• Nenhum resultado encontrado

A Natureza Sistémica do Processo de Inovação

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

1. Génese do Processo de Inovação

1.1. Conceito de Inovação e Processo de Inovação

1.1.3. A Natureza Sistémica do Processo de Inovação

O objectivo desta subsecção passa por identificar os principais elementos e as dinâmicas que entre eles se estabelecem e que permitem qualificar o processo de inovação como tendo uma natureza sistémica. Das duas subsecções anteriores, parece ficar claro que o processo de inovação envolve múltiplos actores, associados a múltiplos recursos, necessitando de interagir de forma persistente e continuada; isto é, a inovação tem uma componente sistémica que não pode deixar de ser devidamente sublinhada. Optou-se por autonomizar esta subsecção sobre a natureza sistémica da inovação, como forma de salientar as contribuições conceptuais de alguns autores, no que concerne ao papel chave do conhecimento e da aprendizagem no processo de inovação considerado com as características já explicitadas. Lundvall (1992b, 1994) foi um dos primeiros autores a teorizar sobre o conhecimento enquanto recurso estratégico nas actividades de inovação e a aprendizagem como o processo mais relevante na sua produção. Lundvall concentrou os seus esforços na tentativa de compreender a forma como as empresas (particularmente as de reduzida dimensão) se conseguem manter competitivas num ambiente extremamente incerto e de rápidas alterações tecnológicas (Hudson, 1999:

60)6. Segundo Lundvall (2007: 107), podem explicitar-se duas hipóteses que ligam o conhecimento e a aprendizagem à inovação, numa perspectiva de sistema de inovação. A primeira refere que existem elementos de conhecimento relevantes para o desempenho económico que estão localizados e não são facilmente transferíveis de um local para outro, isto é, há importantes elementos do conhecimento que estão incorporados nos indivíduos, nas rotinas das empresas e nas relações que os indivíduos estabelecem com as diferentes organizações. Em segundo lugar, a aprendizagem e a inovação são melhor compreendidas como um resultado de um processo de interacções. A aprendizagem interactiva é um processo socialmente enraizado e que torna a análise económica pura insuficiente para a sua compreensão. Embora não sendo idênticos, a inovação e a aprendizagem são processos altamente inter-relacionados.

O conceito de sistemas de inovação tem os seus antecedentes conceptuais na ideia de Schumpeter de que “os processos de inovação e difusão têm uma natureza

iminentemente sistémica” (Fagerberg, 2003: 141). Esta escola de pensamento, designada

de Neo-Schumpteriana ou Evolucionista na literatura económica de referência, suporta os seus principais argumentos na ideia central de que o desempenho económico das economias não depende exclusivamente dos desempenhos individuais das empresas e das instituições de investigação, estando dependente da forma como estas organizações interagem entre si e com o sector público no que diz respeito, nomeadamente, à produção e distribuição de conhecimento (Oerlemans et al., 1999). Por definição, a inovação é uma actividade que envolve diversos riscos, caracterizada por elevados níveis de incerteza. As instituições, por sua vez, caracterizam-se por níveis superiores de estabilidade (relativa). A relação entre a perspectiva institucionalista e a inovação deve ser vista numa óptica de gestão dos riscos associados aos processos de inovação e da tentativa dos vários actores sobreviverem e operarem nestes contextos (Meeus e Oerlemans, 2005). O desempenho destes sistemas depende da relação entre proximidade e diversidade de actores envolvidos e das suas bases de conhecimento (Gregersen e Johnson, 1997: 482). As empresas são vistas como actores chave que contribuem e fazem parte de uma infra-estrutura comum de conhecimento, tomada como um sistema a partir do qual se cria e distribui o conhecimento conducente à inovação e, consequentemente, ao crescimento económico. Um dos resultados mais relevantes da

