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Tipologia de Aprendizagem e Conhecimento

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

1. Génese do Processo de Inovação

1.2. Conhecimento, Aprendizagem e Processo de Inovação

1.2.2. Tipologia de Aprendizagem e Conhecimento

Em sentido lato, a aprendizagem pode ser entendida como o processo através do qual se acumula, confere significado, utilidade e valor económico às diversas formas de conhecimento. Há uma distinção importante que se deve fazer entre aprendizagem directa e indirecta. A aprendizagem directa é um processo deliberadamente estruturado onde diferentes actores, por exemplo empresas, universidades, institutos de investigação, laboratórios de I&D se organizam com o objectivo da criação e utilização de novo conhecimento. Por outro lado, a aprendizagem indirecta ocorre de forma mais ou menos informal através do desenvolvimento de actividades económicas normais ligadas à produção, ao marketing, etc. Estes dois tipos de aprendizagem são importantes não só porque individualmente podem ser alvo de investimentos particulares, nomeadamente no desenvolvimento de novas formas de aprendizagem indirecta, mas também devido à sua natureza complementar e cumulativa. Contudo, independentemente das tipologias que se possam explicitar, o aspecto mais importante e comum à generalidade dos processos de aprendizagem é “a sua natureza interactiva e o

facto de dependerem da capacidade de combinar e recombinar diferentes componentes de conhecimento em coisas novas. A aprendizagem interactiva é o tipo de aprendizagem mais comum e a fonte dominante de inovação” (Björn e Gregersen, 1997:

480). A natureza interactiva da aprendizagem deve ser entendida como um processo em que os agentes comunicam e cooperam na criação e utilização de novo conhecimento que se revele economicamente útil (Lundvall, 1985; Lundvall, 2007: 112). Adicionalmente, a aprendizagem tem, também, uma natureza iminentemente cumulativa. A forma e o que se aprende depende, em grande medida, daquilo que já se sabe, das competências e das aptidões que já foi possível desenvolver no passado. A estrutura das organizações, as bases de conhecimento existentes e a economia em geral, isto é, as componentes tangíveis e intangíveis da economia condicionam, fortemente, os processos de aprendizagem e o conhecimento que é possível obter por seu intermédio. Dada a necessidade de articular diferentes bases e formas de conhecimento e de competências, a aprendizagem tem uma natureza iminentemente colectiva18 (Keeble e Wilkinson, 1999: 298). Segundo Capello (1999: 355), a natureza colectiva da

18 A natureza colectiva da aprendizagem será conceptualmente explicitada e aprofundada aquando do tratamento da abordagem dos distritos industriais e dos meios inovadores (ver cap. 2, subsecção 2.2.2).

aprendizagem decorre precisamente da conjugação da sua natureza cumulativa (a aprendizagem persiste ao longo do tempo, é um processo dinâmico que se desenvolve com base em elementos de continuidade) e interactiva, uma vez que o conhecimento transmite-se entre agentes através de sinergias e processos de interacção, dando lugar precisamente a processos cumulativos de criação de conhecimento. Deste modo, a aprendizagem é, em termos genéricos, um processo interactivo, cumulativo, colectivo e enraizado socialmente (Lundvall, 1997: 7; 2007: 112; Asheim, 1999: 61; Keeble e Wilkinson, 1999: 298; Björn e Gregersen, 1997: 480; Capello, 1999: 355) e acontece em toda a economia e não apenas em algumas empresas de alta tecnologia e intensivas em conhecimento. A aprendizagem depende da existência de conhecimento que possa ser partilhado19 entre membros de uma ou mais organizações e da capacidade desses agentes relacionarem, complementando, diversas tipologias de conhecimento (Lawson e Lorenz, 1999: 307). É através da aprendizagem dos diversos agentes que é possível acumular e articular nova informação e conhecimento à base de conhecimento pré- existente de modo a aumentar as competências quer dos indivíduos quer das organizações e das regiões em geral. O conhecimento pode ser entendido como uma espécie de stock e a aprendizagem como um fluxo de interacções entre agentes que permite modificar, de forma dinâmica, esse conhecimento (Björn e Gregersen, 1997). Este potencial de aprendizagem é diferenciado face aos diferentes sectores, tecnologias e lugares, embora existam nichos em todos os sectores da vida económica onde o seu potencial é elevado e deve ser, por isso, devidamente potenciado e explorado economicamente.

