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O tratamento nacional pode ser definido como o princípio por meio do qual o país receptor concede ao investidor/investimento estrangeiro tratamento não menos favorável do que o tratamento concedido ao investidor/investimento nacional.282

Uma das principais características dessa regra constitui-se em sua relatividade283, ou seja, o conteúdo do tratamento concedido ao investidor/investimento estrangeiro varia de acordo com o tratamento estabelecido pela legislação nacional do país receptor do investidor/investimento nacional que se encontre nas mesmas circunstâncias.284

Ao garantir que o investidor/investimento gozará de tratamento não menos favorável do que o concedido aos investidores/investimentos nacionais, a regra de tratamento nacional é uma das mais importantes para assegurar determinado tratamento ao investidor/investimento estrangeiro nos países receptores, mas também é tema fundamental na questão do desenvolvimento no que se refere ao investimento estrangeiro.285 Ao estipular igualdade formal entre nacionais e estrangeiros – quando na realidade muitas indústrias nacionais encontram-se em situação de desvantagem e necessitariam de tratamento privilegiado – a regra do tratamento nacional revela-se contrária aos interesses do desenvolvimento econômico almejado pelos Estados.

Há uma antiga discussão, no âmbito do direito internacional do investimento estrangeiro, quanto à regra do tratamento nacional. Se por um lado os países receptores de investimentos, particularmente os países latino-americanos defensores da Doutrina Calvo286, alegam que os investidores estrangeiros não devem gozar de tratamento mais favorável do que 281 UNCTAD, 2004d, p. 146. 282 Muchilinski, 1995, p. 626. 283 UNCTAD, 2004d, p. 162. 284 Muchilinski, 1995, p. 626. 285 UNCTAD, 2004d, p. 161. 286

“A Doutrina Calvo foi criada pelo jurista e diplomata argentino Carlos Calvo, que defendia que os investidores estrangeiros não deveriam gozar de condições melhores do que os investidores nacionais e seus direitos e obrigações deveriam ser determinados exclusivamente por meio da jurisdição dos tribunais nacionais. Sua tese foi adotada na First International Conference of American States em 1889, em que a Comissão ad hoc em Direito Internacional concluiu: ‘Foreigners are entlited to enjoy all the civil rights enjoyed by natives and they shall be accorded all the benefits of said rights in all that is essential as well as in the form or procedure, and the legal remedies incident thereto, absolutely in like manner as said natives. A nation has not, nor recognizes in favour to foreigners, any other obligations or responsabilities than those which in favour of the natives are established in like cases by the constitution and the laws’”. Redfern, Hunter, 2004, p. 167.

o concedido aos investidores nacionais, independentemente de este tratamento ser inferior aos padrões mínimos internacionais; por outro lado os países exportadores de capital defendem a aplicação da doutrina da responsabilidade do Estado por danos causados aos estrangeiros e suas propriedades, postulando que o direito internacional consuetudinário estabelece um padrão internacional mínimo de tratamento que deve ser respeitado.

Segundo os defensores da Doutrina Calvo, os investidores estrangeiros têm direito a um tratamento similar ao concedido aos nacionais dos países receptores de investimentos, sem possibilidade de tratamento privilegiado.287 A seu turno, entendem os países desenvolvidos, exportadores de capital, que existe no direito internacional um padrão mínimo de tratamento (international minimum standard), ao qual os investidores estrangeiros têm direito288 e que permite tratamento mais favorável ao estrangeiro quando o tratamento concedido pelo país receptor ao investidor nacional for inferior ao estabelecido pelo padrão mínimo internacional.289

Segundo Sornarajah, este quadro marcado por posturas divergentes vem sofrendo mudanças:

“[...] diferentemente do que se dava no passado, quando o tratamento nacional era completamente rejeitado, já que este tratamento era, no caso de alguns países, abaixo do padrão mínimo defendido pelos países exportadores de capital, no caso dos acordos bilaterais modernos, o tratamento nacional tem suas vantagens, uma vez que os Estados reservam muitos setores econômicos e privilégios aos seus nacionais. Além disso, o tratamento nacional na fase de entrada do investimento é considerado um importante direito, já que concede ao investidor estrangeiro o direito de entrada e estabelecimento no país receptor. Acordos que visam à liberalização contêm tais direitos antes da entrada e do estabelecimento. A concessão do tratamento nacional após a entrada do investimento pode conferir vantagens aos estrangeiros, já que serão atribuídos a eles os mesmos privilégios concedidos aos nacionais. Por essa razão, há uma tendência entre os países desenvolvidos de defender o tratamento nacional como um padrão relevante e abordar a questão da responsabilidade internacional com fundamento na discriminação resultante do fracasso em conceder tratamento nacional ao investidor estrangeiro.[...]”290 287 Moisés, 1998, p. 29. 288 Moisés, 1998, p. 29. 289 Muchilinski, 1995, p. 626. 290

