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I NTRODUÇÃO G ERAL AOS M ICROSPORIDIA

ESPÉCIES REFERÊNCIAS

3. ESPECTRO CLÍNICO E PATOGENIA NO HOMEM

3.1. I NFECÇÕES POR ESPÉCIES DE MICROSPORIDIA MAIS FREQUENTES

Antes da pandemia da sida, eram raros os casos descritos de infecções por microsporídios, em humanos: desde o primeiro registo de um caso em 1959 e, até 1985, apenas foram reportados seis casos de infecção [Bryan et al. 1991]. Dois dos casos verificaram-se em doentes imunocomprometidos, enquanto os restantes observaram-se em pessoas presumivelmente imunocompetentes ou de estado imunológico desconhecido.

Quando os microsporídios foram identificados pela primeira vez, no contexto da infecção por VIH-1 e diarreia, especulou-se se estes organismos seriam verdadeiros agentes patogénicos, visto que também eram detectados em pessoas sem quadro diarreico, ou quaisquer outros sintomas típicos associados à microsporidiose. Estas observações, parecem reflectir, o papel preponderante do sistema imunológico do hospedeiro, na expressão de sinais clínicos durante a infecção. Os doentes com sida e contagem de linfócitos TCD4+ inferior a 100cel/mm3 têm uma maior probabilidade de desenvolver diarreia persistente, perda de peso e dor abdominal associada à infecção por

E. bieneusi e E. intestinalis. Enquanto os seropositivos para VIH, submetidos a

terapêutica anti-retrovírica, ou os seronegativos para VIH, mas com sistemas imunológicos imaturos e/ou sem exposição prévia aos parasitas, como por exemplo os de crianças, ou os viajantes para zonas endémicas, desenvolvem apenas quadros de diarreia autolimitada [Tumwine et al. 2005; Wichro et al. 2005]. Estes achados, sugerem a ocorrência de infecções persistentes ou de portadores assintomáticos, em imunocompetentes.

A replicação dos microsporídios, nas vilosidades do epitélio do intestino delgado, associada a uma redução da altura das vilosidades e, da sua área de superfície, parece contribuir para a má-absorção que conduz à diarreia [Kotler & Orenstein 1999; Weber et al. 2000; Morpeth & Thielman 2006; Wiwanitkit 2006]. Dois factores, inerentes às lesões intestinais, são importantes para que ocorra má-absorção: a diminuição da área de superfície da mucosa e a maturidade das vilosidades intestinais, visto que ambos os parâmetros são importantes nos processos de absorção. A taxa de

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absorção para qualquer nutriente, que atravesse a membrana, está associada com a área de superfície da mucosa, a distância de difusão à membrana de absorção e o gradiente de concentração que se verifica ao longo da membrana. A área de superfície da mucosa é uma função do número de vilosidades intestinais, que por sua vez está dependente das taxas de produção e perdas celulares. Estas taxas encontram-se em circunstâncias normais, estritamente reguladas, de modo a manter a homeoestase [Johnson 1988; Kotler & Orenstein 1999].

As 14 espécies de microsporidia patogénicas para o Homem, e os respectivos locais de infecção, encontram-se sumariados no Quadro IV.

Quadro III. Microsporídios patogénicos para o Homem, e respectivos locais de

infecção. Adaptado de [Didier & Weiss 2006].

ESPÉCIES LOCALIZAÇÃO DAS PATOLOGIAS

Mais frequentes

Enterocytozoon bieneusi Intestino delgado, vias biliares, aparelho respiratório Encephalitozoon intestinalis Intestino delgado, vias biliares, aparelho respiratório,

ossos, pele, disseminada

Encephalitozoon hellem Globo ocular, aparelho respiratório, aparelho urinário,

disseminada

Encephalitozoon cuniculi Disseminada, olho, aparelho respiratório, aparelho

urinário, fígado, peritoneu, cérebro

Menos frequentes

Anncaliia algerae Córnea e músculo esquelético Anncaliia connori Disseminada

Anncaliia vesicularum Estroma da córnea, músculo esquelético Microsporidium africanum Estroma da córnea

Microsporidium ceylonensis Estroma da córnea Nosema ocularum Estroma da córnea Pleistophora ronneafiel Músculo esquelético Trachipleistophora antropophtera Córnea, disseminada

Trachipleistophora hominis Músculo esquelético, córnea (células epiteliais e do

estroma)

Vittaforma corneae

Estroma da córnea, íris e aperelho urinário

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3.1.1.Infecção por Enterocytozoon bieneusi

A infecção por E. bieneusi, exprime-se clinicamente como uma síndrome de má- absorção. Os sintomas consistem em diarreia aquosa crónica, intermitente, em geral, sem muco nem sangue. Os doentes apresentam perda de peso lenta e progressiva. A febre não está associada à infecção por E. bieneusi [Eeftinck Schattenkerk et al. 1991; van & Dankert 1996; Kotler & Orenstein 1998] . Observam-se lesões sobretudo ao nível do duodeno e do jejuno as quais se caracterizam microscopicamente, pela atrofia das vilosidades intestinais, hiperplasia das criptas de Lieberkühn e infiltração linfocitária [Shadduck & Orenstein 1993]. E. bieneusi propaga-se, essencialmente, nas células epiteliais do topo das vilosidades intestinais e nas vias biliares À medida que a infecção progride, os enterócitos sofrem diversas alterações, tornando-se o epitélio progressivamente cúbico e, numa fase mais avançada, pleomórfico. O núcleo do enterócito perde a polaridade basal e verifica-se um aumento da cromaticidade. O citoplasma torna-se gradualmente mais vesiculado [Orenstein 1991; Kotler & Orenstein 1999] (Figura 6)

Figura 6. Secção de jejuno intestinal infectado por E. bieneusi. Na imagem, obtida por

microscopia electrónica de transmissão no interior do enterócito vesiculado podem observar-se diversos esporos maduros (×9813). Adaptado de [Kotler & Orenstein 1999].

