• Nenhum resultado encontrado

Os Motivos, Desejos e as Finalidades Pessoais e Coletivas Influentes no Percurso

Diagrama 4 – Percurso de P3

2 REFLEXÃO E AÇÃO DOCENTE: A CONSTITUIÇÃO DE UMA PRÁTICA

5.2 ENTRE NARRATIVAS E OLHARES: POSSIBILIDADES DE MANIFESTAÇÃO DOS

5.2.1 Os Motivos, Desejos e as Finalidades Pessoais e Coletivas Influentes no Percurso

Apoiando-me na análise de Gimeno Sacristán (1997) sobre o componente dinâmico e energético que move as ações humanas, entendo que os percursos formativos das professoras investigadas são também orientados por fatores pessoais que influenciam a maneira como conduzem o curso de formação. Trata-se de reconhecer seus mecanismos internos de escolha e decisão, seus sentimentos, motivos, desejos, intenções, que se entrelaçam com o processo

cognitivo, na assimilação e construção de conhecimentos sobre sua prática docente, direcionando o curso da ação.

Nesse sentido, P1 expressa o desejo de “melhorar sua prática”, menciona o conceito inicialmente abordado no curso sobre “professor reflexivo” e mostra-se curiosa, à procura do novo, com espírito aberto, querendo alterar velhas crenças e examinar conseqüências na ação, atitudes apontadas por Dewey (1979) e inerentes a um processo reflexivo. No entanto, também expressa o desejo de realizar um curso superior, o qual não tinha condições de fazer por morar distante de centros que possuíam Faculdades/Universidades e por ter filhos que precisavam da sua presença. A realização do curso superior também se liga à sua necessidade de adquirir e atualizar conhecimentos como profissional, como demonstrou em vários episódios.

No caso de P2, embora se mostre preocupada com a aprendizagem de seus alunos, centra sua motivação na idéia de aperfeiçoar-se, recuperar o tempo em que ficou “parada” e deixa claro que deseja prosseguir estudos numa Pós-Graduação. Também apresenta uma satisfação ao adentrar no curso, em função dos mesmos motivos de P1, como as dificuldades de deslocamento para cursar uma faculdade e conciliar os papéis de profissional, esposa, mãe e aluna.

A necessidade de atender a legislação vigente igualmente é um forte motivo para P3 inserir-se num curso de formação de professores, em nível superior. Esse fato a inclui num grupo de profissionais situado num determinado contexto institucional e legal. A exemplo de P1, esta professora também mora numa comunidade rural e tem dificuldades para se ausentar da família, cujo apoio, no entanto, tornou-se fundamental para que pudesse realizar o curso. Assim, P3 buscou saídas para resolver os problemas iniciais, como a necessidade de conseguir transferência para o período matutino, demonstrando vontade e desejo de seguir um novo percurso na carreira profissional, o que atingiria sua vida pessoal.

Além disso, analiso que P3 expressa uma vontade de vencer seus medos, alterar rotinas e melhorar suas experiências de docência, desde a sua 1ª narrativa. Essa vontade desencadeia uma busca, que ela traduz numa finalidade: proporcionar uma aprendizagem mais significativa aos seus alunos, diferente do modelo de ensino e aprendizagem que teve como aluna. Além do referencial de ensino que teve, o qual denomina de “tradicional”, P3 demonstra disposição para pensar a sua prática pedagógica e acredita ter cometido “erros”, questão que parece fazê-la crer que o curso apontaria tais equívocos e indicaria novas possibilidades na forma de ensinar.

Diante da análise dos três percursos, percebo também algumas características que coincidem com elementos presentes na etapa da Diversificação apontada por Huberman (1992). A referida fase é ampla e se relaciona ao período de 7 a 25 anos de carreira, porém apresenta algumas tendências centrais, tais como: a necessidade do profissional lançar-se em experiências pessoais, diversificando o modo de ensinar; a busca de novos desafios, articulada a novos estímulos, novas idéias, novos compromissos pessoais e/ou coletivos. Essa busca pode responder a um receio de cair na rotina e auxiliar o profissional a manter o entusiasmo pela profissão. Partir para novas experiências e manter a satisfação ao ensinar pode corresponder a um momento de questionamentos do profissional em torno de si e do seu trabalho.

Por outro lado, é importante lembrar que uma outra tendência na fase de

Diversificação refere-se ao fato de o profissional sentir-se em condições de discutir as

questões mais amplas que envolvem a educação, como os fatores institucionais, as reformas, as questões políticas, dentre outras. Essa condição pode promover novas motivações, inclusive no que diz respeito à ambição pessoal, aspecto que se traduz na busca de mais prestígio, autoridade, responsabilidade, em função do acesso às funções administrativas.

