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Sistemas Nacionais de Inovação

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

PRÉ-CONDIÇÕES CONTEXTOS

2.2.4. Sistemas Nacionais de Inovação

Segundo Lundvall (2007), o conceito de Sistema Nacional de Inovação desenvolveu-se, de forma paralela, na Europa e nos EUA durante os anos 80 do séc. XX. Neste âmbito, a colaboração entre Chris Freeman e o grupo IKE (em Aalborg), no início dos anos 80, foi fundamental para construir os fundamentos conceptuais das versões iniciais do conceito. Freeman contribuiu com uma profunda compreensão dos processos de inovação, nomeadamente através da sua referência a Friedrich List, em 1982, permitindo fazer a ligação entre o conceito e os processos de catching-up. O grupo IKE, inspirado pelos economistas do desenvolvimento e pelos marxistas estruturalistas franceses, contribuiu com ideias associadas aos “sistemas de produção nacional” e “complexos industriais”. Este grupo considerava a integração vertical da produção como essencial para o desempenho económico de um país e ligava este conceito à análise da especialização internacional e à competitividade internacional. Foi dentro deste grupo que se desenvolveram as principais micro-fundações do conceito, nomeadamente através da ideia de aprendizagem interactiva entre consumidores e produtores e da aplicação de algumas abordagens da economia institucional à inovação. Neste âmbito, desenvolveram-se duas grandes tendências metodológicas. A primeira, iniciada por Freeman (1987) e seguida por Nelson (1993), centrou as suas atenções no estudo de diversos casos. Enquanto estes autores se focaram na comparação dos sistemas de inovação e das instituições de diversas nações e na identificação dos grandes actores nacionais, Lundvall desenvolveu uma abordagem mais “micro” e baseada na forma como a aprendizagem ocorre nos sistemas económicos (ver figura 2.2.4.1). Tal como Schumpeter, Lundvall vê as inovações como novas combinações de conhecimento oriundo de diferentes fontes mas, ao contrário de Schumpeter, não vê razões para se concentrar apenas nas “grandes” inovações. O impacto cumulativo de pequenas inovações poderá ser igualmente significativo no sistema económico Fagerberg (2003: 141).

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Figura 2.2.4.1 – Principais definições e focos empíricos dos Sistemas Nacionais de Inovação

Freeman (1987) Lundvall (1992) Nelson (1993)

Definição

Rede de instituições dos sectores públicos e privados cujas actividades e interacções iniciam, modificam e difundem novas tecnologias

As duas componentes mais importantes são a estrutura económica e o

enquadramento institucional que, conjuntamente, definem o sistema de inovação

Refere-se à economia nacional e a explicação das diferenças de sistemas de inovação dos países decorre das diferenças nas estruturas produtivas e na organização das

instituições

Foco Empírico

Comparação de nações baseada nas suas inovações e nos ajustamentos nas instituições sociais

A perspectiva histórica do desenvolvimento das estruturas produtivas e das instituições nos diferentes países; estudo do processo de aprendizagem nos sistemas económicos

Diferenças nos sistemas de I&D e das instituições dos países

Fonte: Elaboração própria com base em Meeus e Oerlemans (2005), Edquist (2005), Lundvall (2007) e Fagerberg (2003)

Conforme afirma Lundvall (2007: 96), o grupo IKE nasceu e desenvolveu-se a partir de uma base crítica às políticas nacionais que ajudaram a definir os pressupostos da competitividade internacional, muito assentes em políticas de baixos salários, aumento da carga fiscal e de desvalorização das moedas nacionais. O conceito foi usado inicialmente por Freeman34, em 1982, como forma de criticar o designado “Consenso de

Washington”, onde os pressupostos da competitividade assentavam essencialmente na

competição por via do sistema de preços. Ora, esta nova escola de pensamento compreendia o capitalismo como um processo evolucionista conduzido pela inovação organizacional e tecnológica, onde as instituições sociais desempenham também um papel importante nos resultados económicos. Um processo em que as empresas enfrentam níveis de incerteza e de instabilidade elevados como nunca a economia neo- clássica havia considerado (Morgan, 1997: 492). Neste sentido, o conceito de sistema nacional de inovação foi sendo construído como instrumento analítico de desenvolvimento económico, alternativo ao enquadramento económico ortodoxo e como forma de criticar a pouca atenção dada pelas visões tradicionais às questões da inovação e dos processos de aprendizagem na dinâmica do crescimento e do desenvolvimento económico (ver figura 2.2.4.2).

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Figura 2.2.4.2 – Perspectivas Diferentes de Análise Económica

AFECTAÇÃO INOVAÇÃO

ESCOLHAS Economia Ortodoxa Neoclássica Gestão Inovação

APRENDIZAGEM Economia Austríaca Sistemas de Inovação

Fonte: Lundvall (2007: 109)

É neste contexto que deve ser entendido o conceito de SNI, um conceito fundado em princípios teóricos da economia evolucionista, nomeadamente no papel estratégico do conhecimento e da aprendizagem, na importância das rotinas, dos mecanismos de selecção de empresas e produtos e na co-evolução das estruturas produtivas, económicas, sociais e institucionais.

