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O SIGNIFICADO E AS CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVA COMO ESTRATÉGIA

Diagrama 4 – Percurso de P3

2 REFLEXÃO E AÇÃO DOCENTE: A CONSTITUIÇÃO DE UMA PRÁTICA

4.4 O SIGNIFICADO E AS CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVA COMO ESTRATÉGIA

É comum ouvir que os seres humanos são, por natureza, contadores de história. Nessa perspectiva, a narrativa constitui-se no ato de contar e de revelar o modo pelo qual os sujeitos concebem e vivenciam o mundo. Ramos e Gonçalves (1996) confirmam que a narrativa ou a narração é um tipo de discurso que objetiva relatar um evento ou uma sucessão de eventos e que essa maneira de contar aparece nas histórias, nas notícias, nas biografias, nas autobiografias e em formas similares.

Também Bruner (1997, p. 46) contribui para a compreensão desse tipo de discurso, ao afirmar que

uma narrativa é composta por uma seqüência singular de eventos, estados mentais, ocorrências envolvendo seres humanos como personagens ou atores. Estes são seus constituintes. Mas estes constituintes […] não têm vida ou significado próprios. Seu significado é dado pelo lugar que ocupam na configuração geral da seqüência como um todo, seu enredo ou fábula.

Nesse cenário há também o papel do intérprete em extrair o significado dos constituintes da narrativa no todo de um enredo e este, por sua vez, deve ser extraído da sucessão de eventos.

Disso depreende-se que uma história é composta por uma rede de intenções, de ações, de vivências e nesse contexto os personagens representam e experienciam situações em movimento e que se transformam. Assim, há ação e reação dos sujeitos envolvidos. Gallie, historiador e filósofo britânico citado por Bruner (1997), aponta que as mudanças nas situações revelam aspectos ocultos das mesmas e também dos personagens, o que leva a uma nova condição que solicita reflexão ou ação (ou ambos), permitindo a conclusão da história.

Outra característica indicada por Bruner e que pode auxiliar na análise sobre o significado da narrativa é a possibilidade de forjar ligações entre o excepcional e o comum. Na visão do autor, o “comum” é aquilo que é aceito tacitamente sobre o comportamento ao seu redor e em cada cultura há uma expectativa sobre a maneira das pessoas se comportarem de uma forma adequada ao cenário em que se encontram. Em outras palavras, existem regras, papéis, convenções, ações, comportamentos padrões que não necessitam de explicações adicionais, o comum é visto como auto-explicativo. Ao contrário, quando a pessoa vivencia uma situação na qual existe uma exceção ao comum, possivelmente contará uma história que contenha razões que expliquem o excepcional, fazendo com que este tenha sentido. Dessa forma, a história demonstra um estado intencional que torna compreensível o afastamento do padrão, do comum, do canônico e isso se faz de um jeito próprio e singular.

Dos estudos de Bruner resumem-se alguns aspectos que podem contribuir para a análise das potencialidades da narrativa como estratégia formadora: a narrativa lida com a ação e a intencionalidade humana; é mediadora entre o mundo canônico da cultura e o mundo mais idiossincrático dos desejos, crenças e esperanças; torna o excepcional compreensível; pode ensinar, conservar a memória ou alterar o passado.

Fundamental também é compreender que a narrativa situa-se num tempo e espaço determinados, podendo envolver um ou mais personagens. A idéia de evolução seqüencial

presente na narrativa mostra que o enredo é situado, envolto por um dado contexto temporal e espacial, desenvolvido numa seqüência de eventos. Nesse sentido, torna-se importante reconhecer que a narrativa traz em seu bojo a necessária interação entre presente, passado e futuro.

