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A Observação e a Problematização como Elementos Intrínsecos ao Processo de

Diagrama 4 – Percurso de P3

2 REFLEXÃO E AÇÃO DOCENTE: A CONSTITUIÇÃO DE UMA PRÁTICA

5.2 ENTRE NARRATIVAS E OLHARES: POSSIBILIDADES DE MANIFESTAÇÃO DOS

5.2.3 A Observação e a Problematização como Elementos Intrínsecos ao Processo de

A “observação” apresenta-se como um processo elementar na construção do conhecimento sobre a docência, ocorrendo em todas as fases do curso. O movimento dos percursos formativos mostra que a observação das experiências é uma fase necessária para processos de investigação e reflexão, daí ter sido provocada e orientada desde a primeira inserção.

Retomando o contexto do diagnóstico, é percebido que P1 mantém sua motivação relacionada à melhoria da sua prática e referenda que deseja “observar” uma outra escola e sala de aula para pensar sobre a sua forma de ensinar. Nesta inserção, é possível verificar a observação fortemente aliada a processos de descrição daquilo que vê, ouve, sente, pensa. No entanto, não é mero relato de fatos, porque duas questões permitem que a professora dê um salto qualitativo no que se refere ao seu processo de pensamento: a orientação e sistematização da observação proposta pelo curso, articulada ao referencial teórico desenvolvido nos módulos iniciais/temas, que servem como balizadores para esse momento; e a meta estabelecida pela professora quanto à melhoria de sua própria prática e sua disposição para a mudança e para aprender.

É importante avaliar o significado da observação no conjunto dos processos formativos. Tal estratégia não é fim em si mesma e deve exercer funções claras que se complementam ao se propor um movimento reflexivo. Assim, a observação necessita convergir para a qualidade do problema, quer dizer, é preciso que o profissional esteja atento às suas múltiplas facetas, num dado contexto, e examinar em que condições o problema se expressa, qual é a sua natureza. Assim, um problema considerado de aprendizagem ou visto sob a ótica de déficit do aluno pode revelar, quando observado profundamente, questões que envolvem o ensino e as condições em que este se materializa.

Ao realizar o diagnóstico, P1 descreve suas observações, permeia com depoimentos da professora, dos alunos, da coordenadora da escola observada, explicita sua percepção, ensaia uma reflexão mais sistematizada com base nos referenciais estudados, busca identificar os problemas e levantar hipóteses. Por exemplo, ao observar a indisciplina da classe multisseriada, descreve o episódio, ressaltando que as crianças de diferentes níveis estão fazendo as mesmas tarefas e a professora não consegue atender a todos. Assim, tenta fundamentar sua observação, discutindo os temas já abordados no curso: interação professor- aluno/ aluno-aluno, professor mediador, construção do conhecimento a partir da experiência, aspectos cognitivos e afetivos.

Considerando o confronto entre sua observação e os elementos teóricos, é possível entender que se inicia um processo de problematização, o qual é essencial para que se encaminhe todo um percurso de busca de soluções. Frente às necessidades identificadas, P1 interroga a ação, isto é, põe em questão uma determinada prática e as situações que observou se tornam situações-problema que estimulam seu raciocínio.

Nessa direção, P1 busca levantar hipóteses, pensando na sua sala de aula, o que faria para resolver o problema e delineia soluções, apontando como uma das possibilidades, o

desenvolvimento de atividade diversificada para as diferentes séries e níveis de aprendizagem, prevendo momentos de orientação individual e de auxílio entre os alunos. A teoria tem ressonância no seu modo de pensar a prática e, aliada a novas perguntas e hipóteses, elabora, nesse momento, um quadro teórico-prático para prosseguir em seu processo formativo. Inicia- se, dessa maneira, um movimento de investigação, no qual se faz inerente a busca de um novo conhecimento.

Sendo assim, entendo que, ao se problematizar, inicia-se a possibilidade de estudar aspectos que estão dentro do todo que, no caso, é a prática das professoras, entendida no âmbito de um trabalho docente. Essa prática é constituída por diversos aspectos interligados que, ao serem problematizados, podem ser examinados, evidenciando-se ainda as diferentes faces pelas quais um problema se apresenta, incluindo-se o trabalho do professor. Nesse sentido, P1 pôde, a partir da problematização, começar a desmontar a realidade da sua prática, selecionando questões a serem novamente observadas, identificadas, interpretadas e analisadas, para que novamente se configurasse o todo, com um outro significado. A significação, de acordo com Dewey (1979), constitui-se nas diferenças trazidas por um novo conhecimento para as crenças e ações anteriores.

Reconheço que a problematização impulsiona a análise da prática e da teoria, inserindo-se a necessidade de buscar explicações em diferentes fontes e tipos de conhecimento. Ocorre assim a possibilidade de confronto entre um conjunto de experiências e saberes da professora com saberes pedagógicos, disciplinares e curriculares abordados no curso em questão.

