envolvendo diversos grupos de animais, prende-se, com o facto de os animais poderem constituir fonte de infecção para o Homem.

8.2.1.Mamíferos

A maioria das infecções por microsporídios, descrita em mamíferos, foi identificada, particularmente em gado doméstico, animais de companhia e, nalguns grupos de animais silváticos.

As quatro principais espécies de microsporidia responsáveis pelo maior número de casos de infecção no homem, foram descritas em mamíferos. E. cuniculi, é o agente mais frequentemente detectado em mamíferos [Snowden & Shadduck 1999]. Foi a primeira espécie a ser descrita no cérebro e rim de coelhos, que apresentavam tremores, letargia, assim como parastesias localizadas ou generalizadas [Wright & Craighead 1922]. A encephalitozoonose por E. cuniculi é frequente em coelhos, animais de companhia e de laboratório. Habitualmente, ocorrem infecções crónicas que podem persistir durante anos, sem sintomatologia. Todavia, podem desenvolver doença neurológica grave [Mathis et al. 2005]. No passado, foram descritas elevadas prevalências de encephalitozoonose em colónias de coelhos de laboratório [Canning & Lom 1986; Wasson & Peper 2000]. Em coelhos, mantidos como animais de companhia, a doença é endémica. Na Suíça e no Reino Unido foram detectados anticorpos contra E.

cuniculi em 7,5% (n=292) e em 23% (n=26) de coelhos saudáveis, respectivamente e

em 85% (n=72) e 71% (n=65) de coelhos com sintomas neurológicos ou com exposição com animais sintomáticos, respectivamente [Deplazes et al. 1996b; Harcourt-Brown & Holloway 2003; Mathis et al. 2005].

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A transmissão horizontal, através da ingestão de esporos, é considerada a via de infecção mais frequente nos coelhos, embora a transmissão transplancentária também se encontre documentada [Canning & Lom 1986; Baneux & Pognan 2003] . Após infecção experimental, por via oral, de coelhos, observou-se a excrecção regular de esporos na urina, em particular entre o trigésimo oitavo e o sexagésimo terceiro dias pós-infecção [Cox et al. 1979; Mathis et al. 2005]. Verificou-se que, nove de 11 coelhos com sintomatologia, analisados, excretavam esporos na urina, sugerindo um papel importante destes animais, no contexto epidemiológico da infecção [Cox & Walden 1972; Mathis et al. 2005].

Os coelhos silváticos (Oryctolagus cuniculus) foram apontados como hospedeiros naturais de E. cuniculi , com base em evidências serológicas [Wilson 1979; Mathis et al. 2005]. Outros dois estudos, registaram seroprevalências de 3,9% em coelhos silváticos em França [Chalupsky et al. 1990; Mathis et al. 2005] e 25% numa população silvática de coelhos na Austrália [Thomas et al. 1997].

Até alguns anos atrás, a espécie E. cuniculi era descrita, como sendo parasita comum, de roedores em laboratório, tais como ratinhos, ratos, hamsters e porquinhos- da-índia [Canning & Lom 1986; Wasson & Peper 2000]. Actualmente, com a implementação de regras de higiene adequadas ao manuseamento e manutenção destes animais, a infecção por este microsporídio deixou de ser considerada um problema relevante. Por outro lado, e mais recentemente, o modelo roedor parece revelar-se uma metodologia promissora quando aplicada aos estudos imunológicos, no contexto da microsporidiose [Didier 2000].

Estão descritos, alguns estudos da infecção por E. cuniculi em ratos silváticos, no Japão, no Reino Unido [Canning & Lom 1986] e Suíça (E. cuniculi estirpe II) [Muller-Doblies et al. 2002]. Acresce, os anticorpos contra este microsporídio, detectados em 4% de Apodemus sylvaticus e em 9% de Mus musculus na Islândia [Hersteinsson et al. 1993]. Os autores deste estudo apontaram estes animais como potenciais reservatórios de E. cuniculi, com relevância na infecção de raposas do ártico e de visons. A identificação de E. cuniculi estirpe II, em todas as raposas, oriundas de diferentes quintas, na Noruega e Filândia [Mathis et al. 1996; Akerstedt et al. 2002], veio reforçar esta hipótese.