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Apesar de E. bieneusi se propagar preferencialmente no intestino, encontram-se descritas algumas infecções extra-intestinais: infecções ao nível das vias biliares e vesícula de doentes com colangiopatia, no fígado, canal pancreático assim como no aparelho respiratório [Weber et al. 1992b; del et al. 1997a; Lores et al. 1999; Weber et

al. 2000; Botterel et al. 2002; Sodqi et al. 2004].

3.1.2.Infecção por Encephalitozoon intestinalis

E. intestinalis representa a segunda espécie de microsporidia patogénico, mais

frequente no Homem. Clinicamente, E. intestinalis, tal como se verifica para E.

bieneusi, também se encontra associada a síndrome de má-absorção [Kotler & Orenstein

1999]. Esta espécie tem capacidade de invadir as células epiteliais do intestino delgado e do intestino grosso. Simultaneamente com a multiplicação enteroepitelial, a mucosa do intestino, também pode ser atingida ao nível da lâmina própria, incluindo as células endoteliais de pequenos vasos e macrófagos [Cali et al. 1993; Chu & West 1996].

Tipicamente as infecções provocadas por E. intestinalis tendem a disseminar, havendo registos de infecções em quase todos os sistemas de órgãos, incluindo aparelho urinário, vesícula biliar, conjuntiva e aparelho respiratório [Cali et al. 1993; Molina et

al. 1995; Kotler & Orenstein 1999]. Orenstein e colaboradores descreveram um caso de

infecção pulmonar fatal, o qual ocorreu num doente transplantado de medula óssea [Orenstein 2003; Orenstein et al. 2005].

E. intestinalis é sensível à terapêutica com albendazol, ao contrário de E. bieneusi, constituindo a distinção das espécies uma importante informação para o

clínico [Chu & West 1996; Didier & Weiss 2006].

3.1.3.Infecção por Encephalitozoon hellem

E. hellem é descrita como a terceira espécie de microsporidia, causadora de

patologia no Homem [del et al. 2001b]. A maior parte dos casos clínicos de infecção por esta espécie, correspondem a patologia ocular em doentes com sida, envolvendo a córnea e a conjuntiva [Cali et al. 1991b; Didier et al. 1991b; Schwartz et al. 1993a; Friedberg & Ritterband 1999]. As lesões da córnea causadas por E. hellem, são

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superficiais, ao contrário das queratites associadas a outras espécies de microsporidia, que atingem as camadas do estroma da córnea [Cali et al. 1991a; Schwartz et al. 1992; Friedberg & Ritterband 1999]. A diminuição da acuidade visual, a sensação de corpo estranho, lacrimejo, olho seco, fotofobia e olho vermelho são os sinais e sintomas desta infecção [Cali et al. 1991a; Didier et al. 1991b; Didier et al. 1996a; Conners et al. 2004] [Schwartz et al. 1993a].

Em doentes infectados por VIH, esporos de E. hellem foram isolados nas vias respiratórias superiores e em secrecções respiratórias, embora sem qualquer quadro clínico associado [Hollister et al. 1993; Weber et al. 1993; Scaglia et al. 1998b]. Contudo, também estão descritas infecções sintomáticas do aparelho respiratório, em doentes com sida, atribuídas a esta espécie [Schwartz et al. 1993b; Deplazes et al. 1998].

Os esporos de E. hellem foram, também, detectados na urina [Weber et al. 1993; Didier et al. 1996a]. Durante a autópsia a um doente com sida, que havia apresentado disúria e hematúria no seu historial clínico, foram observadas, extensas lesões nos rins, ureteres e bexiga, atribuídas a E. hellem [Schwartz et al. 1992]. Müller e colaboradores identificaram E. hellem, em amostras fecais de viajantes, com quadro diarreico, regressados de Singapura [Muller et al. 2001].

3.1.4.Infecção por Encephalitozoon cuniculi

Actualmente, encontram-se descritos 15 casos de infecção disseminada por E.

cuniculi, em doentes com sida [Gamboa-Dominguez et al. 2003]. As manifestações

clínicas dependem da localização das infecções. E. cuniculi já foi isolado nos aparelhos respiratório, urinário e gastrintestinal, no sistema nervoso central e no globo ocular (córnea e conjuntiva) [De Groote et al. 1995; Franzen et al. 1995b; Weber et al. 1997; Rossi et al. 1998].

E. cuniculi infecta células epiteliais e endoteliais, assim como, macrófagos e

fibroblastos de vários tecidos e órgãos [Weber et al. 1992b]. A queratoconjuntivite e a rinosinusite, parecem constituir as patologias mais frequentes [De Groote et al. 1995; Rossi et al. 1998].

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