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A empresa e as Oportunidades de Inovação

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

2. Abordagens Teórico-Conceptuais das Dinâmicas de Inovação Um dos aspectos de maior relevo que surgiu da análise à génese da inovação realizada

2.1. A Inovação Centrada na Empresa – o Contexto Organizacional

2.1.2. A empresa e as Oportunidades de Inovação

Nas economias contemporâneas, as empresas continuam a ser a principal fonte de inovação e acumulação de conhecimento tecnológico. Contudo, “a direcção e o ritmo a

que elas aprendem variam bastante de acordo com os sectores em que elas operam e, de forma relacionada, com as tecnologias que as suportam. (…) Tanto as estruturas industriais como a sua dinâmica parecem ser profundamente moldadas pela natureza das tecnologias que as suportam” (Dosi et al., 2002: 8). Aprofundando a discussão

sobre as origens e os diferentes contextos que estariam na origem das alterações tecnológicas e nas actividades de inovação, Dosi (1982) desenvolve, na linha da escola neo-shumpeteteriana (ver por exemplo, Dosi, 1982, 1988; Freeman e Perez, 1986; Freeman, Clark e Soete, 1982), os conceitos de paradigmas e trajectórias tecnológicas, como forma de ultrapassar algumas insuficiências das abordagens económicas tradicionais (demand pull e technology push) sobre esta questão. A primeira recorrendo às forças do mercado, como principal determinante da alteração tecnológica e, a segunda, assumindo que a tecnologia e a inovação decorrem do sistema científico (num “mundo” completamente exógeno face ao sistema económico) que vai produzindo alterações tecnológicas, que serão posteriormente utilizadas na produção de bens e serviços, sem que se manifeste, necessariamente, qualquer tipo de procura por parte dos mercados. Nenhuma destas abordagens permite explicar devidamente o facto de que “existe uma estrutura complexa de feed-backs entre o ambiente económico e as

direcções das alterações tecnológicas” (Dosi, 1982: 151). A natureza e as inter-relações

destes mecanismos não são explicadas por nenhuma das duas abordagens, uma vez que ambas adoptam uma perspectiva linear e unidireccional do processo de inovação, colocando o foco unicamente ou nos estímulos do mercado (por via da alteração dos preços relativos) ou numa sequência ““ciência-tecnologia-produção”, em que o

primeiro elemento representa um tipo de deus-ex-machina exógeno e neutral” (Dosi,

1982: 151). Os trabalhos de Dosi contestam a “pertinência da tradicional abordagem

da mudança tecnológica vista enquanto processo de equilíbrio, sublinhando não só que a aprendizagem tecnológica tem natureza cumulativa, como também que a inovação tecnológica se caracteriza pelo acesso diferenciado à informação e por diferentes capacidades de tirar partido dela” (Lopes, 2001: 84).

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Suportado pelo conceito de paradigma científico (ou programa de investigação científica) de Kuhn (1962), Dosi define, analogamente àquele, o conceito de paradigma

tecnológico (ou programa de investigação tecnológica) como “um “modelo” e um “padrão” de soluções de problemas tecnológicos seleccionados, baseados em princípios seleccionados e em tecnologias materiais seleccionadas”. Define,

igualmente, o conceito de trajectória tecnológica como “um padrão “normal” da

actividade de resolução de problemas (i. e., de progresso) no espaço de um paradigma tecnológico” (Dosi, 1982: 152). Segundo Dosi et al. (2002), o conceito de paradigma

tecnológico suporta-se em três ideias fundamentais: em primeiro lugar, entende-se a tecnologia e a sua alteração como resultado de um processo dinâmico de resolução de problemas, assente numa articulação de conhecimento codificado com diferentes formas de conhecimento tácito, incorporado em indivíduos e em processos organizacionais. Em segundo lugar, os paradigmas implicam heurísticas específicas sobre a forma “como se fazem coisas” e como se melhoram esses procedimentos. Estas heurísticas são partilhadas por uma comunidade de praticantes em cada actividade em particular e definem o conhecimento e os incentivos para que a inovação e a actividade económica ocorram normalmente (Conceição e Heitor, 2005: 55). Em terceiro lugar, os paradigmas definem também modelos, artefactos e sistemas que vão sendo modificados e melhorados ao longo do tempo e os objectos, dentro de cada paradigma, podem ser descritos de acordo com algumas das suas características económicas e tecnológicas. Por outro lado, a noção de trajectória tecnológica pode ser vista como “a progressiva

realização de oportunidades de inovação subjacentes a cada paradigma” (Dosi et al.,

2002: 10), uma vez que cada corpo de conhecimento (cada paradigma) estrutura e condiciona os ritmos e a direcção das alterações tecnológicas e das inovações.