Nessa dimensão, Clandinin e Connelly (1988) desenvolvem a idéia de “unidade narrativa” como um conceito que explicita a compreensão da unidade percebida na vida de um indivíduo, a qual entrelaça seu passado e o passado da tradição que lhe ajudou a configurar-se. A unidade narrativa é constituída de experiências construídas ao longo da vida da pessoa, a partir da qual também se cristalizam e se formam imagens que são retomadas em situações práticas. Tal unidade não é homogênea, nem lógica, pois há conflitos e tensões que marcam a vida do indivíduo. Dessa maneira, as vidas individuais também incorporam continuidades de conflitos que fazem parte de um conhecimento pessoal derivado de circunstâncias passadas e de contextos específicos.

Ao relacionar os componentes elencados anteriormente com a formação de professores, pode-se caracterizar o professor como um narrador, um escritor e um personagem da sua própria história. Nessa perspectiva há ainda o fato de se acrescentar a dimensão autobiográfica da narrativa, tendo em vista a intenção de fazer com que o profissional desenvolva um processo introspectivo (auto-conhecimento), retrospectivo (ordenação do passado) e prospectivo (visão de futuro) sobre sua vida pessoal e profissional, trazendo à tona acontecimentos que provocarão a reflexão, em função dos significados atribuídos num contexto temporal e espacial.

Nesse sentido, pesquisadores como Nóvoa (1992), Ramos e Gonçalves (1996), Bolívar (2002), Alarcão (2003), Josso (2004), dentre outros, defendem que os momentos da experiência pessoal do professor são pontos de partida pertinentes para o processo formativo e que este não é independente das histórias de vida. Assim, valoriza-se o desenvolvimento profissional dos professores como adultos, levando em conta o seu auto-conhecimento, seus diferentes saberes e suas experiências construídas ao longo de uma vida.

Dessa maneira, considera-se que o enfoque (auto)biográfico ou biográfico-narrativo potencializa a organização da trajetória pessoal e profissional, a reflexão sobre as práticas, a construção de novos conhecimentos. A narrativa auxilia o professor a ampliar sua capacidade de avaliar e analisar o que faz, com vistas a prefigurar o futuro. Como explicita Bolívar (2002, p. 111):

Narrar biograficamente a experiência permite reconstruir a trajetória de vida não só no sentido óbvio de ações (passadas ou atuais), expressas por meio de relatos que fazemos ou ouvimos, porém mais radicalmente no sentido de que os pensamentos e ações estão estruturados em práticas narrativas ou discursivas. Os próprios relatos são ações em que aparecem relações, opções, prefigurando conseqüências e estruturando os modos de escolha e as possíveis avaliações do que foi realizado. Por isso a linguagem narrativa permeia e configura criticamente tal experiência (pensar, sentir, atuar).

Sendo assim, situa-se a importância de conceber o professor como narrador- personagem-escritor de histórias que se constroem a partir de diversas situações da prática docente, nos seus diferentes níveis de complexidade e constituídas de crenças, hábitos, teorias implícitas, referenciais científicos ou não, contextos políticos, sociais, culturais, econômicos, entrelaçados com situações de vida.

A literatura consultada demonstra que quando os professores falam sobre os problemas que envolvem o seu fazer docente, trazem, ao mesmo tempo, dados de suas vidas. Isso aponta para uma outra forma de investigar a prática profissional e promover avanços na formação dos professores.

Porém, um aspecto primordial que deve ser ressaltado é o fato das narrativas possibilitarem a aprendizagem e se constituírem num ato cognitivo. Segundo Alarcão (2003, p. 53), “o acento que se coloca hoje no sujeito cognoscente revalorizou as narrativas como estratégias epistêmicas”. Entende-se que as narrativas devem integrar a cognição e oportunizar um processo reflexivo de apropriação e explicitação dos conhecimentos que o profissional já possui, ampliando sua compreensão sobre os mesmos, num movimento de reconstrução dos seus saberes. É nessa perspectiva que realizamos a descrição e interpretação dos percursos formativos das professoras, a qual será apresentada na seqüência deste trabalho.

4.5 DINÂMICA DE TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS EM SUAS RELAÇÕES