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Spillovers de conhecimento e proximidade espacial

Parte I – Inovação, Conhecimento e Redes

2. Abordagens Teórico-Conceptuais das Dinâmicas de Inovação Um dos aspectos de maior relevo que surgiu da análise à génese da inovação realizada

2.2. Contextos Externos e Dinâmicas Territoriais de Inovação

2.2.1. Spillovers de conhecimento e proximidade espacial

A valorização dos contextos externos às empresas, nomeadamente os contextos espaciais, na dinamização das actividades e processos de inovação tem sido alvo de diversas abordagens e escolas de pensamento. A abordagem que tem maior relevância para este trabalho e que procuraremos analisar nesta secção – designada de “Spillovers do Conhecimento” –, relaciona os spillovers de conhecimento, a inovação e o espaço geográfico e, simultaneamente, toma como instrumentos de enquadramento formal a função de produção de conhecimento (FPC), ou variações da sua explicitação original. Segundo Maier e Sedlacek (2005:1), “em anos recentes, muita literatura tem vindo a

debruçar-se, de uma forma ou de outra, sobre os efeitos spillovers na inovação e na produção de conhecimento”. A literatura sobre os spillovers do conhecimento

desenvolvida nos anos noventa, toma como ponto de partida uma constatação: as actividades de inovação apresentam uma elevada concentração espacial (Feldman, 1994; Audretsch e Feldman, 2004; Krugman, 1991a; 1991b). Nas palavras de Audretsch e Feldman (2004), o reconhecimento deste facto “ajudou a despoletar uma nova

literatura com o objectivo de compreender a dimensão espacial das actividades de inovação”. A leitura que a abordagem dos spillovers de conhecimento faz deste

fenómeno pode ser descrita brevemente da seguinte forma: a dimensão espacial da inovação decorre do facto de as actividades de inovação apresentarem elevados graus de concentração geográfica e essa mesma concentração gerar rendimentos crescentes com efeitos positivos sobre essas actividades inovadoras (Capello, 2007). Esses rendimentos crescentes decorrem de fertilizações cruzadas, interacções dinâmicas entre clientes e fornecedores, sinergias que ocorrem entre centros de investigação, universidades e unidades de produção local. Essa concentração explica-se, em larga medida, como forma de as empresas e outras organizações absorverem os spillovers de conhecimento existentes nesse contexto e os utilizarem na sua produção de conhecimento. Desta forma, as empresas ganham acesso a novo conhecimento contribuindo para aumentar o seu potencial inovador e para o aumento da sua produtividade e do crescimento económico em geral, quer por via da imitação de produtos e/ou processos, quer pelo uso do conhecimento como input do seu próprio processo de inovação (Fischer, 2006). A explicação deste fenómeno é a seguinte: a concentração de localizações facilita o aproveitamento de conhecimento científico e tecnológico desenvolvido pelos centros de investigação e pelas universidades; permite também aceder mais facilmente a conhecimento necessário a actividade de imitação e engenharia reversível; assegura o rápido acesso a trabalho especializado e altamente qualificado e a serviços avançados de apoio (Capello, 2007). Nesta perspectiva, a proximidade geográfica é uma condição necessária para a ocorrência e para o acesso aos spillovers de conhecimento. Subjacente a todo este raciocínio está o pressuposto de que o conhecimento se espalha (spill) livremente para a atmosfera e as empresas podem dele retirar benefícios sem qualquer custo associado, uma vez que se tratam de “interdependências que não são mediadas

pelo mecanismo de preços e não existem quaisquer custos reais para as empresas que exploram esses ganhos” (Antonelli, 2008: 3).

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A literatura dos spillovers de I&D argumenta que a inovação é uma actividade cumulativa e, neste caso, as empresas que se localizem em territórios que possuam elevados stocks de conhecimento acumulado beneficiam individualmente das actividades de inovação conjuntas. A interligação de dois mecanismos ajudam a explicar este facto. Assumindo uma função que relaciona inversamente a distância física com a comunicação e a transferência do conhecimento e devido à sua propriedade de bem público (Arrow, 1962), o conhecimento acumulado no território espalha-se involuntariamente sobre outros actores, nomeadamente às empresas dessa região (Oerlemans e Meeus, 2002: 9). Logo, desde que se encontrem suficientemente próximos, as empresas podem beneficiar de partes desse conhecimento, por via das externalidades positivas que se espalham à economia. Os benefícios das actividades de I&D não se limitam às fronteiras das empresas, elas espalham-se pelos contextos externos funcionando como vantagens para as actividades inovadoras de outras empresas.