Na minha forma de interpretar o percurso de P1, entendo que, a partir da estratégia formativa inicial, desenvolve-se um “pensar real com método lógico” que se mantém ao longo do espaço-tempo do curso, produzindo ressignificações. Para Dewey, o pensar real é um processo que está em contínua mudança enquanto a pessoa pensa e, a cada passo, propõe-se problemas e indagações, levando em conta os obstáculos e indicando-se soluções. Além disso, esse pensamento sempre se reporta a algum contexto, a uma situação a resolver. O pensar real é ordenado, seqüencial, razoável, cauteloso, flexível e tem uma forma lógica própria, pela qual se investigam relações em torno de um problema que necessita de conclusão.

Desse modo, posso inferir que P1 responde à proposta do curso, desenvolvendo um método lógico de pensamento que, segundo Dewey, pertence a um processo reflexivo. De acordo com o percurso investigado, a cada intervenção P1 realiza a seguinte trajetória: observa uma determinada ação proposta; munida de suas premissas anteriores, indaga os resultados, avalia e significa sua ação; elabora nova problematização; relaciona sugestões e

hipóteses em direção às metas; fundamenta-se na teoria e estabelece relações teórico-práticas; planeja nova ação; realiza o planejado, vivenciando novamente um ciclo de pensamento na relação com a experiência.

Convém analisar que P1 mantém suas atitudes como abertura para o novo, responsabilidade, dedicação, assim como cerca-se de algumas condições que lhe favorecem tal percurso. Vejo como condições favorecedoras: o contexto em que trabalha, considerando o tempo em que atua na escola e comunidade; o fato de morar nesse mesmo local; a história que já construiu nesse espaço; as suas motivações pessoais, que envolvem a realização profissional; a necessidade da graduação e seu objetivo de melhorar a prática; a mediação da tutora, fato que destaca em suas narrativas.

No caso de P2, ao realizar o diagnóstico no início do curso, observou sua própria escola e uma outra sala de aula, realizou entrevistas e questionários com professoras, alunos, coordenadoras, diretora, famílias. Naquele momento, P2 demonstra responsabilidade em relação às orientações do curso e organiza um bom material de coleta de dados, fundamentando-se nos referenciais teóricos já trabalhados. No entanto, a prática observada é descrita e apresentada “sem grandes problemas”, sua trajetória de pensamento mostra-se da seguinte forma: “vê-ouve-descreve”. Naquele contexto, P2 não identifica questões que poderiam lhe incomodar, não ocorrendo ainda o exercício da problematização. Mantém sua preocupação com a aprendizagem dos alunos, relacionando à construção da cidadania, porém a forma como observou não sugeriu metas claras a serem buscadas por ela quanto ao seu próprio modo de ensinar.

Cabe lembrar que P3 também realizou as primeiras observações na sua própria escola e, de forma semelhante, sua tendência foi a de ressaltar elementos positivos que se relacionavam com a teoria estudada no curso. É importante reafirmar que a atitude dos professores frente à sua aprendizagem também se norteia por valores, crenças, conhecimentos, normas e referências pautadas na organização escolar em que atuam, o que é influente na sua compreensão sobre a aprendizagem profissional e na maneira como consideram e lêem novas informações.

Em relação ao percurso de P2, reflito que o próprio curso lhe impõe uma problematização, pois a mesma necessita enfrentar e falar sobre seu trabalho, a cada nova vivência teórico-prática. No entanto, ela apresenta um objetivo a ser atingido: mudar a maneira de ensinar e desenvolver novas formas de realizar o trabalho, entendendo que tal ação melhoraria também a aprendizagem. De acordo com o que acredita, estuda e propõe,

direciona seus planos de trabalho, apontando necessidades que lhe são bastante provocadas pelo referencial teórico abordado no curso e pelas discussões em torno do mesmo.

Em função dos aspectos apresentados na trajetória de P2, depreendo que o curso desenvolve um processo de mobilização de situações que provocam e oportunizam que essa professora, ao longo do tempo, posicione-se mais para “dentro” do seu processo de formação e desenvolvimento profissional. O entrelaçamento de diferentes momentos teórico-práticos com os módulos trabalhados, bem como a ação de diferentes sujeitos como os docentes, os tutores, os colegas estudantes-professores favorecem uma tomada de posição e uma melhor explicitação das ações desenvolvidas por parte de P2, ao mesmo tempo em que a provocam a observar alguns “conteúdos para reflexão”, presentes na sua prática. Na minha ótica, a professora necessitava atingir resultados e isso fez com que exercitasse processos de observação, realizasse sínteses teóricas e buscasse compreendê-las na relação com sua prática. Esse movimento de planejar, vivenciar, observar, narrar, teorizar (compreensão) e realizar uma nova ação é caracterizado no conjunto do percurso formativo de P2, no entanto percebe- se que seria necessário provocar mais efetivamente sua atitude de indagação frente às situações de ensino-aprendizagem.

