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Distritos Industriais e Redes Locais de Interacção

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

2. Abordagens Teórico-Conceptuais das Dinâmicas de Inovação Um dos aspectos de maior relevo que surgiu da análise à génese da inovação realizada

2.2. Contextos Externos e Dinâmicas Territoriais de Inovação

2.2.2. Distritos Industriais e Redes Locais de Interacção

Os principais fundamentos do conceito provêem de Alfred Marshall, que nos seus trabalhos de 1879 (Economics of Industry), 1890 (Principles of Economics ) e 1921 (Industry and Trade), desenvolve o argumento da importância da proximidade geográfica, como forma de as pequenas empresas obterem economias externas de escala, como contrapartida das economias de escala internas inerentes às grandes empresas (Landström, 2005: 235). Marshall distingue dois tipos de economias: economias internas às empresas (eficiência da organização da produção de uma empresa individual) e economias externas às empresas, embora internas à aglomeração em que estas estão inseridas (benefícios resultantes das reduções de custos, da distribuição do

trabalho entre as empresas e da utilização comum de factores de produção). Quanto maiores são os espaços destes factores comuns (terra, capital, trabalho, sistemas de transportes, energia, comunicações), maiores as possibilidades de especialização que eles permitem, conduzindo à descida tendencial dos preços ou a aumentos da produtividade das empresas (Simmie, 2005: 791). Estas economias externas são produzidas e aproveitadas através da concentração espacial das actividades económicas, fazendo dos distritos industriais um tipo especial de aglomeração (Oerlemans, Meeus e Boekema 1999: 7).

A teoria dos distritos industriais foi a “primeira abordagem a conceptualizar as

economias externas de aglomeração como fontes da competitividade territorial”

(Capello, 2007: 185). Fê-lo com um modelo em que os aspectos económicos do desenvolvimento eram reforçados por um sistema sócio-cultural, que gerava rendimentos crescentes e auto-reforçava os mecanismos de desenvolvimento. A teoria desenvolveu-se, originalmente com os trabalhos de Bagnasco (1977), Becattini (1979), Brusco (1982)29, Garofoli (1983), como forma de descrever o sucesso de algumas regiões italianas, iniciados na década de 70 do séc. XX. Num cenário macroeconómico bastante adverso (choque petrolífero, estagflação, estagnação no consumo e no investimento e desvalorização da moeda italiana), algumas regiões italianas demonstravam um forte dinamismo económico e uma capacidade de adaptação notável face às alterações estruturais que então se iniciavam. Estas regiões ficaram conhecidas como a Terceira Itália, localizando-se principalmente no Nordeste e no Centro da Itália. Segundo Capello (2007), a designada Terceira Itália caracterizava-se por um modelo de desenvolvimento assente numa forte concentração espacial de PME e um tipo de empreendedorismo que resultava de sistemas de produção históricos e de natureza local. Os diversos trabalhos de investigação produzidos sobre a tentativa de identificar os factores de sucesso destes sistemas produtivos apontavam, maioritariamente, para a flexibilidade dos mercados locais de trabalho. Estes mercados permitiam o

29 Embora Sebastiano Brusco tenha produzido observações similares às de Bagnasco e Becattini, o seu ponto de partida teórico foi diferente dos restantes. Brusco baseou-se conceptualmente no pensamento de Piero Sraffa – um dos maiores críticos das economias externas de Marshall. Neste sentido, Brusco “recusou-se a aceitar as vantagens da divisão espacial do trabalho decorrentes das economias de escala externas”. Defendia que “as pequenas empresas com moderna tecnologia poderiam ser tão eficientes quanto as grandes empresas – seria apenas uma questão de número – e que devido às convenções sociais das comunidades locais podem-se diminuir os custos de transacção que substituam as economias de escala internas às grandes empresas” (Landström, 2005: 242).

