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A Empresa, o Conhecimento e Inovação

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

2. Abordagens Teórico-Conceptuais das Dinâmicas de Inovação Um dos aspectos de maior relevo que surgiu da análise à génese da inovação realizada

2.1. A Inovação Centrada na Empresa – o Contexto Organizacional

2.1.1. A Empresa, o Conhecimento e Inovação

Nesta subsecção começa por se apresentar as principais abordagens tradicionais da empresa no que concerne às suas preocupações elementares, nomeadamente as razões da existência da empresa, as suas fronteiras funcionais e o seu modo de organização interna. Seguidamente, fundamenta-se a importância da empresa enquanto elemento chave do processo de inovação, pela via da sua característica mais relevante, i. e., uma organização cuja principal razão de ser se explica pela necessidade crescente de produção e acumulação de conhecimento, por via da aprendizagem, e o reconhecimento formal da necessidade de interacções com contextos externos, como forma de complementar as suas competências internas. Finalmente, apresenta-se a perspectiva evolucionista da empresa, salientando a sua natureza intrinsecamente inovadora, por via das principais características internas e externas em que a empresa se determina e, em sucessivas adaptações, sobrevive em mercados concorrenciais e altamente selectivos.

A Empresa Optimizadora de Recursos e Processadora de Informação

A teoria neoclássica entende o comportamento da empresa como o resultado de reacções óptimas a sinais provenientes dos mercados que a empresa detecta, permitindo- lhe ajustamentos instantâneos. Num mundo onde todos os agentes partilham o mesmo modelo económico, as comunicações são fáceis de realizar e a informação obtém-se sem custos, o objectivo da empresa é a maximização dos lucros sujeito a um conjunto dado de restrições tecnológicas (Cohendet e Llerena, 1998: 2). Uma vez que a economia neoclássica se preocupa essencialmente com o equilíbrio de preços e a distribuição óptima dos recursos, a empresa não ocupa grande espaço e importância quer na investigação teórica e conceptual quer nas aplicações empíricas realizadas no seu âmbito (Yeung, 2005: 306). Nestas abordagens, as capacidades cognitivas são dadas e não existe qualquer processo de aprendizagem que as possa modificar (Cohendet e Llerena, 1998: 6).

A teoria dos custos de transacção resulta dos desenvolvimentos realizados sobre os trabalhos iniciais de Coase (1937) e Williamson (1975, 1985, 1993, 1996). Segundo Antonelli (2005: 30), a empresa é vista como um “nexus” de contratos bilaterais e um

portfólio de funções de produção dadas, que coexistem na mesma organização de

acordo com o trade-off entre custos de coordenação e de transacção. Neste sentido, “a

unidade de análise é a transacção” e não a empresa enquanto actor económico. A razão

da existência da empresa é precisamente a redução destes custos (Nooteboom, 2005: 126). Os custos de coordenação são custos afectos à avaliação do desempenho dos agentes e à monitorização da sua eficiência e são função de características tecnológicas dadas sobre as especificidades dos activos, a transparência dos mercados, a confiança e as condições dos contratos realizados pelas empresas. Tanto uns como outros são custos de informação, decorrentes da racionalidade e do conhecimento limitado dos agentes. A internalização de uma determinada actividade é, em consequência, decidida sempre que os custos de se usarem os mecanismos de mercado sejam mais elevados do que os custos de se coordenarem essas actividades internamente. Nesta abordagem, nem a coordenação nem a transacção são actividades propriamente ditas, são simplesmente custos, uma vez que não se avalia a eficiência das actividades necessárias à prossecução da coordenação e da transacção. Por outro lado, também não há qualquer análise às competências e ao conhecimento necessário à coordenação ou à utilização dos mercados e, como tal, o espaço reservado à compreensão da acumulação de conhecimento organizacional é muito reduzido. Da mesma forma, a empresa enfrenta um conjunto de tecnologias de produção dadas e exógenas e não existe qualquer preocupação com a governança – e os modos de a efectivar – do novo conhecimento e com a introdução de novas tecnologias (Antonelli, 2005: 31), não existindo qualquer tipo de interdependência entre opções organizacionais, as consequências tecnológicas e a sua repercussão de novo sobre a empresa e as suas actividades. As decisões são tomadas num contexto estático, onde os custos de coordenação e transacção são dados e dependem de factores exógenos, em que a principal preocupação passa pelos custos de acesso à informação, não se indo muito além das respostas organizacionais ou institucionais necessárias para solucionar comportamentos oportunistas de natureza informacional (Cohendet e Llerena, 1998: 6). Acresce também a perspectiva limitada e redutora sobre o conhecimento e os seus processos de produção e acumulação, fazendo deste apenas um conjunto de informação afecta a indivíduos, transformando o