Pode dizer-se que os paradigmas definem limites cognitivos para os diversos actores envolvidos, sugerindo potenciais caminhos a explorar e, simultaneamente, limitando as opções disponíveis para os agentes. Isto significa que uma tecnologia se desenvolve num sentido que foi determinado pelas condições iniciais até que, por qualquer razão, o paradigma que a enquadra se altera. Da mesma forma que uma trajectória não segue uma direcção aleatória, também as oportunidades de investigação não são estocásticas, embora possam carecer de natureza determinística para os agentes que nelas se envolvem e as procuram explorar e aproveitar. Tanto os paradigmas como as

trajectórias não são imutáveis no tempo e no espaço. Deste modo, “a evolução

tecnológica envolve períodos alternados de progresso ao longo de uma trajectória (e dentro de um paradigma) com períodos de mudança, resultando no estabelecimento de uma nova trajectória baseada num novo paradigma” (Oinas e Malecki, 2002: 106).

Dosi (1982) sugere que as inovações incrementais podem ser entendidas como o progresso de uma tecnologia ao longo de uma trajectória tecnológica, enquanto a mudança de paradigma corresponderia a inovações de natureza mais radical.

Esta é uma perspectiva que interpreta a interacção entre a emergência de novas tecnologias e a dinâmica económica, através do princípio da “criação destruidora” de Schumpeter, onde uma vaga de novas tecnologias substitui as velhas tecnologias. Contudo, importa salientar que “o impacto não se sente apenas na substituição das

novas tecnologias pelas antigas mas traz consigo oportunidades para novas empresas, dificuldades para as empresas existentes, a obsolescência de algumas actividades, alterações na estrutura de empregos e a alteração de termos de troca entre países e regiões” (Conceição e Heitor, 2005: 54). Esta é uma situação que estaria associada à

emergência de um novo paradigma tecnológico e a inovações do tipo radical. Por outro lado, nem todos os avanços são tão profundos ao ponto de criarem alterações substanciais nas condições económicas e sociais. Muitas das alterações tecnológicas são compatíveis com avanços sucessivos e contínuos, entendidos como inovações incrementais resultado de um progresso “normal” ao longo de uma trajectória tecnológica particular (Dosi, 1982).

As consequências para o comportamento das empresas e para o seu potencial económico são evidentes. Segundo Lopes (2001: 84), “As características,

potencialidades e exigências de uma dada tecnologia definem um paradigma tecnológico, enquanto a interacção economia-tecnologia define as trajectórias tecnológicas do progresso. Neste quadro, diferentes capacidades de valorizar oportunidades suscitadas pelo paradigma tecnológico dominante, e a cumulatividade de conhecimentos que a sua transformação requer, colocam as empresas em situação muito diferenciadas no processo de competição, daqui resultando igualmente um incentivo diferenciado das empresas para inovarem”. As empresas decidem concentrar

recursos e esforços no desenvolvimento de novos produtos e processos se souberem, ou acreditarem, que existem oportunidades tecnológicas e de mercado que lhe podem trazer

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benefícios económicos. Não só as tecnologias possuem diferentes oportunidades de exploração, como também são condicionadas por diferentes oportunidades de mercado. É neste sentido que Godinho (2003: 43) afirma que “a combinação da oportunidade

tecnológica e da oportunidade de mercado condiciona de forma determinante, as “trajectórias tecnológicas””.

