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A OCUPAÇÃO DE CARGOS ENCONTRADA NA BIBLIOGRAFIA

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CAPÍTULO 1. “HIS-STORY” OU “HER-STORY” DO ESPIRITISMO?

2.4. A OCUPAÇÃO DE CARGOS ENCONTRADA NA BIBLIOGRAFIA

Na revisão bibliográfica, encontrei apenas três autores (CAVALCANTI, 2008; LEWGOY, 2000; SILVA, 2006) que em suas pesquisas de campo124 descrevem a participação de homens e mulheres na hierarquia de funções na administração e na práxis doutrinária espírita.

Embora o foco de suas pesquisas não seja uma análise de gênero da organização e funcionamento das instituições espíritas, as informações repassadas permitem um diagnóstico

124 No final deste tópico transcrevo apenas uma pequena citação da experiência pessoal de José Rodrigues (2012),

que embora também faça um pesquisa de campo, seu intento não é fazer uma descrição pormenorizada das relações que se dão nas instituições espíritas, mas enfoca o trânsito religioso e sua motivação.

atualizado – embora precário por ser apenas três instituições: Rio de Janeiro-RJ, Porto Alegre- RS e Salvador-BA – do movimento espírita brasileiro.

O centro espírita “Lar de Tereza”, localizado em Ipanema-RJ, estudado por Maria Laura Castro é “organizado sobretudo por mulheres. Porém, excluindo-se as organizadoras, homens

e mulheres participavam igualmente das tarefas” (CAVALCANTI, 2008, p. 52).

Parece que as tarefas administrativas e mediúnicas acumulam-se sobre as mesmas pessoas, mulheres, devido, provavelmente, ser estas os “médiuns mais qualificados do centro

(CAVALCANTI, 2008, p. 53), o que lhes confere uma liderança carismática, ou seja, sua capacidade administrativa não segue tanto “normas gerais, tradicionais ou racionais”, mas advém das qualidades carismáticas através do controle do fenômeno mediúnico “e outros

êxitos, ou seja, através do bem-estar dos governados”, que por sua vez, advém das “revelações e inspirações concretas” (Weber, 1982, p. 340) do plano espiritual, como se pode ler abaixo:

Tereza, a presidente e a diretora administrativa, sua amiga pessoal e quem a substitui nas ausências e divide com ela a tarefa de direção do desenvolvimento mediúnico, são também os dois médiuns mais qualificados do centro. A autoridade que exerce no plano terreno deriva do contato com o plano espiritual, é conferida por ele. A mediunidade emerge como o valor englobante de todo esse sistema. (CAVALCANTI,

2008, p. 53)

Na descrição da autora percebe-se que – pode-se levantar como hipótese – as mulheres no topo da hierarquia espírita são “donas de casa” que já cumpriram dupla jornada de trabalho (dentro e fora do lar), e para que tenham disponibilidade de horário para se dedicarem às tarefas no centro espírita ou são aposentadas ou dependem da renda de um provedor, possivelmente um homem, ou seja, suas famílias devem seguir uma tradicional divisão sexual do trabalho. Os homens da família provavelmente não poderiam “largar o trabalho fora para dedicar-se ao

centro” – pois, certamente, na diretoria os trabalhos não são remunerados:

Os organizadores do Lar de Tereza são em sua grande maioria mulheres [...] Algumas encontram-se diariamente no centro, outras revezam-se durante a semana de acordo com a tarefa que desempenham. As portas do centro encontram-se geralmente abertas, guardadas por um porteiro, que é também faxineiro e ajudante em múltiplos serviços, ou por algum cooperador. O movimento de pessoas nos horários de sessões públicas é grande, nos de sessões privadas menor. Nos horários em que não há sessões (hora de almoço, intervalo entre sessões, sábado à tarde e domingo) encontram-se lá sobretudo as organizadoras, trabalhando na programação de alguma tarefa, discutindo algum assunto pendente, arrumando a secretaria ou simplesmente conversando e contando casos. (CAVALCANTI, 2008, p. 44)

Para Cavalcanti, embora formalmente exista uma diretoria, “na prática a direção do

centro é individualizada na figura de sua presidente ou diretora”, devido à liderança

carismática, assim, embora apresente toda uma estrutura funcional, a “organização do centro

A autora, com base em Renshaw125 e Camargo126, afirma que a organização e estrutura – “extremamente flexível e informal” – do movimento espírita “se caracteriza: pela

simplicidade, voluntarismo e personalismo [...] a natureza democrática do grupo espírita como representando um valor dos urbanistas socialmente ascendentes e a rejeição da organização tradicional da sociedade” (CAVALCANTI, 2008, p. 47).