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conhecimento pessoal em informação privada e partindo daí para os problemas de assimetria de informação e consequentes custos associados (Nooteboom, 2005: 119).

A Empresa Relacional e Processadora de Conhecimento

Iniciadas nos trabalhos de Penrose (1959) e de Alchian (1951), começaram a desenvolver-se abordagens que consideram a empresa como um suporte organizacional de conhecimento, onde os mecanismos de coordenação e as capacidades cognitivas desempenham um papel central. Tanto as modernas teorias da empresa, como a teoria evolucionista, foram fortemente influenciadas por estas contribuições (Cohendet e Llerena, 1998: 6). A partir da década de 80 do século XX, muitos académicos das áreas da gestão estratégica, da economia organizacional e da organização industrial são tributários do trabalho de Penrose (1959), procurando desenvolver os fundamentos intelectuais da abordagem que, normalmente na literatura, se designa por Teoria Baseada em Recursos (resource-based theory). Nesta abordagem, a empresa desempenha um papel chave, enquanto contexto de criação e acumulação de conhecimento tecnológico e de competências e na sua transformação em inovações tecnológicas e organizacionais (Antonelli, 2005: 32). A empresa é vista, essencialmente, como um depósito e um produtor de competências e de conhecimento e, através delas, seleccionam as acções que lhes permitam obter desempenhos competitivos nos mercados. No contexto de desenvolvimento de actividades de inovação, o conhecimento tecnológico é o principal recurso estratégico a ser desenvolvido ou adquirido pelas empresas (Oerlemans e Meeus, 2002: 6).

A maior contribuição desta abordagem para a discussão presente decorre de permitir abordar o papel do conhecimento, da aprendizagem e das competências, conjuntamente, na teoria da empresa. Desenvolve-se a ideia de que a vantagem competitiva das organizações depende de um conjunto heterogéneo de recursos valiosos que estas detêm e que outras organizações não conseguem imitar. A construção desta vantagem resulta do facto de grande parte do conhecimento envolvido nas actividades da empresa se encontrar incorporado nos indivíduos, nas equipas, nos procedimentos e na cultura e estrutura organizacional (Nooteboom, 2005: 119). A ênfase é colocada na forma como a empresa demonstra capacidades de introduzir inovações tecnológicas e organizacionais nos mercados, sendo esta uma característica fundamental que permite à empresa

distinguir-se das restantes. O conhecimento tecnológico e organizacional é produzido pela integração de processos de aprendizagem e de actividades formais de I&D e a empresa não se confunde (nem se reduz) com a sua função de produção, uma vez que o seu papel principal é o da acumulação de conhecimentos e competências e a introdução de inovações de diversa natureza. Neste caso, a empresa precede a função de produção. A tecnologia utilizada é um resultado da acumulação de conhecimento e da sua aplicação à actividade económica. Conforme refere Nooteboom (2005: 119), “em vez

das oportunidades determinarem a aplicação de recursos, é a dotação de recursos afecta ao desenvolvimento de novas competências que determina as oportunidades de mercado”. A empresa, ao contrário da concepção subjacente à teoria dos custos de

