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Ao lado das regras de tratamento nacional e tratamento da nação mais favorecida é comum a inclusão da regra de tratamento justo e eqüitativo nos BITs. Em alguns acordos essa regra ocupa posição de destaque, encontrando-se entre as primeiras regras de tratamento; em outros acordos ela aparece combinada com a regra de proteção e segurança plenas ou, ainda, com as regras que proíbem o tratamento discriminatório, como o tratamento nacional e o tratamento da nação mais favorecida.324

Trata-se de mais uma forma de sinalização do interesse do país receptor em receber investimentos. A regra do tratamento justo e eqüitativo, no entanto, ainda é marcada pela incerteza quanto ao seu significado e pode ser objeto de pelo menos duas interpretações. Na primeira, considera-se a regra em seu significado literal, representando um princípio

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Os termos like situations e like circunstances podem ser considerados sinônimos e seu significado deve ser definido em cada caso, o que já vem sendo feito na jurisprudência do NAFTA, conforme se verá no próximo capítulo. 321 UNCTAD, 2004d, p. 193. 322 Hase, 2003, 78. 323 UNCTAD, 2005f, p. 35. 324 Dolzer, Stevens, 1995, p. 59.

independente; já a segunda interpretação a entende como sinônimo de “padrão mínimo internacional”.325

A interpretação literal de tratamento justo e eqüitativo adota a expressão “justiça e igualdade” ao pé-da-letra e segue as regras de interpretação do direito internacional. Ou seja, os investidores devem receber tratamento baseado na justiça e na eqüidade. Esta interpretação, no entanto, ainda apresenta dificuldades, considerando-se a subjetividade e a falta de precisão dos termos “justo” e “eqüitativo”, que assumem diferentes significados nos ordenamentos jurídicos internos.

Com efeito, a falta de objetividade e precisão dos termos justo e eqüitativo desponta como um dos maiores problemas na jurisprudência internacional envolvendo tratados sobre investimentos. Há, contudo, quem defenda certa vantagem nesta subjetividade e imprecisão, que flexibilizariam o processo de investimentos. Normalmente as partes contratantes de um acordo não podem prever todas as circunstâncias decorrentes de seu relacionamento e defendem a regra do tratamento justo eqüitativo porque ela não estabelece uma solução a priori para questões que podem surgir no futuro. 326

Já na segunda interpretação, a regra de tratamento justo e eqüitativo é equiparada ao padrão mínimo internacional de tratamento do investimento estrangeiro. Em outras palavras, os investidores estrangeiros têm direito a um tratamento de acordo com o padrão mínimo internacional, constituindo-se em um padrão clássico de direito internacional.327 A aceitação de tal interpretação implica a possibilidade de que o investidor estrangeiro venha a receber tratamento mais favorável do que o concedido aos investidores nacionais.328

Essa segunda interpretação, contudo, leva a dois questionamentos. O primeiro refere- se à ausência de disposição explícita no sentido de equiparar o tratamento justo e eqüitativo ao padrão mínimo internacional de tratamento do investimento estrangeiro. Questiona-se, assim, por que os Estados não indicam (ou indicaram) claramente nos acordos o significado de tratamento justo e eqüitativo como padrão mínimo internacional.329 Na medida em que isso ocorre, pode-se entender que nem todos os Estados e investidores fazem esta leitura da regra.

O outro questionamento refere-se à falta de consenso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre se o padrão mínimo internacional faz parte do direito internacional

325 Dolzer, Stevens, 1995, p. 59. 326 UNCTAD, 2004d, p. 213. 327 Muchilinski, 1995, p. 624. 328 Hase, 2003, p. 74. 329 Dolzer, Stevens, 1995, p. 60.

consuetudinário330, não sendo, portanto, possível admitir que a maioria dos Estados tenha aceitado aplicar este padrão de forma implícita.331