6

32

investigação sobre os temas da inovação indica que as empresas raramente inovam de forma isolada. Como já foi sublinhado anteriormente, as interacções com clientes, fornecedores, concorrentes, sistema financeiro, mercado de trabalho e outras organizações públicas e privadas são um elemento transversal e comprovadamente relevante para as actividades inovadoras das diversas empresas (Fagerberg, 2005). Neste sentido, tanto o desempenho económico das empresas como o seu desempenho em termos de inovação é influenciado pelos contextos onde essas empresas operam e nos quais desenvolvem e suportam as suas dinâmicas de interacção produtoras de conhecimento. O comportamento empresarial é, também ele, moldado pelos padrões de comportamento institucionais – normas, regras, procedimentos, leis e rotinas – que constituem tanto incentivos como obstáculos ao desenvolvimento de actividades de inovação (Edquist, 2005: 182). Estas organizações e instituições são componentes de sistemas de criação, transformação e comercialização de conhecimento. É neste sentido que a literatura afirma que os processos e as actividades de inovação têm uma natureza sistémica e interactiva (Andersson e Karlsson, 2004: 8). A produção e transformação de conhecimento são vistas como resultado de uma combinação entre a partilha e a troca de diversas tipologias de conhecimento, intermediadas não só por transacções de mercado mas também através de interacções cooperativas e intencionais de agentes que prosseguem actividades complementares de inovação, sejam estas prosseguidas e concretizadas através de mecanismos formais ou informais de interacção. Segundo Edquist (2005: 182), um sistema de inovação contempla os determinantes dos processos de inovação, isto é, todos os factores de ordem económica, social, organizacional, política e institucional que influenciam o desenvolvimento, o uso e a difusão de inovações. O sistema de inovação é constituído pelos elementos do sistema (organizações e instituições) e pelas diversas relações que entre eles se estabelecem e desempenha uma função específica, que é a de prosseguir os processos de inovação. Esta natureza sistémica da inovação permite enfatizar, também, os fluxos de recursos intelectuais que é possível mobilizar entre os diversos actores (Andersson e Karlsson, 2004: 9) e faz da aprendizagem de natureza interactiva um recurso económico chave (Moulaert e Sekia, 2003: 293).

O conceito de sistema de inovação tem-se vindo a desenvolver ao longo de três dimensões fundamentais: numa abordagem tecnológica, à escala espacial ou afecto a

características sectoriais específicas (Fagerberg 2005:12; Meeus e Oerlemans, 2005: 51). Normalmente os investigadores tomam uma das dimensões explicitadas como ponto de partida, desagregando as outras dimensões ou confrontando-as entre elas (ver figura 1.1.3.1)7.

Figura 1.1.3.1 – Dimensões possíveis dos sistemas de inovação

Sector Tecnologia Espaço

Sector Sistemas Sectoriais Comparação de paradigmas tecnológicos

Comparação de sectores entre diferentes espaços Tecnologia Comparação de paradigmas tecnológicos Sistemas Tecnológicos Comparação de padrões de especialização entre diferentes espaços; Sistemas Espaciais Inovação Espaço Comparação de sectores entre diferentes espaços Comparação de padrões de especialização entre diferentes espaços; Sistemas Espaciais Inovação

Sistemas Nacionais/Regionais

Fonte: Elaboração própria com base em Meeus e Oerlemans (2005) e Malecki e Oinas (2002)

Em síntese, a inovação empresarial tem como objectivo último a transformação de conhecimento em utilizações economicamente viáveis e valorizadas pela sociedade por via de um processo complexo, onde vários actores públicos e privados são chamados a interagir e a desenvolver mecanismos de aprendizagem de natureza colectiva, como forma de concretizar as actividades associadas ao processo de inovação. Face à complexidade do processo de inovação, estas múltiplas interacções entre agentes e as suas bases de conhecimento materializam-se em redes de interacção. Estas redes – que serão tratadas em pormenor no capítulo 3 – são uma condição da estruturação e da eficácia do próprio processo de inovação. O facto do processo de inovação se revestir de uma natureza sistémica, cumulativa e interactiva coloca preocupações adicionais a cada

7Alguns autores desenvolveram o conceito até à escala local. Veja-se, por exemplo, Illeris e Jakobsen, 1990; Bergman et al. (1991); Grabher (1991); Saxenian (1991); Storper e Harrison; Cooke et al. (1997). Breschi e Malerba (1997) procuram combinar as três dimensões, embora com maior preponderância da dimensão tecnológica. Por sua vez, Amable et al. (1997) desenvolveram o conceito de “sistemas sociais de inovação”, Whitley (1994, 1997) o de “sistemas empresariais nacionais” e Fisher, Revilla-Diez e Snickars (2001) o de “sistemas de inovação metropolitanos”, Carlsson e Stankiewitz e 1995; Hughes, 1994 desenvolveram o conceito de “sistemas tecnológicos” e Anderson et al. (2002) o de “distributed innovation system”, onde se coloca a ênfase em inovações específicas.

34

um dos elementos participantes no processo de inovação, em termos de análise e de medidas de política a adoptar. Estas preocupações não apenas individuais, ao nível de cada actor, devem ser consideradas na complexidade inerente à coerência e à integração das complementaridades dos diversos actores do processo e das medidas de política concebidas para intervir sobre o sistema de inovação. Este facto decorre não só da sua natureza sistémica implicar que acções de alguns (e sobre alguns) agentes têm consequências, em termos de propagação e difusão, sobre o todo o sistema, mas também da incerteza intrínseca associada à inovação e aos seus efeitos (positivos e negativos) multiplicadores sobre todo o sistema. Sendo a inovação conceptualizada desta forma, a incerteza que estaria associada a alguns actores e/ou actividades torna-se agora iminentemente sistémica, com todas as consequências que daí decorrem, quer em termos de gestão pública quer privada.