transacção, é muito mais do que um “nexus” de contratos, “é acima de tudo um

mecanismo de produção de conhecimento” (Antonelli, 2005: 32). Esta abordagem tem

importantes implicações, nomeadamente o facto de fazer desaparecer a noção de “empresa representativa” inerente à abordagem tradicional. As empresas procuram ser diferentes, são agentes económicos heterogéneos nas suas capacidades e competências e procuram, não só aumentar a eficácia no fornecimento de bens e serviços similares aos de outras organizações (Nooteboom, 2005: 119) mas, essencialmente, pretendem distinguir-se dos seus principais concorrentes através do seu potencial inovador. Por outro lado, o facto de se eliminar a ideia de “empresa representativa” obriga a considerar, conceptualmente e na prática, a heterogeneidade entre organizações, a diversidade de combinações internas de conhecimento e a complementaridade entre os seus recursos. Esta complementaridade de recursos e a sua consequente interdependência, conduz as empresas a “formar alianças com outras empresas (…)

como forma de reduzir a incerteza e de aceder a outros recursos” (Ozman, 2009: 45).

Fundamenta-se, desta forma, a necessidade de as empresas desenvolverem redes de colaboração inter-organizacionais, como uma forma intermédia de atingirem objectivos próprios, que antes eram atingidos através de duas formas extremas: dentro da empresa e nos mercados intermediadas unicamente pelo sistema de preços.

No entanto, apesar do avanço conceptual significativo face à perspectiva anterior, podem apontar-se algumas limitações a esta abordagem. Em primeiro lugar, o facto de ser dada pouca atenção à compreensão do papel dos custos de coordenação na criação de limites ao crescimento da empresa e aos constrangimentos e oportunidades do

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mercado como um mecanismo alternativo de governação (Antonelli, 2005, 32). Também não é dada especial atenção à compreensão do papel dos factores organizacionais, enquanto factores condicionares da criação e da acumulação de conhecimento. A teoria refere que a capacidade competitiva da empresa decorre do conjunto de recursos específicos que detém face às suas concorrentes, mas não explicita a razão da posse dos recursos que são específicos a algumas empresas e que outras não conseguem imitar e a própria natureza do valor desses recursos (Lazonick, 2005: 32). Por outro lado, a principal preocupação concentra-se nos recursos intra-empresa (intra- organização), negligenciando a origem (e o acesso) dos recursos externos em que suportam o seu desempenho. Não se considera explicitamente as relações quer com a sua rede de parceiros, quer com as bases de conhecimento afectas a ambientes externos mais vastos (Gils e Oinas, 1997).

Teoria Evolucionista da Empresa

Dentro das modernas teorias da empresa, merece destaque a abordagem evolucionista da empresa, que pertence a uma família de perspectivas que concebem as actividades da empresa no âmbito da construção, selecção, utilização e desenvolvimento de conhecimento. A empresa deixa de ser considerada uma entidade processadora e distribuidora de informação e passa a concentrar-se, e a ser condicionada, pela partilha e distribuição de conhecimento (Cohendet e Llerena, 1998: 2). A função principal de uma organização é promover a coordenação entre as acções individuais dos agentes que dela fazem parte e os que com ela se relacionam. Esta função é executada através de três mecanismos fundamentais: o mecanismo cognitivo, de incentivos e de coordenação. Os primeiros promovem o desenvolvimento de uma base de conhecimento colectivo e devem incluir mecanismos informacionais entre as diferentes partes da organização e com os seus contextos externos; os segundos fundamentam uma matriz de pagamentos que orienta as acções em sentidos pretendidos, incluindo mecanismos de controlo e de monitorização; e, por último, os mecanismos de coordenação conferem coerência entre as acções individuais e a definição de objectivos empresariais, assim como dos processos de aprendizagem descentralizados. O desempenho das organizações depende, então, da articulação que se é capaz de realizar entre os diferentes mecanismos e da compreensão da relevância relativa de cada um deles na trajectória da empresa, i. e., “a

coerência interna é uma condição necessária ao desempenho da empresa” (Cohendet e