Geralmente a regra do tratamento justo e eqüitativo é incorporada aos BITs ao lado de uma ou de ambas as regras já analisadas – a de tratamento nacional e a de tratamento da nação mais favorecida. Contudo, aquela difere destas por se tratar de uma regra de caráter absoluto, ou seja, que não tem seu conteúdo contingente como o conteúdo das regras do tratamento nacional e do tratamento da nação mais favorecida, que variam, respectivamente, de acordo com a legislação nacional e com o tratamento concedido a estrangeiros de outros Estados.332

Tanto a regra do tratamento nacional quanto a regra do tratamento da nação mais favorecida, por se constituírem em regras de conteúdo relativo, parecem não ser suficientes para a proteção dos investidores estrangeiros, considerando-se que o Estado receptor pode conceder tratamento inadequado aos seus investidores nacionais e, conseqüentemente, aos investidores estrangeiros.333

O fato de a regra do tratamento justo e eqüitativo possuir conteúdo fixo, que não varia conforme fatores externos, transmite maior segurança aos investidores estrangeiros porque por maior que seja a discussão quanto à interpretação desta regra, o investidor sente-se protegido pela obrigação assumida pelos Estados de conceder tratamento justo e eqüitativo.

A função da regra do tratamento justo e eqüitativo, segundo Schlee, “parece ser a de garantir ao investimento estrangeiro um padrão mínimo de justiça e eqüidade quando as garantias que o Estado receptor outorgue aos investidores nacionais ou de outros Estados fiquem aquém do padrão mínimo”.334

É o mesmo o entendimento de Lowenfeld, para quem o tratamento justo e eqüitativo significa a não discriminação por nacionalidade ou origem nos assuntos de acesso à justiça ou a entidades administrativas, aplicação de tributos e administração de regras governamentais. Para este autor, a regra do tratamento justo e eqüitativo vem garantir a aplicação do padrão mínimo internacional independentemente do tratamento nacional ou do tratamento da nação

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Com base no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional que estabelece as fontes de direito internacionais, entre elas o costume internacional, pode-se definir o direito internacional consuetudinário como o direito decorrente da prática geral de um costume internacional.

331

UNCTAD, 2004d, p. 213-214.

332

Neste sentido: “[...] el de tratamiento no menos favorable al que se dispensa a los nacionales (trato nacional) y el de la nación más favorecida son de caráter relativo o ‘contigente’ pues estos no definen uma regla de trato autônoma, sino que se establecen por referencia o remisión al régimen legal o estándar que se le aplica a los inversores nacionales en el primer caso y a los inversores extranjeros de otros Estados, en el segundo caso”. Hase, 2003, p. 74.

333

UNCTAD, 2004d, p. 215.

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mais favorecida, ou seja, mesmo nos casos em que não haja qualquer discriminação contra o investidor estrangeiro.335

Já Mann sustenta que:

Os termos ‘tratamento justo e eqüitativo’ prevêem uma conduta que vai além do padrão mínimo internacional e que concede uma maior proteção ao investimento, e fundamentada num padrão muito mais objetivo do que qualquer outro. Um tribunal não se preocupará com padrão mínimo, máximo ou médio e sim terá que decidir se a conduta em questão é justa e igual ou injusta e desigual. [...] Os termos devem ser entendidos e aplicados independente e autonomamente.336

O modelo de acordo bilateral de investimentos dos EUA de 1994 contém a regra do tratamento justo e eqüitativo ao lado das regras do tratamento nacional e tratamento da nação mais favorecida, que são aplicáveis já na fase de pré-investimento. Essas regras são reforçadas ainda por uma disposição quanto ao dever de obediência ao tratamento estabelecido pelo direito internacional:

Artigo II

1. Com relação ao estabelecimento, aquisição, expansão, gerenciamento, condução, operação, e vendas ou outra disposição sobre investimentos, cada Parte deve conceder tratamento não menos favorável do que aquele que concede, em situação similar, aos investimentos de seus nacionais ou sociedades em seu território (doravante “tratamento nacional”) ou a investimentos de nacionais ou sociedades de terceiros países em seu território (doravante “tratamento da nação mais favorecida”), qual seja mais favorável (doravante “tratamento nacional e da nação mais favorecida”). Cada Parte deve garantir que as empresas estatais, ao proverem suas mercadorias e serviços, observem o tratamento nacional e da nação mais favorecida aos investimentos. [...]