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desenvolvimento de diversos empregos em regime de part-time e o desenvolvimento de sistemas de mobilidade do trabalho entre as empresas locais. Por outro lado, esta abordagem identifica os principais aspectos de cooperação entre produtores: o primeiro diz respeito à provisão de bens colectivos (serviços, programas de formação e educação, investigação e desenvolvimento, cuidados médicos e apoios no desemprego), através de associações empresariais, sindicatos e dos governos locais e regionais. O segundo aspecto materializa-se ao nível do reconhecimento e da aderência a um conjunto de normas de reciprocidade entre os vários actores (partilha de informação técnica, subcontratação, acordos salariais). A reciprocidade é um elemento chave do dinamismo dos distritos industriais, uma vez que “reduz os riscos associados ao investimento e

desenvolvimento de novos produtos e processos, desencorajando, em alternativa, uma estratégia competitiva baseada na competitividade salarial” (Lawson e Lorenz, 1999:

306). Estes factores eram complementados por outros, dos quais se salientam a relativa homogeneidade cultural, social e política (e mesmo religiosa) que suportavam uma longa tradição de cooperação na agricultura e no comércio (ver, por exemplo, Trigilia, 1992). Nesta primeira fase, os principais elementos desta abordagem passavam por três aspectos essenciais: o distrito enquanto unidade de análise e de dinâmica produtiva, a importância de elementos sociais e culturais do desempenho económico do distrito e uma simbiose entre cooperação e competição.

Os diversos trabalhos de investigação e os seus posteriores aprofundamentos ajudaram a cunhar o termo de Distritos Industriais Marshallianos. Becattini utilizou o termo pela primeira vez num artigo escrito em italiano em 1979 e posteriormente traduzido para inglês em 198930. A internacionalização do conceito dá-se após a publicação do livro de Piore e Sabel (1984), onde estes autores fazem dos distritos industriais um caso particular de uma tendência mundial de carácter mais amplo, isto é, a passagem do modelo de produção em massa fordista para um outro regime económico, com características substancialmente diferentes. Nas palavras destes autores “a alternativa

ao keynesianismo das multinacionais como um novo regime económico é a especialização flexível” (Piore e Sabel, 1984: 258). Após uma multiplicidade de

trabalhos em ambos os lados do atlântico, o termo passou a ser profusamente utilizado na literatura (e na política regional), para caracterizar territórios com uma forte

30 Becattini, Giacomo (1989) – “From the industrial ‘sector to the industrial ´district´”, in Goodman, E. e Bamford, J. (Eds) – “Small firms and industrial districts in Italy”. London. Routledge.

concentração geográfica de PME, cada uma delas especializada em alguma ou algumas das fases do processo de produção inerente ao principal sector de actividade local e suportadas por uma rede social dos principais actores económicos. Estas redes sociais consubstanciam-se e ganham eficácia pela partilha de valores culturais e sociais comuns. A partir da década de 80, as rápidas alterações decorrentes da globalização e da revolução tecnológica das tecnologias de informação e comunicação obrigaram a abordagem dos distritos a considerarem como elementos de análise a abertura ao exterior e as relações do distrito e das suas empresas com outros espaços e outras organizações.

Em suma, para que um determinado espaço possa sem considerado um distrito industrial deve respeitar um conjunto de condições que Capello (2007) enuncia da seguinte forma31:

 Proximidade espacial ou contiguidade geográfica entre empresas;

 Proximidade social – um sistema de regras, códigos, instituições comum partilhado por toda a comunidade que regula o mercado; Este sistema induz as empresas a cooperarem e a procurarem na sua proximidade geográfica funções que decidem obter externamente;

 As PME espacialmente concentradas detendo uma elevada flexibilidade produtiva e capacidade de se adaptarem à volatilidade dos mercados. Um elevado nível de especialização do mercado industrial local que permite que todas as fases da produção sejam levadas a cabo por empresas do distrito.

