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Fontes de Conhecimento e Mecanismos de Governança

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

1. Génese do Processo de Inovação

1.2. Conhecimento, Aprendizagem e Processo de Inovação

1.2.3. Fontes de Conhecimento e Mecanismos de Governança

Tem-se vindo a argumentar que o conhecimento que permite conferir eficácia ao processo de inovação deve ser considerado como o resultado de múltiplas interacções e processos de aprendizagem localizadas entre uma diversidade de agentes, susceptíveis de aprenderem e desenvolverem redes de relações, embora com restrições relativas às diferentes formas de conhecimento e às competências acumuladas por cada organização, ou à natureza das externalidades que é possível obter nos diversos contextos e sectores de actividade económica. O novo conhecimento obtêm-se por via da combinação e da recombinação de fragmentos dispersos de conhecimento a que é necessário aceder através de quatro actividades específicas: aprendizagem, socialização, recombinação e investigação e desenvolvimento (Antonelli, 2005a: 10). Estas actividades são complementares e existe um nível de substituição limitado entre elas. As empresas geram novo conhecimento articulando e complementado conhecimento acumulado internamente à sua organização com conhecimento externo, circunscrito por acção da racionalidade limitada e das diversas tipologias de proximidade que permitem articular e integrar esse conhecimento de uma forma mais ou menos eficaz com as necessidades internas de cada organização.

A “função de produção” de conhecimento de uma organização não pode deixar de utilizar como inputs diversas complementaridades entre conhecimento expresso de forma tácita e codificada, tanto de origem interna como externa à organização. Embora se possam considerar diversas combinações possíveis dentro destas quatro componentes, o seu grau de substituibilidade nunca será completo. Por outro lado, a

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identificação do papel central do conhecimento externo na produção de novo conhecimento e o trade-off entre níveis de apropriabilidade e produção de conhecimento vêm realçar a importância do papel dos mecanismos de governança e de coordenação das interacções e trocas de conhecimento entre os diversos actores, quer dentro das organizações quer nos (e entre os) contextos externos. Níveis reduzidos de apropriabilidade conduzem a situações de sub-investimento no conhecimento, enquanto regimes de apropriabilidade elevados podem tornar o processo muito lento (Antonelli, 2002c: 4). Nestes termos, o conhecimento externo é um input intermédio essencial no processo de produção de novo conhecimento. Importa, por isso, analisar os mecanismos de governança do conjunto de interacções entre os agentes, incluindo a comunicação e a coordenação da divisão do trabalho e das transacções de mercado, e dos seus efeitos em termos de geração e/ou distribuição de novo conhecimento (Antonelli, 2002c: 5). Simultaneamente, a literatura afecta à economia regional e territorial tem contribuído significativamente para esta nova abordagem, salientando o papel território na produção, distribuição e circulação do conhecimento.

O conhecimento tecnológico pode circular através de três mecanismos de governação alternativos, ainda que possam ser complementares (Antonelli, 2003: 599-600). Em primeiro lugar, através das transacções mercantis de conhecimento. Os mercados de conhecimento são caracterizados e limitados pelos custos de transacção e estes são relevantes tanto do lado da procura como do lado da oferta. Do lado da procura, a identificação de agentes que detenham conhecimento relevante e a avaliação da sua qualidade manifesta-se em custos de procura. Do lado da oferta, o uso não controlado de conhecimento pode acontecer com prejuízos evidentes para o produtor. Os custos de transacção de conhecimento surgem principalmente devido aos elevados riscos de comportamentos oportunísticos nos momentos das transacções, aos elevados custos de coordenação associados à complexidade da articulação inter-empresas e, finalmente, aos custos de comunicação com empresas externas (Swann, 2009:180). As diminuições dos custos de transacção do conhecimento fazem-se, essencialmente, através de dois mecanismos: regimes de direitos de propriedade intelectual e empresas especializadas em conhecimento. Quando estes dois mecanismos não são suficientes surgem as falhas de mercado que têm custos elevados, na medida em que diminuem as oportunidades de

aproveitar os rendimentos crescentes da complexidade e da fungibilidade do conhecimento.