Llerena, 1998: 2). A teoria evolucionista da empresa reconhece que o desempenho da empresa depende da sua coerência interna, embora não se limite a este reconhecimento, uma vez que nas suas preocupações se salienta a articulação desta “coerência” com o ambiente competitivo específico em que a empresa se encontra. Deste ponto de vista, o desempenho da organização decorre da eficiência sua estrutura interna e do grau de eficácia das relações que a empresa terá que manter com o seu ambiente exterior. Coloca-se, então, a questão não só da coerência da sua estrutura interna, mas também da consideração das fronteiras das suas possibilidades de inovação, que se determinam em contextos mais alargados, embora directamente dependentes da sua organização interna. Esta abordagem tem sublinhado o aspecto cognitivo da estrutura interna da empresa e a sua relação com a racionalidade limitada dos indivíduos diferenciados em conhecimento, competências, preferências e motivações que constituem essa estrutura. Como consequência, a coordenação dos agentes desempenha um papel fundamental num espaço onde interagem constantemente agentes com visões heterogéneas relativas à percepção do mundo e condicionados pelas suas capacidades cognitivas e pelos custos elevados de comunicação, aquisição e tratamento da informação. A coordenação pode então ser conseguida através da definição de um conjunto comum de procedimentos, regras, rotinas e linguagens (padrões de comportamento), que são compreendidos e partilhados pelos elementos da organização envolvidos numa interacção (Cohendet e Llerena, 1998: 5). Em cada momento, a empresa caracteriza-se por uma base de conhecimento colectivo que se foi acumulando temporalmente e implementada através de um conjunto de rotinas. As rotinas consubstanciam a sua memória organizacional, servem de farol aos comportamentos e sobrevivem largamente aos indivíduos que as ajudaram a criar27. A abordagem evolucionista da empresa tem algumas características orgânicas que importa salientar: em primeiro lugar, existe uma percepção diferenciada dos diferentes contextos por parte dos agentes, quer sejam internos quer sejam externos. Os procedimentos de tomada de decisão dependem da especificidade de cada ambiente e deixam de existir, ao estilo neoclássico, padrões óptimos de comportamento face a situações padronizadas. Em segundo lugar, os agentes são heterogéneos. A diversidade

27 Estas rotinas são, por vezes, elementos que podem conferir pouca flexibilidade e alguma inércia aos comportamentos organizativos, consubstanciando-se em processos burocráticos no seu sentido menos eficaz.

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é o motor da abordagem evolucionista. As empresas são diferenciadas, no que diz respeito nomeadamente ao seu tamanho, à tecnologia que utilizam, aos comportamentos que adoptam e estas diferenciações têm consequências ao nível das suas taxas de lucro e à sua própria competitividade. Em terceiro lugar, a aprendizagem e a adaptação colectiva requerem diversidade, mas também mecanismos que ajudem a preservar a coerência global do sistema, os mecanismos de selecção. A base organizacional da empresa passa então por um equilíbrio entre mecanismos de variação e mecanismos de selecção28. Por último, o processo de aprendizagem é orientado pela procura de melhores desempenhos económicos. A aprendizagem implica a modificação de rotinas e as rotinas alteram-se em função de dois mecanismos: a experimentação iterativa pela tentativa e erro e a selecção organizacional de rotinas. Estas características explicam o comportamento adaptativo das empresas através da tensão entre diversidades (mutações) e mecanismos de selecção. A abordagem evolucionista sublinha o contraste entre a empresa eficiente e a criatividade inovadora das empresas em contextos incertos e recorrendo a processos de descoberta por via de processos de aprendizagem.

Em síntese, a relevância de uma dada estrutura organizativa, de um conjunto específico de mecanismos organizacionais e das suas interacções contextuais externas irá determinar o desempenho de uma organização. Há três aspectos que a teoria evolucionista da empresa permite ajudar a compreender: a empresa define-se como um conjunto de competências; em segundo lugar, as empresas diferenciam-se porque se suportam em rotinas organizacionais diferentes e competências específicas que não são facilmente transferíveis para outros contextos; e, finalmente, a dinâmica empresarial é explicada através de um conjunto de mecanismos (selecção, aprendizagem) que possibilitam que um conjunto de rotinas produza novas competências que são centrais à sobrevivência da organização.

28 Ver March (1991) para a clarificação deste trade-off no que diz respeito à exploração de novo conhecimento versus aproveitamento do conhecimento existente. As organizações enfrentam sempre o dilema entre concentrar os seus recursos na exploração do conhecimento que já detêm ou na exploração de novas possibilidades.