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I NTRODUÇÃO G ERAL AOS M ICROSPORIDIA

ESPÉCIES REFERÊNCIAS

2.2. M ORFOLOGIA E C ICLO DE VIDA

2.2.2 Ciclo de Vida

O ciclo de vida dos microsporidia, embora apresente variabilidade nalgumas fases do desenvolvimento, conforme as espécies do parasita, genericamente, caracteriza- se por três fases: infectante, proliferativa e esporogónica.

Fase infectante. A fase infectante, corresponde à etapa extracelular, metabolicamente

inactiva, do ciclo de vida do microsporídio. Compreende a libertação da forma infectante, o esporo, a sua passagem pelo meio exterior, assim como os factores ambientais necessários para o accionar do mecanismo de extrusão, que conduzem à subsequente penetração numa célula hospedeira adequada (Figura 4).

Figura 4. Fotografias de microscopia electrónica de varrimento do esporo de

microsporida com o filamento polar exteriorizado injectando o esporoplasma na célula Adaptado de [Franzen 2008].

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O esporo pode conservar a sua infecciosidade por longos períodos, durante a sua permanência no meio exterior. Diversos factores, tais como, temperatura, humidade, radiação, ou mesmo o material em que são depositados, podem influênciar a viabilidade dos esporos, no exterior do hospedeiro. Também o tipo de produto biológico (fezes, urina ou secreções pulmonares) em que são eliminados os esporos pode influenciar a sua sobrevivência. Por exemplo, os esporos em amostras fecais ou em cadáveres secos sobrevivem menos de seis meses se mantidos à temperatura ambiente, mas em meio aquoso frio podem manter-se infecciosos por mais de um ano [Kramer 1970; Cali & Takvorian 1999]. Um estudo demonstrou que, um em cada seis esporos de

Encephalitozoon, mantém a sua infecciosidade após 24 meses de conservação a 4ºC

[Kucerova-Pospisilova et al. 1999].

Em regra, a infecção estabelece-se, após a inalação ou ingestão dos esporos de microsporídia, sendo as células epiteliais, que limitam o tracto gastrintestinal e respiratório os locais mais comuns para a infecção primária [Orenstein 1991; Didier 1998]. Segue-se o processo de germinação do esporo sob factores ambientais favoráveis. A interacção de diversos factores activa um conjunto sequencial de eventos que culminam com o aumento da pressão hidrostática no interior do esporo. Esta pressão parece ser suficiente para accionar o mecanismo de extrusão dos microsporídios. Na presença de iões de cloro e em meio alcalino ocorre entrada de iões de sódio e/ou potássio no esporo. Por sua vez, estes iões irão accionar quer a entrada de cálcio, através de canais iónicos na membrana, quer a activação da enzima trealase. O dissacárido trealose é então, clivado em moléculas mais pequenas, aumentando o potencial da pressão osmótica, e permitindo a entrada de água no esporo que interage com estas moléculas. É desta interacção que parece resultar a força que possibilita a extrusão do filamento polar. Como foi referido, o influxo de cálcio, através de canais iónicos na parede do esporo, parece desempenhar um papel importante, na exteriorização do filamento polar, durante a germinação. Dado que já foi demonstrado que o tratamento com bloqueadores dos canais de cálcio (i.e. nifedipina) inibem a exteriorização e a infecção de células hospedeiras, in vitro, este mecanismo pode vir a fornecer um potencial alvo para o tratamento da microsporidiose [Fedorko & Hijazi 1996; Didier 1998].

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Após a germinação do esporo (exteriorização do filamento polar) e a injecção do seu conteúdo (esporoplasma) no interior da célula hospedeira, o organismo entra numa fase proliferativa, designada por merogonia, seguida por um processo de diferenciação em esporos, denominado esporogonia. Os esporos libertados podem continuar a replicar-se no hospedeiro (autoinfecção), quer infectando as células adjacentes às parasitadas, quer disseminando-se para outros tecidos.

Os esporos são, também eliminados com a urina, fezes ou secreções respiratórias, podendo, então ser transmitidos a novos hospedeiros [Franzen & Muller 1999b; Weber et al. 1999b].

As variações no desenvolvimento e na interface parasita-hospedeiro, durante o ciclo de vida dos microsporídeos são numerosas e determinam o grupo taxonómico a que pertence um determinado microsporídia [Cali 1991].

O ciclo de vida dos microsporidia infectantes do Homem Enterocytozoon bieneusi e Encephalitozoon spp., encontra-se esquematizado na Figura 5.

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Figura 5. Representação esquemática do ciclo de vida de dois géneros de microsporidia patogénicos para o Homem, um que se desenvolve em contacto directo com o citoplasma da célula hospedeira (E. bieneusi) e o outro que ocorre dentro de um vacúolo parasitóforo (Encephalitozoon spp.). (A) Esporo vazio após injectar através do tubo polar o esporoplasma no citoplasma da célula hospedeira. (B1 a D1) Desenvolvimento intracelular de E. bieneusi em contacto directo com citoplasma da célula hospedeira. (E1) Esporos maduros; (B2 a D2) Desenvolvimento do ciclo de Encephalitozoon spp dentro de um vacúolo parasitóforo no citoplasma da célula hospedeira. (E2) Libertação dos esporos maduros no citoplasma da célula hospedeira após ruptura da membrana do vacúolo; (a1 a e1 e b2 a e2) Fotografias de microscopia electrónica de transmissão de diferentes estádios do ciclo de vida de E. bieneusi e