As diversas empresas apesar de “saberem fazer coisas”, como por exemplo construir aviões, automóveis, computadores, auto-estradas ou barragens, fazem-no com diferentes níveis de eficácia e de desempenho, mesmo dentro de actividades suportadas pelas mesmas tecnologias. Isto acontece porque as empresas não são todas iguais, pertencem a diferentes sectores, suportados por diferentes níveis de complexidade tecnológica e detêm, também, diferentes níveis de conhecimento organizacional – competências, capacidades e espaço de aprendizagem organizacional –, que se vão reflectir no seu desempenho económico e nos ritmos em que evoluem dentro de uma determinada trajectória tecnológica. No contexto empresarial, “o conhecimento que é gerado pelas

organizações, em contraste com o conhecimento científico, é dificilmente codificável e é específico verificando-se, em relação com essa especificidade, uma cumulatividade ao longo do tempo inerente aos processos de aprendizagem tecnológica” (Godinho, 2003:

42). Como Dosi et al. (2002: 13) explicita claramente, “o conhecimento organizacional

faz de facto a ligação entre a base de conhecimento social/competências/oportunidades, por um lado, e o ritmo-direcção-eficácia económica e a sua exploração- desenvolvimento-aproveitamento, por outro lado”. É esta base de conhecimentos,

modelos e procedimentos organizacionais que ajudarão a determinar a capacidade da empresa aproveitar e explorar as oportunidades de inovação, dentro de cada trajectória tecnológica. Esta base de conhecimentos será, por sua vez, condicionada não apenas pelas competências organizacionais mas também pelo enquadramento político, social e institucional em que a organização se insere. As empresas têm capacidades de inovação diferenciadas, uma vez que as suas trajectórias tecnológicas e os paradigmas tecnológicos subjacentes são diferenciados e partem de bases de conhecimentos e competências também diferenciadas. Essa heterogeneidade confere às empresas oportunidades diferentes de identificarem e aproveitarem processos de inovação, que são devidamente explorados e desenvolvidos em função da articulação entre o contexto

económico e social e a base de conhecimento organizacional que as empresas, em cada sector de actividade, são capazes de mobilizar e utilizar.

Esta leitura das oportunidades de inovação que ultrapassa conceptualmente a “abordagem tecnológica” foi desenvolvida por Freeman e Perez através do conceito de paradigma tecno-económico. O conceito de paradigma tecno-económico (Freeman e Perez, 1986) vem estender a interpretação de Dosi, incluindo na análise as consequências sociais e institucionais que acompanham as alterações tecnológicas. Nesta perspectiva “a mudança tecnológica em curso não se limita a uma mudança de

paradigma tecnológico. Ela adquire alcance mais amplo de mudança de paradigma tecno-económico traduzida num processo de inovação simultânea e articulada aos níveis tecnológico, organizacional e de gestão” (Lopes, 2001: 84). Um paradigma

tecno-económico engloba um “cluster de tecnologias” relativamente estável, a partir do qual a inovação e a actividade económica se desenvolvem. Estas tecnologias assumem particular importância, devido ao seu grau de aplicabilidade a uma gama extensa e diferenciada de produtos e de processos. As tecnologias de informação e comunicação são um bom exemplo, com aplicações praticamente em todas as áreas da sociedade e com elevados efeitos multiplicadores e interdependentes. Nestes casos, o ritmo de inovação e do progresso económico é limitado “pelas condições impostas pela

interacção das tecnologias centrais com os modelos dominantes da actividade económica, desde a organização das empresas até à distribuição do emprego”

(Conceição e Heitor, 2005: 55)

Em síntese, cada paradigma engloba um conjunto de conhecimentos com um potencial de inovação, cujo aproveitamento está condicionado pela base de conhecimentos da empresa (aqui englobando o seu potencial de relacionamento interno e externo) e pela natureza da arquitectura económica e institucional que restringe ou estimula, por via das suas diferentes componentes (atitude face ao risco, cultura empresarial, sistema de educação, sistema de mercado, regulação institucional, legislação laboral, etc.), as actividades de inovação dos diversos actores da sociedade. Todas as economias desenvolvidas contemporâneas partilham algumas regularidades, independentemente das suas especificidades nacionais ou sectoriais. Estas regularidades consubstanciam mecanismos de criação e exploração de oportunidades de inovação, que envolvem a interacção entre a acumulação contínua de conhecimento científico (parcialmente

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exógeno às empresas), processos de aprendizagem endógenos e estabelecimento de múltiplas redes (internas, externas, formais e informais) e aprendizagem por interacção com clientes, fornecedores, concorrentes, mercado de trabalho, centros de conhecimento e outros canais de interacção. O “equilíbrio entre estes diversos processos de

aprendizagem varia de acordo com as tecnologias e os sectores industriais em causa salientando múltiplas “anatomias” do motor da inovação capitalista” (Dosi et al.,

2002).