3 (a) Cada Parte deve a qualquer tempo conceder aos investimentos tratamento justo e eqüitativo assim como proteção e segurança plenas, e em nenhuma hipótese conceder tratamento menos favorável àquele requerido pelo direito internacional.337

335

Lowenfeld, 2002, p. 475.

336

Mann, British Treaties for the Promotion and Protection of Investments. Brit. Y. B. Int’l: 52, 242, 1981 apud Dolzer, Stevens, 1995, p. 59.

337

“Article II

1. With respect to the establishment, acquisition, expansion, management, conduct, operation and sale or other disposition of covered investments, each Party shall accord treatment no less favorable than that it accords, in like situations, to investments in its territory of its own nationals or companies (hereinafter “national treatment”) or to investments in its territory of nationals or companies of a third country (hereinafter “most favored nation treatment”), whichever is most favorable (hereinafter “national and most favored nation treatment”). Each Party shall ensure that its state enterprises, in the provision of their goods or services, accord national and most favored nation treatment to covered investments. [...]

3 (a) Each Party shall at all times accord to covered investments fair and equitable treatment and full protection and security, and shall in no case accord treatment less favorable than that required by international law.” Model BIT USA 2004.

A incorporação da referência ao direito internacional pode ser interpretada no sentido de garantir que o padrão mínimo internacional seja obedecido. Ao mesmo tempo, ao incluir individualmente a regra do tratamento justo e eqüitativo e o dever de cumprimento ao direito internacional, entende-se que eles não são sinônimos.338

Por outro lado, Laviec defende que a referência ao tratamento justo e eqüitativo não deve ser entendida como referência ao padrão mínimo internacional, pois se a intenção fosse assimilar os dois conceitos isso deveria ser feito de forma explícita.339

Nota-se que o tema do tratamento justo e eqüitativo é marcado por contradições e incertezas e que não há, portanto, consenso sobre a equiparação da regra do tratamento justo e eqüitativo ao padrão mínimo do direito internacional. Visando pôr fim a essa situação de incerteza, o modelo de acordo bilateral de investimentos dos EUA de 2004 inova ao tentar esclarecer o que se entende por tratamento justo e eqüitativo:

Artigo 5: Padrão Mínimo de Tratamento

1. Cada Parte deve conceder aos investimentos tratamento de acordo com o direito internacional consuetudinário, incluindo tratamento justo e igualitário e proteção e segurança plenas.

2. Para maior certeza, o parágrafo 1 estabelece o padrão mínimo de tratamento do direito internacional consuetudinário a ser concedido aos investimentos. Os conceitos de “tratamento justo e eqüitativo” e de “proteção e segurança plenas“ não requerem qualquer tratamento adicional ou além do previsto pelo padrão, e tampouco criam direitos substantivos adicionais. A obrigação do parágrafo 1 estabelece:

(a) “tratamento justo e eqüitativo” inclui a obrigação de não negar acesso à justiça seja ela, criminal, civil, ou procedimentos administrativos, respeitando o princípio do devido processo legal, constante nos principais sistemas legais do mundo; e

(b) “proteção e segurança plenas” requer que cada Parte forneça o nível de proteção policial determinado pelo direito internacional consuetudinário. [...].340 338 UNCTAD, 2004d, p. 224. 339 Muchilinski, 1995, p. 626. 340

“Article 5: Minimum Standard of Treatment

1. Each Party shall accord to covered investments treatment in accordance with customary international law, including fair and equitable treatment and full protection and security.

