• Nenhum resultado encontrado

Sistemas Regionais de Inovação

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

PRÉ-CONDIÇÕES CONTEXTOS

2.2.5. Sistemas Regionais de Inovação

O desenvolvimento do conceito de Sistema Regional de Inovação (SRI) foi, segundo Cooke (2004: 17), uma resposta à insatisfação provocada pela natureza demasiado ampla da abordagem dos Sistemas Nacionais de Inovação, que não permitiam diferenciar adequadamente as especificidades de cada sistema de inovação e que as fronteiras nacionais não podiam ser definidas, à partida, como fronteiras de tais sistemas (Cooke et al., 2004; Edquist, 1997). Nas palavras destes autores, a literatura dos SNI fez enormes avanços na definição da inovação, corrigindo a percepção que se tinha sobre o processo de inovação – da sua visão linear para a um processo interactivo – e introduzindo o conceito de “aprendizagem institucional”, numa abordagem sistémica da inovação. Contudo, “como arena política, os seus tempos já passaram” (Cooke, op. cit.: 17). Para além das raízes ideológicas da formulação do conceito original, Lundvall apresenta duas razões adicionais para o enfoque na escala nacional. Segundo Fagerberg (2003: 142), a primeira é uma razão histórica, associada à evolução das estruturas económicas nacionais e, a segunda, decorre da importância de factores de âmbito nacional como a cultura, a linguagem e as instituições, que facilitam a interacção entre empresas e entre estas e os seus contextos e que, consequentemente, afectam a

35

Ver Lundvall (2007: 103-4) que reconhece e incorpora essa crítica, desenvolvendo uma metodologia de análise que permite diferenciar a componente central do SNI – core – e os elementos mais amplos – wider setting.

36 Veremos na Parte II a relevância da proximidade institucional no processo e no desempenho inovador das empresas.

100

aprendizagem de forma positiva. Contudo, Fagerberg mostra que embora existam países que respeitem estes critérios existem muitos outros em que tal não acontece37. Cooke (op. cit.: 3) definem um SRI da seguinte forma: “um sistema regional de inovação

consiste na geração interactiva de conhecimento e no aproveitamento de sub-sistemas ligados a outros sistemas regionais, nacionais e globais para a comercialização de novo conhecimento”. Conforme afirma Asheim e Geltner (2005: 299, nota 5), o

conceito de SRI, influenciado pelos desenvolvimentos feitos no âmbito dos SNI e coincidente com o sucesso dos distritos industriais, clusters regionais e outras orgânicas espaciais da era pós-fordista, resulta da articulação de dois sub-sistemas: um afecto à aplicação e ao aproveitamento do conhecimento feito pelas empresas dentro de redes verticais supply-chain e um outro relativo à criação e difusão de conhecimento, processos afectos maioritariamente às organizações públicas. O desenvolvimento do conceito tem sido feito com o intuito de compreender com maior profundidade o papel das instituições e das organizações na promoção do crescimento regional suportado pela inovação mantendo, pelo menos implicitamente, que os elementos e as grandes linhas de enquadramento que caracterizam o conceito de SNI (componentes, atributos e relações), podem ser transpostos para escalas territoriais mais pequenas (Iammarino, 2005: 499). Um dos elementos chave dos SRI é a compreensão da forma como a natureza dos diversos enquadramentos institucionais suportam as interacções sistemáticas e a aprendizagem colectiva, conducente ao desenvolvimento das actividades inovadoras das empresas.

A diversidade dos SRI é uma característica transversal de toda a literatura dos SRI. Os SRI possuem características diversas em diferentes regiões, dependendo da especialização industrial desses espaços. Mesmo em espaços com níveis de espacialização similar, os SRI podem diferir substancialmente por via de factores que os condicionam: normas, rotinas, o papel das instituições e as expectativas (Andersson e Karlsson, 2004: 4), aquilo que alguns autores designam de “cultura regional”, que enquadra institucionalmente a forma como as empresas interagem entre si na economia regional (Asheim e Geltner, 2005: 300). Um SRI pode, também, ser abordado tanto numa perspectiva de um sistema auto-organizativo, como possuindo diversas componentes de regulação, governança e coordenação (Lambooy, 2005: 1147). Cooke

