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A regra do tratamento da nação mais favorecida estabelece a obrigação de o país receptor conceder ao investidor/investimento estrangeiro de um país, tratamento não menos favorável do que o concedido a qualquer outro investidor/investimento estrangeiro304, garantindo a não-discriminação entre investidores de diferentes países.

Assim como a regra do tratamento nacional, a regra do tratamento da nação mais favorecida é relativa, ou seja, seu conteúdo depende do tratado em que está incluída. No entanto, a inclusão da regra da nação mais favorecida produz o efeito de estender ao país exportador de capital regras mais favoráveis que tenham sido acordadas pelo país receptor de investimentos com terceiros Estados305, podendo ocorrer o que se conhece por “free rider”.306

Entende-se por “free rider” a situação em que a regra do tratamento da nação mais favorecida constitui uma concessão unilateral aos seus parceiros contratuais de quaisquer benefícios acordados em futuros tratados sobre investimentos.307 Ou seja, se o Brasil, por exemplo, firma com um país X um acordo de investimentos que continha a cláusula da nação mais favorecida, em que se estabelecem obrigações ou benefícios não incluídos em um acordo anteriormente firmado com o país Y, todas obrigações e benefícios acordados pelo Brasil com X, se estenderão automaticamente a Y.

A inclusão desta regra, que decorre dos antigos Tratados de Amizade, Comércio e Navegação308, apresenta, portanto, uma dificuldade: o investidor estrangeiro pode obter 302 Hase, 2003, p. 75. 303 Hase, 2003, p. 75. 304 UNCTAD, 2004f, p. 119. 305 Muchilinski, 1995, p. 627. 306

Em português não há uma tradução exata para esta expressão: entenda-se “caroneiro”.

307

UNCTAD, 2004d, p. 194.

308

tratamento mais favorável em decorrência de tratamento concedido pelo país receptor em tratados passados ou futuros.309

Além disso, três questões revelam-se especialmente importantes no que tange à regra da nação mais favorecida: o seu escopo, se somente à fase pós-investimento, ou às fases pré e pós; as exceções ao tratamento da nação mais favorecida; e a dificuldade de se definir a nacionalidade ou qualquer outro vínculo entre o investidor e seu país de origem.

A maioria dos BITs estabelece a obrigação de se conceder o tratamento da nação mais favorecida somente à fase pós-investimento, ou seja, àqueles investimentos já admitidos e estabelecidos no país receptor. São exemplos os acordos firmados pelos países europeus310, como o celebrado entre o Reino Unido e El Salvador311 e os acordos entre países em desenvolvimento, como o assinado entre Brasil e Chile.312

Já os acordos recentemente firmados pelos EUA e pelo Canadá, inclusive os modelos de acordos bilaterais de investimentos dos EUA de 1994 e de 2004, e o modelo de acordo bilateral de investimentos do Canadá de 2004, estabelecem a obrigação de respeito a esta regra tanto na fase de admissão e estabelecimento quanto na subseqüente, ou seja, quando já devidamente estabelecido o investimento.313

309 Sornarajah, 2004, p. 236. 310 UNCTAD, 2004f, p. 119. 311 “Article 3

National Treatment and Most-favoured-nation Provisions

(1) Neither Contracting Party shall in its territory subject investments or returns of investors of the other Contracting Party to treatment less favourable than that which it accords to investments or returns of its own investors or to investments or returns of investors of any third State.

(2) Neither Contracting Party shall in its territory subject investors of the other Contracting Party, as regards their management, maintenance, use, enjoyment or disposal of their investments, to treatment less favourable than that which it accords to its own investors or to investors of any third State.[...]” Agreement between the Government of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland and the Government of the Republic of El Salvador for the Promotion and Protection of Investments.

312

“Artigo III - Proteção e Tratamento

1. Cada Parte Contratante protegerá, em seu território, os investimentos efetuados, de conformidade com sua legislação, por investidores da outra Parte Contratante e não criará obstáculos, por meio de medidas injustificadas ou discriminatórias, à gestão, à manutenção, à utilização, à fruição, à extensão, à venda ou, se for o caso, à liquidação de tais investimentos.

2. Cada Parte Contratante dispensará um tratamento não discriminatório, justo e eqüitativo, em conformidade com os princípios do Direito Internacional, aos investimentos realizados por investidores da outra Parte Contratante em seu território e garantirá que não serão criados obstáculos ao exercício dos direitos assim reconhecidos.

3. Cada Parte Contratante concederá, aos investimentos da outra Parte Contratante, tratamento não menos favorável do que o dispensado aos investimentos de seus nacionais.

4. O tratamento referido no segundo parágrafo deste artigo não será menos favorável do que aquele outorgado por uma Parte Contratante aos investimentos da mesma natureza realizados em seu território por investidores de um terceiro país. […]”. Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Chile para a Promoção e Proteção Recíproca dos Investimentos.

313

Neste sentido, o modelo de acordo bilateral de investimento do Canadá de 2004 determina:

Artigo 4

Tratamento da Nação Mais Favorecida

1. Cada Parte deve conceder aos investidores da outra Parte tratamento não menos favorável do que aquele que concede, nas mesmas circunstâncias, aos investidores de Estados não-Partes no que diz respeito ao estabelecimento, aquisição, expansão, gerenciamento, condução, operação, e vendas ou outra disposição de investimentos em seu território.