Nestes termos, a efectivação dos diferentes tipos de aprendizagem depende da qualidade e da densidade das interacções sociais, dos canais, dos mecanismos e das condições de comunicação disponíveis (Keeble e Wilkinson, 1999: 299). Neste contexto, o estabelecimento de redes formais e informais utilizando uma multiplicidade de canais de interacção permite conferir eficácia ao processo de inovação e à gestão do conhecimento associado, uma vez que consubstanciam as dinâmicas de interacção entre actores que conduzem à materialização e aproveitamento das diferentes formas de aprendizagem.

19 Veremos mais à frente a importância dos diversos tipos de proximidade (espacial, institucional, organizacional, cognitiva e tecnológica) como pressuposto desta interacção e comunicação (ver cap. 3, secção 3.4).

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A aprendizagem e a mudança estão intimamente relacionadas através de um processo que se auto-reforça (Lundvall, 1997: 29). Por um lado, a aprendizagem nas suas diferentes formas é um factor importante no processo de inovação (e por isso de mudança) e, por outro lado, as mudanças (tecnológicas, contextuais, sociais, políticas, legais, concorrenciais) obrigam todos os agentes condicionados por essas mudanças a aprender mais, melhor e mais rápido. Chega-se, então, à sobreposição de ciclos (virtuosos e/ou viciosos) de duas orgânicas económicas e sociais: uma parte da sociedade está empenhada em promover a mudança e outra parte está a lutar para se adequar à mudança. E, claro, ambos os ciclos reforçam-se mutuamente.

Não é, pois, possível inovar sem a articulação das diversas bases de conhecimento e esse conhecimento adquire-se, produz-se e transmite-se através de processos de aprendizagem. O que esta dinâmica mostra é que uma das capacidades mais importantes das economias modernas é a capacidade de aprender embora muitas das vezes também seja necessário aprender a esquecer métodos e competências. As competências adquiridas no passado podem tornar-se barreiras à aprendizagem de novas competências e ao desenvolvimento de novas capacidades (Lundvall, 1997: 33). É neste sentido que o autor designa a aprendizagem como um “processo de criação destruidora”, particularizando a analogia da “criação destruidora” do empresário Shumpeteriano. Björn e Gregersen (1997: 480) designam o mesmo fenómeno por “destruição criadora de conhecimento” e “esquecimento criativo”. A capacidade de adaptação é, então, outra característica fundamental das economias modernas e dos seus agentes, quer sejam indivíduos quer sejam organizações. A aprendizagem reforça as competências existentes, cria novas competências e, simultaneamente, provoca a obsolescência das competências antigas. Nas palavras de Björn e Gregersen (1997: 480), “o papel do

esquecimento no desenvolvimento de novo conhecimento não tem sido devidamente reconhecido na teoria económica. (…) A capacidade de esquecer não é apenas um custo mas também uma parte essencial e integrada da aprendizagem”.

Com o objectivo de explicitar a importância do conhecimento e dos processos de aprendizagem que lhe estão associados, Lundvall e Johnson (1994) propõem a seguinte taxonomia de conhecimento:

“Saber o quê” (know-what) – refere-se ao conhecimento dos factos. Aproxima- se do conceito usual de informação, pode ser dividido em bits informáticos e é facilmente transferível e acessível;

“Saber porquê” (know-why) – é o conhecimento relativo aos princípios e às leis que fundamentam o funcionamento da natureza. É o tipo de conhecimento que tem sido extremamente útil em desenvolvimentos tecnológicos de áreas baseadas na ciência, como sejam a indústria química, biotecnologia e electrónica. Este tipo de conhecimento permite fazer avanços tecnológicos que contribuem para a redução da frequência de erros em processos produtivos;  “Saber como” (know-how) – Conhecimento associado à capacidade de saber

fazer alguma coisa, aquilo que se designa por conhecimento pessoal (competências ou skills). Estas competências não dizem respeito apenas aos agentes que estão afectos à produção, mas também àqueles que têm funções de coordenação, gestão, planeamento, criação, prospecção, design, etc.;