O aspecto que importa aprofundar com maior detalhe no âmbito deste trabalho é qual o significado que esta abordagem atribui à “dimensão espacial da inovação”. Qual a importância que esta abordagem reconhece território no processo de inovação? Os estudos iniciais no âmbito dos spillovers de conhecimento são normalmente atribuídos a Griliches (1979, 1990 e 1992) e Jaffe (1986), que utilizam uma função de produção de conhecimento (FPC) permitindo o tratamento formal da produção de conhecimento na economia (Maier e Sedlacek, 2005). Griliches adopta uma FPC tendo subjacente a seguinte lógica: o output de inovação é função de um conjunto de inputs de inovação. Em termos formais, assume a seguinte expressão geral:

[1]

I representa a variável inovação (output), I&D representa o input de novo conhecimento, CH representa os inputs de capital humano (qualificação emprego, nível de escolaridade, etc.) e o índice i corresponde à unidade de observação para a estimação do modelo. As estimações levadas a cabo por diversos autores apresentaram robustez suficiente, tanto ao nível agregado (país) como ao nível sectorial. Contudo, a sua significância em termos micro – empresas ou segmentos de negócio – não foi igualmente satisfatória (Audretsch e Feldman, 2004: 3). A leitura feita sobre estes resultados sugeria a existência de externalidades que, não sendo possível captar ao nível

micro, se manifestavam, de forma indirecta, a nível agregado. Por outro lado, diversos estudos levados a cabo noutras abordagens identificavam uma nova realidade: a inovação não era um exclusivo das grandes empresas – detentoras de grandes laboratórios de I&D – e as PME apareciam como elementos relevantes nas dinâmicas de inovação. Colocava-se então a questão: onde vão estas PME buscar o conhecimento susceptível de produzir inovações, quando os seus investimentos em I&D são relativamente modestos e em muitos casos inexistentes? Não querendo colocar em causa o modelo da FPC, os investigadores sugeriram que o problema estava na unidade de análise. Passou-se então a estimar a sua FPC relativamente a um espaço geográfico específico alterando, desta forma, a unidade de análise. A equação [1] passa a ter mais um índice g – unidade geográfica –, representativo da unidade geográfica escolhida para proceder à respectiva estimação da relação explicitada.

[2]

Do ponto de vista formal, a dimensão espacial da inovação não foi considerada, para além da significância estatística dos parâmetros de cada estimação em particular. Do ponto de vista conceptual, esta abordagem procurou construir uma argumentação que justificasse a importância da proximidade geográfica no processo de inovação. As preocupações passaram pela explicitação do porquê, do como e dos mecanismos da transmissão do conhecimento. A natureza tácita do conhecimento, a capacidade de absorção, os rendimentos crescentes à escala do espaço (e não da empresa), permitiram desenvolver uma narrativa sobre a forma como epicentro da aglomeração geográfica produz efeitos positivos no desempenho das empresas, que se reduzem à medida que nos afastamos geograficamente desse centro de gravidade e dos benefícios inerentes a essa centralidade.

A abordagem dos “spillovers de conhecimento” tem sido alvo de várias críticas. Krugman (2010) refere que não vale a pena sequer tentar medir os spillovers de conhecimento, uma vez que é um fenómeno invisível que se espalha na atmosfera Marshalliana. Capello (2007) salienta que as despesas em I&D e as patentes são indicadores altamente selectivos da actividade inovadora. Ambos capturam apenas inovações de produto, normalmente associadas às grandes empresas. Negligenciam as inovações de processos, a imitação criativa e a engenharia reversível, processos inovadores levados a cabo pelas pequenas empresas. Por outro lado, a abordagem

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adopta uma visão muito redutora da dimensão espacial da inovação. O conceito de espaço considerado pela abordagem é puramente geográfico, considerando-se apenas a distância física entre actores (Capello, 2007). O efeito de spillovers acontece simplesmente como resultado da possibilidade de contacto físico entre agentes. Deste modo, esta abordagem não permite explicar os processos e os mecanismos pelos quais o conhecimento de espalha ao nível local, uma vez que apenas considera a probabilidade de contacto entre potenciais inovadores como fonte de difusão espacial. A literatura tem apontado diversos mecanismos, desde a monitorização e a imitação de concorrentes, a análise de patentes ou artigos científicos, spin-offs ou a mobilidade de trabalho qualificado (Tödtling, Lehner e Kaufmann, 2006). Contudo, a crítica mais importante decorre, de facto, de se tratar de uma abordagem que tem subjacente um modelo de inovação linear, suportado unicamente por processos formais de I&D (conhecimento analítico), produção de conhecimento formal e codificado, conduzindo à produção de patentes (como output). Preocupa-se, essencialmente, com a questão da difusão da inovação e de transferência de tecnologia e demonstra pouca preocupação com o processo de criação do conhecimento. Deste modo, negligencia a questão essencial da natureza interactiva da aprendizagem, dos processos informais e do desenvolvimento de capacidades criativas, aspectos essenciais no processo de inovação. Finalmente, se as externalidades do conhecimento fossem suficientes, como mecanismo de obtenção de conhecimento externo para as empresas desenvolverem as suas actividades de inovação, por que razão se criariam e formalizariam intencionalmente alianças, cooperações e redes de múltipla natureza, actividades complexas e onerosas?