A presença combinada destas condições contribui para o desenvolvimento de vantagens competitivas para as empresas do distrito, aumentando a sua produtividade e o seu desempenho económico. Em termos puramente económicos, estas condições geram rendimentos crescentes sob a forma de economias de localização ou “economias de distrito”. São vantagens associadas à diminuição de custos de produção ou de aumento da eficiência produtiva, decorrentes da proximidade das empresas que operam num mesmo sector de actividade. Estas economias permitem que as pequenas empresas superem melhor os obstáculos decorrentes da sua pequena dimensão, sem que percam as vantagens que essa mesma dimensão lhes proporciona.

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As “economias de distrito” podem tomar diversas formas (Capello, 2007):

 Redução dos Custos de Produção - a existência de diversas empresas fornecedoras, altamente especializadas, reduz os custos de obter e transportar os consumos intermédios necessários à produção. Um mercado de trabalho, que tem flexibilidade suficiente para se adaptar sem grande turbulência a variações quantitativas na procura, também contribui para a redução dos custos de produção. Por outro lado, as normas comuns e as sanções sociais para comportamentos oportunistas, torna mais fácil e seguro a subcontratação de fases da produção mais complexas e caras;

 Redução dos Custos de Transacção (custos das transacções económicas) – A proximidade geográfica que caracteriza o distrito permite uma articulação eficaz entre a procura e a oferta de trabalho, por via de uma densa rede de informação local. Por outro lado, a proximidade social (sistema de regras e normas comuns, códigos de conduta internalizados socialmente, o sentido de pertença a uma comunidade) gera mecanismos de governança que desencoraja comportamentos oportunistas e transacções desonestas e aumenta, dessa forma, a confiança nas diversas transacções e no recurso aos mercados locais, nomeadamente no estabelecimento de cooperação inter-empresas, sob a forma de contractos informais, flexíveis e pouco burocratizados;

 Aumento da eficiência dos factores produtivos – um sistema partilhado de valores sociais e uma concentração espacial de PME actua sobre a capacidade de produção das empresas, no sentido de aumentar a eficiência dos factores produtivos. Existe uma massa crítica de empresas que gera uma panóplia de serviços, que melhora o processo de produção local e que contribui de forma sinergética para a própria imagem da economia local. A proximidade social dá corpo ao que Marshall designava por “atmosfera industrial”: a mentalidade empreendedora, o espírito de cooperação, o conhecimento técnico sobre o ciclo de produção e a socialização do conhecimento torna as empresas mais produtivas;

 Aumento da eficiência dinâmica – no sentido da capacidade de inovação das empresas que operam no distrito. Sublinha-se aqui a importância fundamental do conhecimento acumulado localmente na capacidade inovadora das empresas. Embora as “economias de distrito” sejam as vantagens económicas mais evidentes que explicam a eficiência colectiva atingida pela co-localização de PME especializadas num mesmo espaço, estas economias são reforçadas e potenciadas por outros factores presentes no contexto económico e social. O primeiro decorre da interligação entre os elementos geográfico, económico e social. A aglomeração de empresas num espaço não conduz necessariamente à existência de um distrito industrial e às vantagens que dele decorrem. A proximidade social é a característica típica do distrito industrial. A força motora deste modelo de organização é precisamente a relação entre os aspectos económicos e a estrutura social. O segundo factor diz respeito à integração entre a cooperação e a competição. Se é verdade que na teoria dos distritos industriais é colocada muita ênfase na cooperação entre agentes, não é menos verdade que a competição entre eles é elevada e bastante agressiva. É através dessa competição que o distrito confere valor económico e aumenta a qualidade dos bens que produz. Segundo Lawson e Lorenz (1999: 305), uma das principais conclusões da literatura dos distritos industriais era a de que o “dinamismo tecnológico do distrito dependia das empresas

manterem entre si um equilíbrio específico entre cooperação e competição”. Por último,

a presença de uma estrutura de governança. Instituições e agentes locais desenvolvem mecanismos de regulação que permitem um equilíbrio estável entre competição e cooperação.