“[…] unlike in the past when national treatment was rejected altogether, because such treatment was in the case of some countries lower than the minimum standard, contended for by the capital exporting states, in modern times, national treatment may have its advantages as states reserve many of their economic sectors and privileges to their national. In addition, national treatment at the stage of entry is regarded as an important right, as it entitles the foreign investor to a right of entry and establishment in the host state. Treaties, which aim at liberalisation, contain such pre-entry rights of establishment. The granting of national treatment after entry may confer advantages on aliens, as it will grant them the same privileges enjoyed by nationals. For this reason, there is a tendency among developed states to support national treatment as a relevant standard and to approach the

Existem BITs que não mencionam a regra do tratamento nacional, como se nota, por exemplo, em alguns acordos firmados pela China e em seu modelo de acordo bilateral de investimentos de 1994.291 Esta posição pode ser explicada pela existência de muitas empresas estatais às quais se concedem benefícios que não se deseja estender aos investidores estrangeiros. Há, ainda, acordos que não contêm a regra do tratamento nacional porque o próprio país exportador de capital não tem interesse na inclusão da mesma, uma vez que as condições de tratamento dos investidores nacionais do país receptor são inferiores ao padrão mínimo.292

Os acordos que contêm previsão do tratamento nacional podem tanto dispor sobre a regra por meio de cláusula geral de tratamento nacional quanto ir além dela, apresentando disposições mais específicas sobre tratamento não-discriminatório. O modelo de acordo bilateral de investimentos de 1998 da Alemanha é um exemplo de cláusula geral de tratamento nacional:

Artigo 3

(1) Nenhum dos Estados Contratantes pode sujeitar, em seu território, os investimentos de propriedade ou controlados por investidores de outro Estado Contratante a tratamento menos favorável do que aquele que concede aos investimentos de seus próprios investidores ou a investimento de investidores de terceiros Estados.

(2) Nenhum dos Estados Contratantes pode submeter os investidores do outro Estado Contratante, no que se refere a sua atividade relacionada ao investimento em seu território, a tratamento menos favorável que aquele concedido aos seus próprios investidores ou investidores de um terceiro Estado.

(3) Tal tratamento não deve estar relacionado a privilégios os quais qualquer dos Estados Contratantes concede a investidores de terceiros Estados, em decorrência de sua participação ou associação em área de união aduaneira ou econômica, mercado comum, ou área de livre comércio.

(4) O tratamento concedido por esse Artigo não deve ter relação com as vantagens que cada um dos Estados Contratantes concede a investidores de terceiros Estados em virtude de um acordo de dupla tributação ou outro acordo referente a questões de tributação.293

issue of international responsibility on the basis of discrimination resulting from the failure of the host state to provide national treatment to the foreign investor. […] ” Sornarajah, 2004, p. 234.

291

Model BIT China.

292

UNCTAD, 2004d, p. 165-166.

293

“Article 3

(1) Neither Contracting State shall subject investments in its territory owned or controlled by investors of the other Contracting State to treatment less favorable than it accords to investments of its own investors or to investments of investors of any third State. (2) Neither Contracting State shall subject investors of the other Contracting State, as regards their activity in connection with investments in its territory, to treatment less favourable than it accords to its own investors or to investors of any third State.

(3) Such treatment shall not relate to privileges which either Contracting State accords to investors of third States on account of its membership of, or association with, a customs or economic union, a common market or a free trade area, (4) The treatment granted under this Article shall not relate to advantages which either Contracting

Já no ordenamento jurídico da União Européia, a regra do tratamento nacional se aplica quanto à entrada e ao estabelecimento do investimento, ao mesmo tempo em que o conceito de não-discriminação entre nacionais dos Estados membros também é aplicável a uma série de outras áreas, como a proibição de discriminação quanto à nacionalidade, livre circulação de trabalhadores, liberdade de prestação de serviços e outras.294

A maioria dos BITs limita a aplicação do tratamento nacional à fase pós- investimento, ou seja, apenas após a sua admissão no território do país receptor, não se aplicando o tratamento nacional na fase de entrada e estabelecimento do investimento estrangeiro.295 Este é o modelo adotado pela maioria dos acordos europeus, assim como pelos acordos firmados entre países em desenvolvimento.296

Característica da política norte-americana quanto ao investimento estrangeiro, a extensão da regra do tratamento nacional à fase de pré-investimento já estava prevista no NAFTA, assim consta dos acordos recentemente firmados pelos EUA e pelo Canadá. Esses acordos prevêem a aplicação do tratamento nacional tanto à fase pré quanto à fase pós- investimento, ou seja, estabelecem o dever de concessão do tratamento nacional já na entrada e no estabelecimento do investidor estrangeiro, condicionado às exceções acordadas entre as partes.