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Em canídeos, a encefalitozoonose pode ser sintomática ou assintomática. O quadro clínico parece desenvolver-se apenas, nos casos em que há transmissão transplacentária, ou em cães adultos imunodeprimidos [Hollister et al. 1989]. As manifestações nervosas e de insuficiência renal, são as mais comuns [Botha et al. 1979; Stewart et al. 1979; Mathis et al. 2005]. Casos de encefalitozoonose, por E. cuniculi estirpe III, em cães domésticos, foram reportados na Tânzania, África do Sul e EUA [Shadduck et al. 1978; Botha et al. 1979; Canning & Lom 1986; Snowden et al. 1999]. Estão descritas infecções por E. cuniculi, em gatos domésticos [Canning & Lom 1986; Lobo et al. 2003]. Em crias de raposas, em cativeiro, observam-se infecções disseminadas semelhantes às dos canídeos [Nordstoga 1972; Mathis et al. 2005]. A infecção por E. cuniculi estirpe II, constitui na actualidade, um importante problema, para a indústria de criação de raposas azuis, em países do Noroeste Europeu [Mathis et

al. 1996; Akerstedt 2002].

Estão descritos surtos de encefalitozoonose em carníveros, de Jardim Zoológico, [Canning & Lom 1986], mas são poucos são os registos em carnívoros silváticos [Wilson 1979; Van Heerden et al. 1989; Hersteinsson et al. 1993; Mathis et al. 2005]. Todavia, nestes últimos estudos a microscopia óptica foi a técnica usada no diagnóstico dos microsporídios, não permitindo assim, uma conclusão definitiva sobre a espécie e a estirpe envolvida na infecção.

Nos cães e nas raposas, a encefalitozoonose por E. cuniculi é perpetuada na população por transmissão horizontal e vertical [Botha et al. 1979; Mohn et al. 1982; Mathis et al. 2005].

Mais de uma década, depois da identificação de E. bieneusi no Homem, esta espécie foi detectada em animais, mais propriamente em suínos [Deplazes et al. 1996b]. Através da PCR, determinou-se uma prevalência de 35%, em suínos, na Suíça [Breitenmoser et al. 1999]. A elevada percentagen de excreção de esporos em suínos sem quadro clínico associado, levou os autores do estudo a sugerir que E. bieneusi será um parasita comum nos suínos assintomáticos. A ausência de lesões intestinais, em porcos gnotobióticos [Kondova et al. 1998], infectados experimentalmente por esta espécie de microsporídios, veio acrescentar evidências a esta ideia. Estudos subsequentes, confirmaram a ocorrência de E. bieneusi com uma elevada prevalência, em suínos (32%) [Buckholt et al. 2002] e em gado bovino (9,5% - 11,5%) [Rinder et al.

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2000; Santin et al. 2004; Sulaiman et al. 2004]. Este parasita, tem vindo a ser descrito numa vasta gama de hospedeiros animais, tais como, gatos [Mathis et al. 1999a; Dengjel et al. 2001; Lobo et al. 2003; Lobo et al. 2006c], cães [Lores et al. 2002a; Lobo

et al. 2003; Lobo et al. 2006c], cabras [Lores et al. 2002a], num lama [Dengjel et al.

2001] e em diversos grupos de animais silváticos [Dengjel et al. 2001; Sulaiman et al. 2003b].

Relativamente, à espécie E. intestinalis verificou-se que ratinhos do tipo- selvagem, infectados experimetalmente, excretavam esporos de forma intermitente, e em baixas concentrações [Achbarou et al. 1996]. Uma situação semelhante, ao que se havia observado na infecção por E. bieneusi, em suínos [Breitenmoser et al. 1999].

Bornay-Llinares e colaboradores [Bornay-Llinares et al. 1998] identificaram E,

intestinalis numa cabra, num suíno, numa vaca, num burro e um cão. Num estudo mais

recente, uma baixa prevalência de E. intestinalis foi detectada em gorilas silváticos (assim como em pessoas que partilhavam o mesmo habitat), no Uganda [Graczyk et al. 2002]. Apesar de ser sugerido o carácter zoonótico deste microsporídio, ainda se encontra por esclarecer, se esta espécie é um parasita comum nalguns grupos de animais, ou se apenas E, intestinalis isolado dos animais está relacionado com a infecção no Homem

São poucos os casos de infecção natural por microporídios, conhecidos em primatas não humanos. Até à data, foram identificadas as espécies E. cuniculi e E.

bieneusi [Mansfield et al. 1998], em diferentes espécies de macacos. Infecções

experimentais por E. bieneusi, E. cuniculi e E. intestinalis, em macacos, também se encontram reportadas, na literatura [Mathis et al. 2005].