2. Cada Parte deve conceder aos investimentos tratamento não menos favorável do que aquele que concede, nas mesmas circunstâncias, aos investimentos de investidores de Estados não-Partes no que diz respeito ao estabelecimento, aquisição, expansão, gerenciamento, condução, operação, e vendas ou outra disposição de investimentos em seu território.314

Além da questão do escopo, um modo de se introduzir maior flexibilidade para a adoção de políticas públicas de desenvolvimento são exceções à regra da nação mais favorecida. Poucos são os acordos em que os países fazem uso do direito de discriminar entre os diferentes investidores estrangeiros; a grande maioria estabelece exceções genéricas que se aplicam a todo o acordo, ou a áreas explicitamente reconhecidas, mas não especificamente à regra do tratamento da nação mais favorecida.315

Exceções à não-discriminação são, em geral, permitidas pelos BITs quando necessárias à manutenção da ordem e saúde públicas, ou ainda em casos de segurança nacional.316

Especificamente quanto à regra do tratamento da nação mais favorecida, a maioria dos BITs contém exceções baseadas na reciprocidade e em temas como tributação, propriedade intelectual e integração econômica regional.

(i) Tributação: praticamente todos os BITs contêm uma exceção à cláusula da nação mais favorecida quanto à tributação, não obrigando as partes a estenderem aos seus parceiros contratuais quaisquer privilégios ou vantagens concedidos a um terceiro

314

“Article 4

Most-Favoured-Nation Treatment

1. Each Party shall accord to investors of the other Party treatment no less favourable than that it accords, in like circumstances, to investors of a non-Party with respect to the establishment, acquisition, expansion, management, conduct, operation and sale or other disposition of investments in its territory.

2. Each Party shall accord to covered investments treatment no less favourable than that it accords, in like circumstances, to investments of investors of a non-Party with respect to the establishment, acquisition, expansion, management, conduct, operation and sale or other disposition of investments in its territory.” Model BIT Canada 2004.

315

UNCTAD, 2004d, p. 191.

316

país por meio de acordo de bitributação ou qualquer outro tipo de acordo relacionado à questão da tributação;

(ii) Propriedade intelectual: nos BITs que aplicam a regra do tratamento da nação mais favorecida somente à fase pós-investimento, a obrigação de tratamento da nação mais favorecida somente se aplica depois de concedidos os direitos de propriedade intelectual. O país receptor de investimento pode, portanto, condicionar a aquisição dos direitos de propriedade intelectual ao cumprimento de determinados requisitos, como por exemplo, tratamento recíproco aos seus investidores;

(iii) Integração econômica regional: os BITs firmados entre países membros de acordos de integração econômica regional normalmente contêm uma cláusula isentando o país ou países partes da obrigação de conceder o mesmo tratamento a país que não faça parte do acordo.317 A não-inclusão desta regra implica a extensão dos privilégios acordados no âmbito do acordo de integração a países não membros. Na prática, tal cláusula se relaciona ao acesso a mercados, ou seja, restringe a entrada de investidores de fora da região de integração, mesmo que a entrada seja permitida a investidores dos países membros do bloco.

Quanto à última questão, sobre a dificuldade de se definir a nacionalidade do investidor, conforme já abordado no item relativo à definição de investidor, as novas estruturas das empresas transnacionais tornam cada vez mais difícil definir a nacionalidade ou qualquer outra forma de vínculo entre o investidor e o país de origem para fins de concessão do tratamento da nação mais favorecida.318

Deve-se observar também que a aplicação da cláusula da nação mais favorecida não tem a finalidade de estender direitos decorrentes de tratados ou outros instrumentos que tratem de matérias diferentes das que são objeto do acordo de investimentos.

Além disso, a regra do tratamento da nação mais favorecida somente se aplica ao tratamento geral e não a situações ou casos específicos.319 Em outras palavras, se o país receptor concede determinados incentivos ou privilégios a um investidor por força de um contrato de investimento firmado entre o Estado e o investidor, não há a obrigação de extensão dos mesmos aos demais investidores. Nesse sentido, conforme estabelecido nos modelos dos EUA de 1994 e 2004, em “like situations” (situações similares) e “like 317 UNCTAD, 2004d, p. 198. 318 UNCTAD, 2004d, p. 194-195. 319 Dolzer, Stevens, 1995, p. 66.

circunstances” (circunstâncias similares)320, respectivamente, a regra da nação mais favorecida não impede que o país receptor conceda tratamento diferenciado a determinados setores ou atividades econômicas ou a empresas de determinado porte – como a concessão de subsídios somente a indústrias de alta tecnologia, por exemplo.321

Apesar de sua importância na garantia de não-discriminação entre investidores estrangeiros, a regra do tratamento da nação mais favorecida tende, em princípio, a abolir as diferenças de regime jurídico entre os investimentos estrangeiros. Sua aplicação, portanto, tem importante impacto sobre o espaço de manobra de adoção de políticas públicas dos países em desenvolvimento, uma vez que obriga o país receptor a estender unilateralmente a todos os países com os quais celebrou BITs qualquer direito ou benefício adicional que outorgue a terceiros países com quem celebre acordos.322 Exemplo dessa relativização das diferenças assumidas nos vários BITs firmados por um Estado é o caso Mafezzini, em que se estendeu ao investidor argentino na Espanha o tratamento fixado no acordo firmado entre Chile e Espanha, mais favorável do que o estabelecido no acordo firmado entre Argentina e Espanha. O acordo com o Chile dispensava o recurso aos tribunais locais pelo período de dezoito meses antes de se levar a disputa ao ICSID.323