Para EUA e Canadá, a obrigação de tratamento nacional normalmente é acompanhada de uma lista negativa, em que as partes excetuam setores ou indústrias da aplicação da regra; ou de uma lista positiva, em que, ao contrário, as partes acordam a que setores ou indústrias aplicam-se a obrigação de tratamento nacional.

Os dois modelos de acordos bilaterais de investimentos norte-americanos, o de 1994 e o de 2004, adotam a abordagem da lista negativa, que deve ser apresentada em anexo aos acordos. Já o GATS adota uma abordagem de lista positiva, uma vez que somente aos setores listados entre os compromissos assumidos pelos membros é aplicado o tratamento nacional.

Via de regra estabelecem-se diversas exceções ao princípio do tratamento nacional. Tais exceções podem ser de quatro espécies: gerais, quanto à matéria, quanto à indústria ou quanto à concessão de tratamento recíproco.

State accords to investors of third States by virtue of a double taxation agreement or other agreements regarding matters of taxation.” Model BIT Germany 1998.

294 UNCTAD, 2004d, p. 166. 295 UNCTAD, 2004f, p.123. 296 UNCTAD, 2004f, p.123.

As exceções gerais ao tratamento nacional baseiam-se tipicamente nas questões de saúde, ordem e moral pública e segurança nacional. As exceções quanto à matéria dizem respeito à exclusão do tratamento nacional de determinadas matérias, como tributação, propriedade intelectual, indústria cultural e outras.297 Já as exceções quanto à indústria consistem na reserva de benefícios a determinados tipos de atividades ou indústrias por razões de política econômica ou social. Por fim, a exceção quanto à concessão de tratamento recíproco condiciona a concessão do tratamento nacional à obtenção de mesmo tratamento pelos investidores do Estado receptor.298

Há, ainda, uma última espécie de exceção, que se baseia no desenvolvimento – a chamada cláusula de desenvolvimento. Esta cláusula visa permitir maior flexibilidade aos países em desenvolvimento na adoção de suas políticas de desenvolvimento, mantendo, no entanto, o compromisso quanto ao princípio geral do tratamento nacional.299 De acordo com a cláusula de desenvolvimento é permitido o tratamento preferencial aos investidores nacionais do país receptor quando este tratamento for necessário ao desenvolvimento econômico do país. A sua utilização normalmente está condicionada ao não-prejuízo à concorrência entre investidores nacionais e estrangeiros.300

Exemplo de cláusula de desenvolvimento encontra-se no artigo 3 do acordo firmado entre Itália e Marrocos, que determina que não se deve conceder tratamento nacional aos investidores de ambas as partes contratantes quando se tratar de auxílios, subvenções, empréstimos, seguros ou garantias dadas pelo governo de uma parte contratante exclusivamente aos seus nacionais no âmbito das atividades desenvolvidas no programa de desenvolvimento nacional.301

Não há dúvida quanto à importância da regra do tratamento nacional para os investidores estrangeiros, mas sua implementação pode causar dificuldades aos países em desenvolvimento receptores de investimentos. O princípio do tratamento nacional estipula uma igualdade formal entre investidores nacionais e estrangeiros, mas muitas vezes esta igualdade é acompanhada de uma assimetria econômica. Na prática, os investidores nacionais talvez estejam em situação economicamente desvantajosa em comparação aos investidores 297 UNCTAD, 2004d, p. 178. 298 UNCTAD, 2004d, p. 179. 299 UNCTAD, 2004d, p. 179. 300 Muchilinski, 1995, p. 627. 301

“3) Gli investitori di entrambe le Parti Contraenti non possono avvalersi del trattamento nazionale al fine di beneficiare degli aiuti, doni, prestiti, assicurazioni e garanzie esclusivamente concesse dal Governo di una delle Parti Contraenti ai suoi concittadini o società nell'ambito delle attività dei programmi di sviluppo nazionale”. Acordo entre o Governo da República Italiana e o Governo do Reino de Marrocos para a Promoção e Proteção do Investimento.

estrangeiros, especialmente empresas transnacionais302, e a aplicação da regra do tratamento nacional pode impedir o desenvolvimento industrial do país receptor de investimentos.

Nesse sentido, a fim de evitar que a regra do tratamento nacional se constitua em obstáculo ao desenvolvimento do país receptor de investimentos, justifica-se um certo grau de flexibilidade, que se pode obter mediante a inclusão nos BITs de exceções à regra do tratamento nacional303 e especialmente de uma cláusula de desenvolvimento.

Ao lado da regra do tratamento nacional é freqüente a adoção da regra do tratamento da nação mais favorecida, que se passa a analisar.