Figura 2.2.4.3 – Contribuição original dos Sistemas Nacionais de Inovação

Sistema Nacional Inovação

1. O todo é maior do que a soma das partes;

2. Tão importantes como os elementos individuais são as relações de

interdependência entre os elementos do sistema;

3. As macroestruturas são moldadas pelos micro-processos;

4. Espera-se que cada sistema desenvolva a sua própria dinâmica, complexa e caracterizada por mecanismos de co-evolução e auto- organização

1. A dimensão nacional justifica-se pelo facto de o conceito ter sido desenvolvido para confrontar estratégias de política de âmbito nacional e conceitos económicos ortodoxos afectos à escala nacional

1. Herança de Schumpeter com ênfase também na difusão das inovações; 2. Processo cumulativo e dependente do passado; Conhecimento como recurso fundamental e aprendizagem como processo subjacente à criação e acumulação de conhecimento; 3. A relação entre inovação

tecnológica e resultados económicos é intermediada pelas alterações

organizacionais e institucionais

Fonte: Elaboração própria com base Lundvall (2007)

Em síntese, e seguindo Lundvall (2007: 102-3), podemos explicitar a orgânica e a dinâmica dos sistemas nacionais de inovação através de poucas, embora importantes, ideias chave: o conhecimento é o recurso mais relevante das economias e o enquadramento da economia de aprendizagem sugere que a alteração mais relevante não é propriamente a utilização mais intensiva do conhecimento, mas o facto de o conhecimento se tornar obsoleto com muito maior rapidez. Isto significa que sendo as empresas as organizações mais relevantes no sistema de inovação, a sua estrutura organizacional tem influência directa na inovação e na forma como esta é transformada em resultados económicos. É, por isso, fundamental, que as empresas promovam a

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aprendizagem organizacional e desenvolvam constantemente novas competências. As empresas inovam de forma interactiva com outras empresas e com outras organizações detentoras de conhecimento, como sejam as universidades e as instituições de investigação. O modo de inovação das empresas – as actividades que desenvolvem, a aprendizagem subjacente – está dependente dos sistemas de educação nacionais, dos mercados de trabalho, dos mercados financeiros, dos direitos de propriedade intelectual, da competição nos mercados e dos sistemas de segurança social. Finalmente, o elemento chave diferenciador de empresas, sectores, regiões e nações é o papel desempenhado pelo conhecimento, na sua forma tácita e codificada, nos processos de inovação. A natureza do conhecimento e os processos de aprendizagem que lhes estão subjacentes determinam os modos de inovação das empresas, sectores e regiões. Conforme Lopes (2001: 72) sintetiza, esta abordagem “tem como premissas fundamentais a assunção de

que o conhecimento constitui o principal recurso económico das sociedades modernas e de que o processo de aprendizagem que o produz é um processo de natureza interactiva e iminentemente social, não podendo por isso ser aferido fora do contexto institucional e social em que ocorre”.

Embora a abordagem dos sistemas nacionais de inovação seja particularmente relevante para enquadrar medidas de política associadas à inovação, sofre, contudo, de algumas limitações. Em primeiro lugar, as relações encontradas entre a universidade e algumas indústrias, nomeadamente na biotecnologia e na farmacêutica, conduziram à generalização da relação entre universidade e indústria. Esta generalização levou alguns responsáveis políticos a delinear medidas de política e reformas, negligenciando outras funções mais relevantes do sistema de ensino superior (educação e formação qualificada de indivíduos) face à sua função de “intermediário de actividade de inovação” (Lundvall, 2007: 97). Em segundo lugar, a noção de “sistema” associada ao conceito pode ser problemática. O facto de se considerar que um sistema contempla um conjunto de elementos e as relações que entre eles se estabelecem leva a que, por vezes, se tenha uma visão mecanicista e determinista de um sistema onde é possível construir, governar e manipular facilmente a dinâmica em causa. Veja-se, por exemplo, a interpretação mecanicista subjacente à ideia que se podem construir de forma voluntarista com “caneta e papel” políticas regionais conducentes à formação de clusters ou de sistemas regionais de inovação (Lundvall, 2007: 97). Em terceiro lugar, uma crítica normalmente feita à literatura dos sistemas nacionais de inovação é que é tão ampla que pode incluir

virtualmente tudo35. Kumaresan e Miyazaki (1999: 564) argumentam que, embora o conceito esteja solidamente fundamentado, em termos conceptuais, cobre demasiados aspectos: enquadramento institucional, relações inter-empresas, organização de I&D, sistemas de educação e formação, dotação de recursos naturais, mecanismos de financiamento e até mesmo aspectos culturais. Finalmente, trata-se de um conceito a- espacial, no sentido em que “explicando tudo” acaba por ter um grau de abstracção que não permite enquadrar adequadamente soluções territoriais específicas, assim como o papel do território no próprio sistema de inovação e na eficácia dos seus processos. É o contexto e a proximidade institucional36 que acaba por definir o território em análise. O território é, assim, definido pelas normas jurídico-institucionais que o determinam à partida.