“Saber quem” (know-who) – Este tipo de conhecimento ganha cada vez mais importância nas sociedades modernas. O “saber quem” envolve informação sobre “quem sabe o quê” e quem “sabe fazer o quê”. Pode traduzir-se este tipo de conhecimento por “competências relacionais”, isto é, as capacidades sociais que permitem estabelecer relações com determinados grupos e organizações, de forma a obter quer informação quer conhecimento e experiência que acrescentam valor à nossa base de conhecimentos e competências.

A aprendizagem necessária à aquisição, à absorção e à utilização destes tipos de conhecimento faz-se através de diferentes formas e canais, quer sejam formais quer sejam informais. No que diz respeito ao “saber o quê” e saber porquê” a generalidade do conhecimento obtêm-se através da consulta e leitura de livros, bases de dados, frequência de programas de ensino e formação, através de processos de aprendizagem associados ao acesso e entendimento da informação e da sua transferência, quer como dados quer como informação. São tipos de conhecimento de fácil codificação20 e transmissibilidade, quer através de canais mercantis ou não mercantis. O “saber como” está associado a processos cumulativos de conhecimento baseados no treino e na

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experiência, resultante da interacção entre agentes com diferentes níveis de competência na mesma área do conhecimento. Este tipo de conhecimento está associado a processos de aprendizagem colectiva do tipo by doing21 (aumentando a eficiência de sistemas de produção) e by using22 (aprendizagem pela utilização de sistemas mais ou menos

complexos) e by interacting23 (envolvendo utilizadores e produtores, donde resultam

inovações de produtos e de processos) (Fischer, 2006: 97). Finalmente, o conhecimento do tipo “saber quem” está enraizado nas relações e práticas sociais e o seu acesso pode também ser realizado participando em contextos especializados de educação. Este tipo de conhecimento está implícito nas relações sociais e não é facilmente transferível através de canais formais de troca de informação, sendo a sua gestão mais eficaz através da participação em redes informais de natureza pessoal ou inter-pessoal.

O Quadro 1.2.2.1 faz uma síntese dos diferentes tipos, atributos e aprendizagens associadas às diferentes formas de conhecimento explicitadas.

Quadro 1.2.2.1 – Tipos, atributos e aprendizagens associadas ao conhecimento

TIPOS ATRIBUTOS TIPOS DE APRENDIZAGEM NATUREZA

Know-what

Codificável e facilmente transferível como informação

Acesso e transferência de dados e informação Bem Público Know-why Codificável e facilmente transferível como informação

Acesso e transferência de dados e informação

Know-how Tácito de difícil codificação e transferência

Treino e Experiência associado a processos cumulativos (by doing, by using e by interacting) – aprendizagem colectiva Know-who Tácito, socialmente enraizado em contextos e mecanismos de interacção maioritariamente informais

Interacção social (by interacting) – aprendizagem colectiva

“selectiva” Bem Colectivo

e Localizado

Fonte: Elaboração própria com base em Lundvall e Ernst (1994), Lundvall (1996) e Lundvall e Björn (1997)

21 Arrow (1962). 22 Rosenberg (1982). 23

Embora largamente complementares, o conhecimento tácito e codificado são produzidos de forma diferente, possuem diferentes níveis de apropriação e desempenham papéis diferentes nos processos de aprendizagem (Björn e Gregersen, 1997: 480). O reconhecimento da natureza não codificável de componentes importantes do conhecimento e das diferentes formas de aprendizagem, torna claro que estes processos são substancialmente diferentes da codificação de conhecimento como informação. Deste modo, a aprendizagem envolve aspectos qualitativamente diferentes das simples transacções de informação em mercados ou em hierarquias (Hudson, 1999: 61), ou da própria aquisição de educação formal.