Relacionando o citado estudo, considero que as professoras demonstram, no período de formação no CNSMI, uma disposição para se lançarem em experiências pessoais, buscando diversificar formas de ensinar. Penso que apresentam essa característica especialmente por manifestarem uma insatisfação em relação à forma como ensinavam, entendendo que precisavam mudá-la em benefício da melhor aprendizagem dos alunos. Cabe refletir que a questão da “inovação” é um discurso muito presente no meio educacional, através dos cursos, palestras, reuniões pedagógicas e outros eventos/situações de formação docente. Nesse caso, as professoras podem ter chegado no curso com toda uma bagagem de questionamentos exteriores que assimilaram ao longo de suas histórias.

No entanto, a manifestação de mudança está presente desde os memoriais das três professoras, sendo possível também perceber que cada uma direciona suas metas de forma diferenciada. Sendo assim, P1 e P3 apresentam semelhanças ao questionarem suas práticas, expondo certas dificuldades e inseguranças, além de demonstrarem abertura para rever o que já sabiam e faziam. No caso de P2, evidencia-se a perspectiva de prosseguir os estudos e realizar uma Pós-Graduação após concluir o curso, o que parece mobilizar um novo sentimento em relação à sua capacidade pessoal-profissional.

Além disso, as professoras parecem buscar novos estímulos pessoais e profissionais, dispondo-se a se comprometerem com um novo projeto, no caso, o CNSMI. Ocorre a

possibilidade de se envolverem num projeto mais abrangente de formação acadêmica, o qual poderia tornar-se um espaço de expressão e de aprendizagem coletiva de um grupo mobilizado em torno de uma “oportunidade” de formação em nível superior.

É interessante analisar que o conjunto de motivos e desejos pessoais das professoras está ligado a um sentimento de pertença a um determinado grupo profissional que, naquele contexto, necessitava de uma formação em nível superior e uma certificação de sua experiência, por força da legislação vigente. Direciona-se assim uma finalidade individual de realizar um curso de graduação, mas que se articula a uma finalidade coletiva, situada num dado momento histórico para a profissão. Incluem-se as necessidades apontadas pelos municípios e respectivas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, considerando os planos de carreira desses profissionais. Tais fatos desencadeiam uma preocupação das professoras com si mesmas, com o ensino, com suas carreiras, com o papel que têm na organização a que pertencem.

Diante disso, motivos, desejos e finalidades pessoais vão se articulando aos motivos e às intenções coletivas e institucionais. Nesse cenário, situa-se o Curso Normal Superior, no qual as professoras inseriam-se. Este se incluía num contexto institucional, político, legislativo, tecnológico, o qual definia determinados objetivos para a formação de professores, considerando algumas necessidades, como a de formar “professores reflexivos”, finalidade assumida e traduzida nas estratégias formativas desenvolvidas.

Convém então analisar que a reflexão ocorre em meio à complexidade das práticas pessoais e sociais, nos contextos e tempos em que se engendram, envolvendo um conjunto de condições para que se realize. Isto é, existe uma gama de interações entre pessoas, instituições, conhecimentos, que são mobilizadas em situações e tempos específicos. Desse modo, no curso em questão, era preciso equilibrar as necessidades formativas definidas pelo contexto em que o programa situou-se e as necessidades individuais dos professores. Como abordam Pacheco e Flores (1999), o equilíbrio entre o modelo de referência do formador e o modelo pedagógico do formando deve resultar num modelo personalizado do formando.

Em função dos percursos examinados, analiso que o curso vai adquirindo um valor para as professoras durante o período de formação, coadunando-se com seus desejos e intenções e direcionando formas de conhecer suas práticas docentes. Entendo que as intenções coletivas são traduzidas pelas professoras, sendo vistas como necessárias e significativas.

Nesse raciocínio, percebo uma positividade das estratégias formativas desenvolvidas no curso, porque, ao longo do percurso, vão permitindo que os motivos e finalidades individuais-coletivas articulem-se à esfera cognitiva das professoras, impulsionando processos

reflexivos. Fundamentando-me em Gimeno Sacristán (1999), é possível perceber que o componente dinâmico e energético que envolve a ação compõe-se de esquemas afetivos que orientam, sustentam, dão confiança e promovem a ação. Para mim, as estratégias formativas auxiliaram as professoras a manter seus motivos, desejos e finalidades, as quais se ampliaram e se transformaram até o final do percurso. Tal aspecto pode ser demonstrado pelo posicionamento e ações dos profissionais quando observam e problematizam suas experiências, descrevem e analisam suas práticas e se envolvem em processos investigativos, eixos que serão analisados a seguir.