37

(op. cit.: 4-5) designa a primeira abordagem por Sistema Regional de Inovação Empresarial (SRIE), onde as empresas desempenham o papel de actores determinantes e as outras componentes do sistema – instituições de investigação e outras organizações públicas e privadas – procuram dar resposta às necessidades empresariais. Organizam- se em redes ou através de relações de mercado e procuram aproveitar as oportunidades criadas pelas empresas, que são a principal fonte de conhecimento. A inovação é conduzida por empresários, com elevada cultura empreendedora e suportados por capitalistas de risco. A segunda perspectiva, designada por Sistema Regional de Inovação Institucional (SRII), suporta-se fortemente na criação pública de conhecimento e no seu aproveitamento por diversas instituições: universidades, laboratórios de investigação, incubadoras, organizações de transferência de tecnologia, diversos investidores e outros intermediários. O primeiro modelo – SRIE – está mais associado à experiência norte-americana, enquanto os SRII reflectem de uma forma mais apurada o que se passa na Europa. Ambos os modelos podem consubstanciar-se por via de diferentes modos de regulação, articulando-os com a postura das empresas na economia regional. Cooke (op. cit.) apresenta os resultados de uma investigação de 13 casos de SRI, onde as principais conclusões passam por dois aspectos essenciais. O primeiro decorre dos desafios colocados pela globalização, pelo abrandamento económico e pelo aprofundamento da economia do conhecimento, que vieram colocar os diversos SRI sob pressão competitiva adicional. O segundo aspecto relevante mostra- nos que, entre 1995 e 2005, a generalidade dos SRI estudados convergiram para uma organização cada vez mais associada a modos de funcionamento interactivos, intensivos em conhecimento e baseados em redes38. Dentro destas duas amplas perspectivas podem-se encontrar diversas tipologias de SRI. Apenas a título ilustrativo, identificam- se algumas das tipologias mais enraizadas na literatura. Cooke (2004) tipifica os SRI em três categorias: Grassroots, Network e Dirigist a que contrapõe outras três posturas das empresas na economia regional, respectivamente Localista, Interactiva e Globalizada. Dentro desta matriz posiciona os trezes casos de estudo39. Asheim e Geltner (2005), por sua vez, tipificam em três categorias os SRI – “territorially embedded regional

innovation system”, “regionally networked innovation system” e “regionalized national innovation system” – que correspondem à tipologia e ao conteúdo da apresentada por

38 Para uma análise mais detalhada ver Cooke (2004: 15) e Cooke et al. (2004). 39

102

Cooke. Por sua vez, Isaksen (2001) desenvolve uma tipologia segundo o critério das barreiras regionais à inovação, obtendo três tipos de SRI: “organizational thinness RSI”, com falta de actores capacitados para desenvolver processos de aprendizagem colectiva; “fragmented RSI”, caracterizado por níveis reduzidos de cooperação regional entre actores; e “lock-in RSI”, associado a regiões em declínio industrial.

Embora a abordagem dos sistemas de inovação tenha vindo a ser aplicada a várias escalas espaciais, há autores que têm dúvidas sobre a sua aplicação a escalas espaciais reduzidas. A principal razão para esta desconfiança passa pelo papel das instituições na abordagem dos sistemas de inovação (Meeus e Oerlemans, 2005: 177). Por outro lado, as suas bases teóricas não estão suficientemente desenvolvidas e muitos dos trabalhos realizados sofrem da falta de clareza que permita avaliá-los objectivamente, formulando posteriormente medidas de política operacionais. Por outro lado, Andersson e Karlsson, (2004: 20) referem que “não faz muito sentido definir um sistema regional de inovação,

por todos os factores que influenciam o processo de inovação, uma vez que tais definições não são operacionais”.

A abordagem dos sistemas regionais de inovação, mais do que uma teoria ou um quadro conceptual suficientemente coerente para compreender as dinâmicas espaciais de inovação deve ser vista, em primeiro lugar, como uma tentativa empírica de mapeamento de orgânicas espaciais de dinamismo económico e de inovação à escala regional. Em segundo lugar, apesar das insuficiências apontadas por diversos autores, pode ser entendida como enquadramento susceptível de permitir operacionalizar e sistematizar medidas de política de estímulo e dinamização de meios que se pretendem inovadores, tendo subjacente a ideia de que a inovação é um processo sistémico e interactivo que decorre da interligação entre uma diversidade de componentes, nomeadamente empresas e outras organizações públicas e privadas enquadradas por um suporte organizacional e institucional forte que as condiciona e, por vezes, as determina.