2. For greater certainty, paragraph 1 prescribes the customary international law minimum standard of treatment of aliens as the minimum standard of treatment to be afforded to covered investments. The concepts of “fair and equitable treatment” and “full protection and security” do not require treatment in addition to or beyond that which is required by that standard, and do not create additional substantive rights. The obligation in paragraph 1 provides:

(a) “fair and equitable treatment” includes the obligation not to deny justice in criminal, civil, or administrative adjudicatory proceedings in accordance with the principle of due process embodied in the principal legal systems of the world; and

(b) “full protection and security” requires each Party to provide the level of police protection required under customary international law. […]”. Model BIT USA 2004

Choudhury defende, a partir de uma análise da jurisprudência e das disposições nos tratados, uma definição “em desenvolvimento” de tratamento justo e eqüitativo. Assim, essa regra deve incluir: (i) o devido processo, como decidido no caso Waste Management, Inc. v. México (Waste Management), em que o tribunal considerou a falta de devido processo como falha manifesta de justiça nos procedimentos judiciais; (ii) a necessidade de transparência, como em Técnicas Medioambientales Tecmed S.A. v. México (Tecmed), quando o tribunal decidiu que a regra de tratamento justo e eqüitativo requer que o Estado receptor atue de forma totalmente transparente nas relações com o investidor estrangeiro, de forma que este conheça de antemão todas as regras que regulam os investimentos, bem como os objetivos das políticas e práticas administrativas, para planejar seu investimento e obedecer a tais regras; e (iii) tratamento que não frustre as expectativas legítimas dos investidores, o que também foi defendido pelo tribunal no caso Tecmed, estabelecendo que a regra do tratamento justo e eqüitativo obriga o Estado receptor de investimentos a conceder tal tratamento aos investimentos estrangeiros que não afetem as expectativas básicas que condicionaram a realização dos investimentos pelo investidor.341

Além disso, uma definição da regra do tratamento justo e eqüitativo deveria também proibir o Estado de agir de forma arbitrária ou discriminatória, como foi decidido no caso Pope & Talbot Inc. v. Canadá (Pope & Talbot) – oportunidade em que o tribunal arbitral alegou que o fato de a agência governamental não fornecer as informações relevantes solicitadas pelo investidor, bem como as ameaças contra ele, era injustificável e significou o descumprimento da regra do tratamento justo e eqüitativo. Assim como no caso S.D. Myers, quando o tribunal decidiu que o descumprimento da regra do tratamento nacional do NAFTA também equivalia ao descumprimento da regra do tratamento justo e eqüitativo.342

Por fim, Choudhury inclui na definição da regra de tratamento justo e eqüitativo a legalidade da atuação do Estado. A regra proibiria o Estado de agir além de seu escopo legal, como o tribunal considerou no caso Metalclad, em que o governo municipal de Guadalcazar (México), ao negar licença para a construção de um depósito de lixo, feriu a regra do tratamento justo e eqüitativo ao investidor estrangeiro, já que a autoridade para avaliar e conceder tal autorização era o governo federal.343

A autora do presente trabalho concorda em que a regra do tratamento justo e eqüitativo só pode ser entendida como obrigação de conceder um padrão mínimo 341 Choudhury, 2005, p. 302-317. 342 Choudhury, 2005, p. 302-317. 343 Choudhury, 2005, p. 302-317.

internacional de tratamento se isso for explicitamente acordado pelas partes contratantes. Na medida em que a interpretação da regra é feita de forma extensiva – para incluir, implicitamente, a obrigação de conceder o padrão mínimo internacional – há uma restrição ao espaço de políticas públicas do Estado que assina um BIT com esta cláusula. O Estado inicialmente se obriga a tratar os investidores estrangeiros com justiça e eqüidade, entendida a expressão “tratamento justo e eqüitativo” nos termos do ordenamento interno do Estado receptor, e posteriormente é levado a um tribunal arbitral internacional porque o investidor estrangeiro exige tratamento mais favorável, entendendo que o tratamento concedido ao nacional é inferior ao estabelecido pelo padrão mínimo internacional.

No entanto, a autora defende que a inclusão dos direitos de tratamento justo e eqüitativo e de proteção e segurança plenas no padrão mínimo de tratamento constitui a melhor solução. Seria uma forma de evitar que seja devido, além do padrão mínimo internacional, tratamento justo e eqüitativo e proteção e segurança plenas.

Assim, a regra de tratamento justo e eqüitativo, ao lado da regra de expropriação – que se verá mais pormenorizadamente a seguir –, é um dos temas mais polêmicos no âmbito dos BITs, e está presente em diversos litígios internacionais.