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Fase proliferativa ou merogonia. O processo de merogonia inicia-se após a penetração

do esporoplasma numa célula hospedeira susceptível. Os primeiros estádios deste processo designam-se de merontes, sendo por norma células esféricas, maiores que os esporos maduros, ou, ainda, elongadas quando já se encontram em divisão. Em geral, apresentam pouca diferenciação do citoplasma e possuem uma membrana plasmática [Cali & Takvorian 1999]. A divisão dos merontes ocorre por fissão binária (Encephalitozoon, Anncaliia, Thelohania, Vittaforma) ou por cariocinese, antes da citocinése, resultando em células multinucleadas, designadas por plasmodia merogonial (Enterocytozoon, Pleistophora, Trachipleistophora). A merogonia pode verificar-se em contacto directo com o citoplasma da célula hospedeira (Anncaliia, Enterocytozoon), no interior de um vacúolo parasitóforo derivado da célula hospedeira (Encephalitozoon), dentro de um revestimento de material amorfo depositado pelo parasita (Pleistophora,

Trachipleistophora, Thelohania), ou, então, apenas com o organismo individual

intimamente envolvido por retículo endoplasmático (Vittaforma) [Cali & Takvorian 1999].

Fase esporogónica. O processo de esporogonia inicia-se com o desenvolvimento dos

merontes em esporontes que se caracterizam por possuir uma camada superficial bastante densa aos electrões [Franzen & Muller, 1999; Didier et al., 1998]. Este revestimento irá, mais tarde, originar a camada exterior, o exosporo, da parede do esporo [Franzen & Muller, 1999]. Os esporontes multiplicam-se por fissão binária ou múltipla e dividem-se em esporoblastos (estruturas ovóides, nas quais já se podem reconhecer organelos) que irão desenvolver-se até ao estádio de esporo maduro. Os esporontes podem ser uni-nucleados ou diplocarióticos. O número de divisões nucleares e celulares que ocorrem nos esporontes varia consoante o género do microsporídio. São observados três tipos de divisão: cariocinese ligada a citocinése, também descrita como fissão binária, conduzindo à formação de dois esporoblastos, que por metamorfose produzem dois esporos (ex. Anncaliia, Encephalitozoon); a citocinése não se encontra ligada à cariocinese ocorrendo a repetição da divisão nuclear no interior da célula sendo produzidos quatro núcleos (Tetramicra). Pode ainda verificar-se a ocorrência de múltiplas divisões nucleares dentro da célula, constituindo estádios plasmodiais multinucleados, que ao dividirem-se por plasmotomia podem produzir entre oito

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(Vairimorpha) a mais de 100 esporos (Pleistophora). Alguns dividem-se, directamente, em esporoblastos, por fissão binária, enquanto outros constituem estádios plasmodiais multinucleados [Cali & Takvorian 1999; Franzen & Muller 1999b].

Enquanto os merontes, esporontes e esporoblastos apresentam intensa actividade metabólica, nos esporos maduros, aquela é muito limitada [Cali & Takvorian 1999].

Ciclos secundários de infecção verificam-se após a ruptura das células infectadas do hospedeiro, em que são libertados, quer os esporos maduros, quer outras formas imaturas. Embora o esporo maduro seja considerado o estádio infectante, outras formas ainda que imaturas, podem ser, também, infectantes ou, por outro lado, podem ter atingido um determinado grau de desenvolvimento, suficiente para completar a sua diferenciação no exterior da célula hospedeira e tornarem-se infectantes mais tarde [Cali & Takvorian 1999].

Os microsporídios, de início, podem ser eliminados com as fezes ou com as secreções respiratórias, ou auto-infectar o hospedeiro (in loco ou disseminando). O parasita infecta novas células, injectando directamente, o conteúdo do esporo. Recentemente, foi sugerido um processo alternativo, em que a entrada na célula hospedeira ocorre por fagocitose do esporo do parasita, em que o tubo polar é utilizado para escapar aos fagossomas e, infectar o citoplasma, da célula hospedeira [Franzen 2004; Franzen et al. 2005b] .

As infecções por E. bieneusi localizam-se, primeiro no intestino delgado, apesar de também ocorrer envolvimento do tracto biliar [Yachnis et al. 1996; Cali & Takvorian 1999]. Por outro lado, refira-se, também, que foram identificados esporos deste parasita em secreções pulmonares de doentes imunodeficientes [del et al. 1997a]. Salvo algumas excepções, os géneros Pleistophora e Anncaliia, parasitam, em primeiro lugar, o músculo esquelético e o estroma da córnea, respectivamente [Cali & Takvorian 1999]. O género Encephalitozoon, para além de infectar os enterócitos do intestino delgado, parasita os macrófagos, disseminando-se no hospedeiro. Localizações secundárias da infecção incluem (mas não são limitadas) o rim, fígado, baço, cérebro, peritoneu e epitélio nasal. Os esporos de Encephalitozoon, são eliminados, também pela urina (quando ocorre envolvimento renal), e pelas secreções respiratórias [Cali & Takvorian 1999; Kotler & Orenstein 1999].

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Aparentemente, todos os tecidos do hospedeiro parecem ser vulneráveis à infecção de, pelo menos, um género de microsporidia [Cali & Takvorian 1999].