Em síntese, no que concerne à nossa principal preocupação neste trabalho – a natureza e a importância dos contextos externos para o processo de inovação – a teoria dos distritos industriais foi a primeira teoria a dar ao território um papel activo no desenvolvimento económico, enriquecendo o conceito de economias de aglomeração com as dimensões social, cultural e política. O território é tomado como um contexto externo gerador de vantagens de localização, uma vez que permite reduzir os custos de produção e de transacção e permite um uso mais eficiente dos recursos, conduzindo ao aumento da produtividade e dos lucros das empresas. Neste sentido, o território contribui activamente para a exploração e o aproveitamento de uma trajectória de desenvolvimento de capacidades de produção das empresas inseridas no distrito. Por

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outro lado, salienta a natureza endógena dos factores do desenvolvimento, como sejam o empreendedorismo, a flexibilidade da produção, as “economias de distrito” e a presença de um contexto social e cultural e de uma estrutura institucional capaz de relevar o potencial endógeno das economias locais. Finalmente, a literatura dos distritos industriais contribui para a “compreensão das fundações territoriais da cooperação

inter-empresas e da forma de resolução de potenciais problemas de natureza colectiva”

(Lawson e Lorenz, 1999: 306).

Não obstante estas contribuições, a teoria dos distritos industriais tem sido alvo de algumas críticas que importa salientar. Em primeiro lugar, ao colocar uma grande ênfase na dimensão endógena do desenvolvimento tende a menorizar os aspectos exógenos que condicionam qualquer trajectória de desenvolvimento, nomeadamente as condicionantes macroeconómicas que interferem com a dinâmica da economia local32. Em segundo lugar, a componente estática da teoria e a tendência para uma descrição a posteriori dos fenómenos espaciais. A teoria é capaz de quantificar de forma satisfatória a vantagem da terceira Itália sobre as restantes regiões, mas tem menos sucesso em identificar os determinantes do crescimento e da dinâmica das regiões da terceira Itália, da capacidade de resposta ao aumento da competição mundial, às rápidas alterações tecnológicas, ao aumento dos custos do trabalho e da produção e ao congestionamento das infra- estruturas gerado pelo sucesso económico. Estes são factores podem fazer diminuir consideravelmente as vantagens dos distritos industriais, podendo mesmo conduzir ao desaparecimento do distrito, enquanto tal. Em terceiro lugar, a teoria (ou alguns desenvolvimentos feitos por outras escolas que nela se suportaram) coloca uma ênfase exagerada na especialização e na flexibilidade. Actualmente, as grandes empresas ganham crescentemente flexibilidade à medida que desenvolvem modernas tecnologias de produção e novas formas de organização da produção (just in time). Finalmente, esta abordagem não contribui da mesma forma para a compreensão das dinâmicas ao nível do território para a capacidade das empresas gerarem novo conhecimento e desenvolverem processos de aprendizagem. Os efeitos do espaço na actividade económica não vão para além de melhorias do nível de eficiência estática dos processos produtivos, isto é, num aumento das receitas das empresas e na diminuição dos seus custos (Capello, 2007: 193), conducentes a aumentos de produtividade. Quando se trata

32 Basta que se pense nas consequências resultantes da crise internacional actual na actividade económica em geral.

de compreender a vantagem competitiva de áreas de alta-tecnologia (micro-electrónica, tecnologias de processamento de informação, biotecnologias) muito dependentes de inovação de produto, a literatura dos distritos industriais apresenta algumas limitações, isto é, não se trata explicitamente a forma como o conhecimento é usado e transformado no processo de criação de novos produtos e processos e qual a importância da orgânica de localização empresarial nesse processo (Lawson e Lorenz, 1999: 306).

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Figura 2.2.2.1 – Condições genéticas e vantagens do distrito industrial: uma taxonomia