Learning Regions e Regiões Inteligentes

A noção de Learning Region foi lançada por Cooke, Morgan, Asheim e outros autores e pode ser encarada como uma tentativa de síntese dos modelos espaciais de inovação (Moulaert e Sekia, 2003: 293). Esta abordagem incorpora diversas componentes da literatura dos sistemas de inovação, da abordagem da economia evolucionista- institucionalista, dos processos de aprendizagem e das dinâmicas institucionais regionais. Tem centrado a sua atenção nos aspectos institucionais, especificamente no conjunto de regras sociais, económicas e culturais enraizadas num determinado território (Capello, 2007: 201). A recente literatura das Learning Regions explora profundamente a natureza e as consequências do conhecimento tácito, através do qual se constroem as capacidades organizacionais e institucionais de natureza local (Cappellin e Wink, 2009). Argumenta-se, nesta abordagem, que o conhecimento tácito não ”viaja” facilmente, porque é melhor transmitido através de interacções cara-a-cara entre parceiros que já partilham alguns elementos distintivos: a mesma linguagem, códigos comuns de comunicação e partilham normas e convenções que foram fomentadas por ambientes institucionais comuns; partilham também conhecimento mútuo de natureza pessoal decorrente de colaborações históricas e interacções formais (Asheim e Gertler, 2005: 293). Estes “activos comuns” servem para construir e fortalecer a confiança entre os diversos parceiros que, por sua vez, facilita e promove o fluxo de conhecimento tácito e codificado entre parceiros. Do ponto de vista económico, a confiança é um activo muito valioso, uma vez que permite minimizar riscos de interacção económica e social e não está disponível para transacção nos mercados, tem de ser construída através de múltiplas e repetitivas interacções (Morgan, 1997: 493). A produção de conhecimento tácito ocorre simultaneamente com a sua transmissão, em primeiro lugar, através do mecanismo da interacção entre utilizador-produtor. De acordo com esta abordagem, o conhecimento não flui directamente desde os produtores de tecnologia até aos utilizadores finais. Em vez disso, os utilizadores disponibilizam conhecimento tácito de que são proprietários, para ajudar os produtores na construção de soluções para os problemas dos primeiros. Mas, ao mesmo tempo, ao fornecerem tecnologias inovadoras aos utilizadores os produtores estão também a partilhar conhecimento tácito e codificado com os seus clientes. O produto final decorrente destas interacções beneficia ambos os actores e permite-lhes incorporar novos conhecimentos que não teriam tido capacidade de produzir de forma isolada (Asheim e Gertler, 2005: 293). Este processo

104

descreve o processo social de produção de inovação e conhecimento de forma conjunta e demonstra o processo de “aprendizagem pela interacção” como o seu elemento conceptual chave. As competências específicas para transferir eficazmente conhecimento através de processos de aprendizagem colectiva são altamente específicas a um tempo e a um espaço. A aprendizagem interactiva e colectiva é baseada em rotinas compatíveis em termos intra e inter-organizacionais, normas e convenções tácitas e mecanismos tácitos de absorção do conhecimento. Isto requer que os actores envolvidos compreendam e partilhem “códigos locais”, em que o conhecimento codificado e tácito de natureza colectiva se suporta. Assim, a capacidade de interpretar códigos locais de forma consistente é um factor crítico para integrar as operações de uma empresa numa rede local de aprendizagem inter-empresas.

Uma vez que a proximidade espacial desempenha um papel chave no processo de produção e transmissão/partilha efectiva de conhecimento tácito, reforça a importância dos clusters de inovação, dos distritos e das regiões. Conforme afirma Florida (1995: 535), “em vez do “fim da geografia”a globalização irá provavelmente aprofundar-se

através de complexos sistemas regionais interdependentes e integrados”. Além disso,

estas regiões também beneficiam da presença de capacidades locais e activos intangíveis que fortalecem o seu poder centrípeto. Muitos destes activos são activos sociais, decorrem das relações entre empresas. Embora não possam ser completamente apropriados pelas empresas individuais, apenas as empresas locais conseguem beneficiar das suas vantagens. Estes activos incluem a dotação institucional específica à região, que pode sustentar e fortalecer as vantagens regionais. Uma vez que estes activos evoluem lentamente no tempo, exibem uma natureza “path dependent”. Este tipo de activos não se consegue deslocalizar num processo de replicação regional, preservando-se assim a vantagem inicial de que já detinham inicialmente. O conceito de

learning region não se afasta muito do conceito de sistema regional de inovação,

defendendo a interacção entre uma pluralidade de actores dentro de um mesmo contexto regional que favorece a produção e acumulação de conhecimento.