Este tipo de liderança carismática provavelmente tenda a favorecer a ascensão feminina, uma vez que – como retratei anteriormente – a mediunidade parece constituir um locus e um

ethos feminino. Assim a autora explica a colocação de pessoal nos cargos de um centro espírita conforme a “hierarquia de potencial”:

De fato, todo espírita tem potencialmente acesso a todas as posições no centro, e, de fato, a presidente ou as diretoras de departamentos fazem de tudo, desde arrumar uma sala até dirigir uma sessão. Essa percepção todavia é superficial, e dissocia o aspecto organizacional do centro do conteúdo do sistema de crenças espírita. No plano das representações espíritas, a distribuição e divisão de tarefas no centro é regida pela noção de hierarquia de potencial, pois não há no Espiritismo "posições sacerdotais" ou "hierarquia no sentido ritualístico". Essa noção dá conta de uma dimensão relevante do funcionamento do centro, e ancora-se nas representações espíritas acerca da pessoa.

A construção dessa hierarquia é vista como tendo seu início no encaminhamento das pessoas para as tarefas existentes. Os espíritas percebem esse processo como correspondendo à adequação entre as necessidades do centro e o julgamento da presidente, ou dirigente de núcleo específico de tarefas, de um lado, e a escolha, vontade e capacidade do participante de outro. (CAVALCANTI, 2008, p. 47)

Diferentemente, para Bernardo Lewgoy, o Espiritismo segue uma tendência de racionalização do sagrado nos moldes do militarismo127 e da burocracia estatal128, onde segue- se o critério de antiguidade e desempenho de sua função:

Castro (1983), ao discutir as concepções nativas de indivíduo e pessoa, já havia chamado a atenção para a existência de uma hierarquia de potencial no espiritismo, ao que acrescentei acima o fator da antiguidade. Importante ainda é a coincidência entre hierarquia e responsabilidade no espiritismo: um respeito hierárquico devido a um médium corresponde a uma expectativa e um controle maior sobre o desempenho

de sua função. (LEWGOY, 2000, p. 268)

125 RENSHAW, Parke. A Sociological Analysis of Spiritism in Brazil (mimeog.). Dissertation presented to the

Graduate Council of The University of Florida, University of Florida, 1969.

126 CAMARGO, C. P. Kardecismo e Umbanda. São Paulo: Pioneira, 1961.

127 Aqui temos uma outra “afinidade eletiva” do Espiritismo, agora, com o militarismo, que se fortalecem em nosso

país, ao mesmo tempo, a partir do fim do Império, e que segundo Bernardo Lewgoy (2001, p. 71) o Espiritismo se identificou “com os valores militares, a disciplina, a obediência e o mérito, pois a Companhia de Jesus [a qual pertenceu o espírito Emmanuel] sempre foi conhecida como uma espécie de ordem religiosa militarizada”. O autor exemplifica sua afirmação com base em uma das obras nacionalistas psicografadas por Chico Xavier: “Como numa

hierarquia militar, Emmanuel comanda uma falange de espíritos de luz, assim como está subordinado a Ismael (patrono espiritual do Brasil) e este, por sua vez, subordinado a Cristo, governador espiritual da Terra na versão veiculada em Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho” (LEWGOY 2001, p. 71).

128 Lewgoy (2000, p. 16) afirma que “o modelo de relação do espiritismo com o público externo inspira-se numa

certa concepção estatista de sociedade ou de ‘público’ no Brasil, daí a semelhança estética de centros espíritas com repartições públicas, com a austeridade de suas cadeiras, suas fichas de papelão, mas também com a noção fortemente moralizada de trabalho vigente nesses espaços, que lembra o ideário populista”.

Neste novo modelo, “liderança burocrática (em que o que importa é a responsabilidade

funcional do cargo)” creio que os homens tenham facilidade de ascensão, diferente da

“liderança carismática (implícita na hierarquia de potencial entre os médiuns)”(LEWGOY, 2000, p. 268) que tende a favorecer as mulheres, pois no ideário espírita: o homem é o cérebro e a mulher, o coração (EMMANUEL [Espírito] e XAVIER, [médium]. 1945 [1940], p. 48; KARDEC, 2004 [1858], p. 513).