Em segundo lugar, surgem os processos de aprendizagem dentro das organizações e uma coordenação de actividades através de hierarquias burocráticas. Os custos de coordenação limitam o número de actividades que podem ser internalizadas e, consequentemente, a quantidade de conhecimento que pode ser gerado e implementado internamente. Os custos unitários de coordenação também são sensíveis à variedade de actividades que necessitam de ser internalizadas. A forma como evoluem os custos unitários de coordenação face ao aumento de variedade de actividades determina as actividades complementares que não podem ser mantidas nas fronteiras da empresa. Como consequência, perdem-se oportunidades económicas e muitas vezes as empresas não são capazes de implementar todas as oportunidades que elas próprias criaram. Em terceiro lugar, o desenvolvimento de redes baseadas em transacções e serviços especializados – o trabalho em rede permite valorizar as complementaridades do conhecimento e, consequentemente, aceder e gerar novo conhecimento. As interacções entre actividades que não são trocadas nos mercados e que não são internalizadas mas que são complementares, quer em termos de complexidade quer de fungibilidade, podem realizar-se através de trabalho em redes, que podem tomar diversas formas e produzir múltiplos resultados. As redes de conhecimento requerem actividades dedicadas e partilha de normas e comportamentos24. O trabalho em rede consiste numa partilha sistemática e organizada de códigos de conduta entre agentes independentes, que concordam, tácita ou explicitamente, em empreender interacções de partilha de conhecimento qualificadas em termos de confiança, reciprocidade e repetição.

Finalmente, o território disponibiliza um espaço de interacção privilegiado para desenvolver trabalho em rede, quer por via do aproveitamento das diferentes localizações que oferece e que nunca são independentes de um contexto territorial específico, quer como resultado dos múltiplos actores e das bases de conhecimento associadas que permite mobilizar. A coordenação inter-organizacional das interacções de conhecimento torna-se menos complexa, devido à partilha de códigos comuns, protocolos e padrões culturais e, consequentemente, sistemas de comunicações mais efectivos e menos onerosos (Patrucco, 2003; Antonelli, 2001). A localização pode ser

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vista, neste sentido, como um substituto e um complemento à reputação e aos acordos contratuais de natureza formal.

O enquadramento elaborado mostra que os mercados, as empresas e as regiões são sistemas organizacionais distintos concebidos sobre diferentes procedimentos e mecanismos de governação. Os mercados, as empresas e as regiões complementam-se entre si, possibilitando a coordenação necessária para que as interacções aconteçam sempre que o mecanismo de preços não serve como único mecanismo de coordenação de trocas (Antonelli, 2003a). Os mecanismos de governação e coordenação necessários à efectivação da produção, acumulação e utilização do conhecimento decorrem, naturalmente, das características do conhecimento envolvido. Deste modo são “os níveis

de codificação, complexidade e fungibilidade do conhecimento que contribuem para a emergência de diferentes mecanismos de governação” (Antonelli, 2002c: 6). O quadro

1.2.3.1 procura fazer a síntese dos diferentes mecanismos de governação face às restrições colocadas pela indivisibilidade do conhecimento.

Quadro 1.2.3.1 – Mecanismos de Governação vs. Indivisibilidade Conhecimento

Transacções Mercado Learning Interno Networks

Complexidade Elevados custos de transacção de conhecimento Elevados custos de coordenação de conhecimento Elevados custos de interacção de conhecimento Fungibilidade Elevados custos de transacção de conhecimento Elevados custos de coordenação de conhecimento Elevados custos de interacção de conhecimento Objectivo do mecanismo de governação Minimizar custos de transacção de modo a aproveitar as oportunidades dos rendimentos crescentes Minimizar custos de coordenação de modo a aumentar o número de actividades complementares que podem ser internalizadas

Realizar interacções que não são transaccionadas nos mercados nem

internalizadas mas que são complementares, no que respeita à produção ou ao uso do conhecimento

Fonte: elaboração própria com base em Antonelli, 2003a