8.2.2.Aves

As quatro espécies mais frequentes, responsáveis por microsporidiose no Homem, E. bieneusi, E. intestinalis, E. hellem e E. cuniculi, foram descritas em diversas espécies de aves. O primeiro registo de microsporidiose em aves data de 1975, por que Kemp e Kluge [Kemp & Kluge 1975], em inseparáveis da espécie Agapornis personata, (Illinois, EUA). Seguiu-se a identificação de microsporidia em papagaios (Amazona

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Agapornis personata, Agapornis fischeri), juvenis de periquitos (Melopsittacus undulatus), papagaios-do-mar (Fratercula corniculata), capturados e mantidos em

cativeiro, e num bando de papagaios tricolores (Erithrura tricolor) [Poonacha et al. 1985; Tocidlowski et al. 1997; Gelis & Raidal 2006].

Os papagaios do género Agapornis são geralmente descritos como os hospedeiros mais frequentes de microsporidia [Branstetter & Knipe 1982; Powell et al. 1989; Norton & Prior 1994]. O primeiro caso de microsporidiose em que a espécie identificada foi E. hellem, registou-se em juvenis de periquitos (Melopsittacus

undulatus), em 1977 [Black et al. 1997]. Outros casos de encephalitozoonose, causados

por E. hellem, foram descritos em tecidos (estudo retrospectivo) de papagaios eclectus (Eclectus roratus), num loris estriado (Chalcopsitta scintillata) capturado, em juvenis de avestruzes (Struthio camelus), num inseparável-de-faces -rosadas (Agapornis

roseicolis), em colibris (Calypte anna, Archilochus alexandri e em Selasporus sasin),

em juvenis de Diamante estrela (Erithrura gouldiae), em inseparáveis (Agapornis

fischeri), e em cacatuas (Cacatua alba) [Gray et al. 1998; Pulparampil et al. 1998; Suter et al. 1998; Snowden & Logan 1999; Snowden et al. 2000; Snowden et al. 2001;

Carlisle et al. 2002; Barton et al. 2003; Phalen et al. 2006].

Com excepção dos papagaios a espécie E. hellem, foi identificada, quer em aves silváticas, quer em aves capturadas e mantidas em cativeiro, ou ainda em aves de criação, incluindo patos-reais (Anas platyrhynchos), cisnes-mudos (Cygnus olor) e cisnes de pescoço-preto (Cygnus melanocoryphus), gansos bravos (Anser anser), gralhas (Corvus corone), pombos-de-nicobar (Caloenas nicobarica), cisnes-negros (Cygnus atratus), cisnes-coscoroba (Coscoroba coscoroba), Grous Coroado (Balearica

pavonina), e pombos (Columba livia) [Haro et al. 2005; Slodkowicz-Kowalska et al.

2006; Bart et al. 2008].

E. bieneusi foi identificada pele primeira vez, em galinhas de aviário (Gallus gallus) [Reetz et al. 2002]. Posteriormente foi identificada em diversas ordens de aves,

nomeadamente em Columbiformes, Passeriformes e Psittaciformes [Haro et al. 2005; Haro et al. 2006; Slodkowicz-Kowalska et al. 2006; Lobo et al. 2006b; Kasickova et al. 2007; Graczyk et al. 2007b; Kasickova et al. 2009], em pombos [Haro et al. 2005; Haro

et al. 2006; Lobo et al. 2006b; Graczyk et al. 2007b; Bart et al. 2008], e recentemente

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Até à data, E. cuniculi foi detectada em três espécies de aves: em galinhas [Reetz 1993], numa caturra (Nymphicus hollandicus) [Kasickova et al. 2007] e em pombos [Haro et al. 2005; Slodkowicz-Kowalska et al. 2006; Bart et al. 2008; Kasickova et al. 2009].

Relativamente a outros microsporídios, a espécie E. intestinalis apenas foi identificada num grupo restrito de aves: pombos e gansos domésticos (Anser anser

domestica) [Bart et al. 2008] e mais recentemente em diversas aves das ordens

Columbiformes, Passeriformes e Psittaciformes [Haro et al. 2005; Slodkowicz- Kowalska et al. 2006].

Até à data, não foi possível estabelecer a transmissão directa entre as aves e o Homem. No entanto, alguns doentes portadores de infecção ocular, possuíram ou estiveram em contacto com aves de companhia [Friedberg et al. 1990; Yee et al. 1991] e durante um estudo com doentes infectados por VIH no Peru [Bern et al. 2005], foi identificada uma associação entre o contacto com patos e galinhas e o risco de infecção pelo genótipo Peru 6 de E. bieneusi. Também os dados obtidos em pombos de parques urbanos sugerem a ausência de barreiras de transmissão entre as aves e humanos. Com a agravente que, a maior parte dos visitantes destes parques são crianças e idosos, que fazem parte do grupo populacional susceptível de contrair infecções em geral e, como tal, de microsporidiose a partir de pombos [Haro et al. 2005; Lobo et al. 2006b; Bart et

al. 2008].