Assim uma maior sensibilidade feminina favoreceria a liderança carismática devido apresentar um potencial mediúnico maior que os médiuns masculinos que por estar associado à maior racionalidade e autoridade é favorecido pela liderança burocrática.

Segundo Lewgoy, a organização da prática mediúnica segue o modelo burocrático estatal:

Em último lugar, as categorias utilizadas, "serviço", "trabalho", "mandato mediúnico" (ou "mediunato"), decreto de desapropriação, remetem ao coração de uma linguagem burocrática, administrativa, impessoal e abstrata, [...] que liga-se a visão orgânica, hierárquica, militarizante e meritocrática de sociedade [...]

(LEWGOY, 2000, p. 190)

O grupo espírita, Instituto Espírita Luz e Caridade, situado no centro de Porto Alegre- PR, pesquisado por Lewgoy (2000), em Porto Alegre, parece mesclar ambas tipologias de liderança, carismática e burocrática (cf. LEWGOY, 2000, p. 324).

E por último o registro e as reflexões de gênero de Gleide Silva (2006), que pesquisou um centro espírita, a Casa de Oração Bezerra de Menezes, situado no bairro de Brotas da cidade de Salvador-BA:

Vale ressaltar que para as outras categorias que envolvem a doutrinação e atividades relacionadas aos cargos da diretoria, a composição é semelhante, tendo um leve incremento na participação das mulheres da amostra. Dessa forma, enquanto todos os homens estão envolvidos com palestras e doutrinação dos espíritos, cinco mulheres desenvolvem estes mesmo trabalhos. Em relação aos cargos da diretoria, nesta amostra as representantes femininas se mostram mais participativas do que os homens, embora em relação a elas mesmas, a participação ainda é pequena: apenas três de onze mulheres desempenham as atividades de direção. (SILVA, 2006, p. 160)

Gleide da Silva (2006) parece confirmar que ainda elas estão em desvantagem no Espiritismo. E conclui a autora a relação gênero, mediunidade e administração:

Por fim, lançando um olhar setorial e também global para o quadro de atividades percebemos que os desenhos que se formam em torno dos dados agregados da mediunidade e os da participação, nos quais existe uma predominância feminina, é muito semelhante. Por sua vez, a presença masculina é muito mais forte nos setores das atividades concernentes à coordenação e à doutrina. Eles – na amostra, volto a repetir - são menos expressivos, porém, nas atividades relacionadas à administração, ao passo que as mulheres se sobressaíram mais. Os dois quadros (o de papéis e o de atividades) em termos proporcionais, de certa maneira, acabam ainda refletindo um modelo tradicional de divisão de papéis entre o homem e a mulher por enquanto vigente na sociedade, mas com uma tendência à mudança, já que as mulheres da classe média no centro estão, aos poucos, ocupando os espaços e papéis de forma

mais equânime. Elas, de maneira esmagadora, preenchem os espaços e funções em que a emoção e a afetividade são mais presentes, mas também se fazem notar nas posições de coordenação, embora em menor quantidade, e até de administração.

(SILVA, 2006, p. 160-161) [Grifos meus.]

Na observação, “em mais de 50 anos de contato com Centros Espíritas no Brasil”, de José Rodrigues (2012), os homens predominam as áreas de administração e divulgação, enquanto as mulheres são maioria no campo assistencial:

No Espiritismo existem áreas onde as mulheres estão mais presentes do que os homens, e vice-versa. A observação do autor, em mais de 50 anos de contato com Centros Espíritas no Brasil, revela, por exemplo, que nas atividades assistenciais realizadas nos Centros Espíritas predominam as mulheres; nas atividades de direção e divulgação por palestras e eventos, predominam os homens. [...] como no Espiritismo a grande maioria de Centros Espíritas possui atividade filantrópica, há mais campo para a participação das mulheres que já demonstraram preferência por esse setor. O pendor das mulheres para as atividades assistenciais também pode ser evidenciado na pesquisa de SIMÕES (2005). (RODRIGUES, 2012, p. 227) [Grifos

meus.]

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