A visão de P2 sobre as conseqüências de sua ação docente parece se ampliar especialmente a partir do estágio (1ª etapa), o qual também a incita a observar como ela e seus alunos realizam o trabalho por meio de um projeto interdisciplinar, favorecendo que a mesma preste atenção nas relações entre os alunos, no trabalho em grupo, no significado do tema para os alunos, na sua mediação, na integração dos conteúdos. Assim, suas observações a impulsionam a levantar dificuldades de aprendizagem, cuja problematização gera seu exercício de pesquisa-ação na próxima vivência educadora, na qual investiga uma situação específica de dislexia. É possível inferir a hipótese de que a necessidade, inerente ao curso, de observar e problematizar a experiência, provoca a professora a verificar e estudar um problema para o qual ainda não estava totalmente atenta. Depreendo que o exercício da pesquisa-ação torna-se extremamente importante no desenvolvimento da postura de questionamento sobre a prática.

No caso de P3, entendo que sua história pessoal, escolar e profissional, bem como a vontade e disposição para mudar a forma de ensinar e aprender, contribuem para que ela desenvolva um crescente processo de atenção e observação sobre sua prática. Interpreto também que as estratégias propostas pelo curso articulam-se às suas atitudes, promovendo a construção de um raciocínio teórico-prático que se amplia metodicamente ao longo do percurso.

Assim, analiso que na 2ª Vivência (docência reflexiva), embora não explicite indagações, P3 observa algumas questões positivas, ao mesmo tempo em que relata aspectos que podem favorecer a melhoria do ensino. Observa a dificuldade da pesquisa em casa pelos alunos, aspecto que fica latente no seu pensamento, pois irá se manifestar na seqüência. A partir da 1ª etapa do estágio, mantém e amplia sua observação, no sentido de caracterizar a importância das atividades realizadas na relação com seus objetivos, além de se desafiar a investigar mais sobre a realidade de seus alunos, devido à dificuldade recorrente da pesquisa em casa e de outras situações de aprendizagem em que não ocorre a participação das famílias. Além disso, a cada dificuldade que relata, coloca-se como parte da mesma. Ilustrativo disso é o fato de a professora pensar sobre a escolha dos textos que trabalha com os alunos, sobre o que fazer quando os alunos não trazem o material combinado, sobre o fato de não dar muita chance aos alunos de desenvolverem atividades lúdicas e artísticas, sobre como pode ajudar na compreensão de regras durante trabalhos em grupos e outras atividades.

Nesse contexto, P3 parece distanciar-se mais da sua prática para refletir, inclusive apoiando-se ainda mais no referencial teórico. É possível verificar que suas observações lhe oportunizam a elaborar sua proposta de investigação na 3ª Vivência, na qual propõe analisar e melhorar a questão da leitura na sua turma, especialmente em relação a alguns alunos. Fundamental é a forma pela qual enfrenta o problema, buscando compreendê-lo, pois se coloca no mesmo, levantando hipóteses sobre a sua maneira de ensinar. Interpreto que P3 tem uma postura avaliativa que mantém ao investigar o problema da leitura, observando a si própria, seus alunos e os possíveis intervenientes afetivos, sociais, familiares. Faz isso, ouvindo os outros, enxergando sua experiência, lendo e dialogando com as fontes de conhecimento, sentindo seus alunos. Analisa a experiência e, baseada nos dados documentados e na teoria, elabora uma nova compreensão sobre as dificuldades de leitura.

Desde o início do percurso, é possível verificar mudanças no modo de observar de P3. Assim, “ver-ouvir-ler-sentir” incorporam-se na sua formação durante o CNSMI, favorecendo uma atitude mais investigativa, em direção às mudanças de significado sobre sua prática docente. Essa mudança é constatada na sua Síntese Elaborada de Curso, a qual reflete uma construção de pensamento, que leva a professora a confrontar seu entendimento anterior sobre cada área de conhecimento específico e sobre os conhecimentos pedagógicos com sua compreensão atual, a retomar experiências, explicitar mudanças na prática, demonstrar compreensão teórica e clareza de objetivos.

No contexto das situações formativas propostas pelo curso, experiência, observação problematização e teorização vão sendo articuladas, pois ao se observar e problematizar a

prática, provocam-se sugestões/idéias que se encontram na relação com um problema e conduzem o pensamento na busca de soluções. Desse modo, reflexão e investigação apresentam-se como processos necessários na desestabilização de crenças e de práticas cristalizadas. Para tal transformação sabe-se que é necessário ocorrer uma reelaboração dos quadros conceituais, o que “constitui, nessa ótica, uma mediação entre teoria e prática, revelando, de um lado, novos significados da teoria e, de outro, novas estratégias para a prática” (MIZUKAMI, 2000, p. 144).