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SOBRE A APLICAÇÃO DO MÉTODO: ANÁLISE DE CONTEÚDO

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CAPÍTULO 3. O HOMEM É O CÉREBRO, A MULHER, CORAÇÃO

3.1. SOBRE A APLICAÇÃO DO MÉTODO: ANÁLISE DE CONTEÚDO

Como pesquisa bibliográfica, esta foi iniciada por um levantamento bibliográfico amplo da extensa e diversificada literatura espírita e da produção científica, envolvendo os conceitos- chave “Espiritismo” – principalmente no que tange à sua história como livros biográficos espíritas; teses, dissertações e artigos científicos; e outras fontes não-espíritas como as obras de Ubiratan Machado e Marcel Souto Maior – e “Espiritismo e mulher”, em especial os textos doutrinários espíritas e as pesquisas científicas que relacionavam “mediunidade e psiquiatria”147.

Após este levantamento bibliográfico mais amplo, a próxima etapa foi a delimitação do objeto de pesquisa.

Num esforço conjunto com minha orientadora, a Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza, delimitamos, num primeiro recorte, o objeto desta pesquisa em tão somente: a produção lítero- doutrinária espírita – deixando de fora os romances, contos, poesias, literatura infanto-juvenil e similares – centrando o foco em autores/as (médium e espíritos) que tiveram e ainda têm maior destaque para o movimento espírita brasileiro, como o sistematizador do Espiritismo francês, Allan Kardec e o médium brasileiro Francisco Candido Xavier (Chico Xavier); embora também utilizamos autores/as de menor repercussão no mercado literário, como contraponto e assim possamos entender como são assimiladas as representações de gênero destes referenciais, Kardec e Chico, na reprodução lítero-doutrinária do movimento espírita, inclusive na Internet.

Em um segundo recorte, selecionamos apenas textos doutrinários que trouxessem explícitas as representações de gênero, ou seja, como o Espiritismo constrói e legitima suas representações simbólicas do feminino e do masculino, no espaço profano e no espaço sagrado, a partir de sua cosmologia que tende a sacralizar as diferenças sexuais formatando papéis sexuais diferenciados, colocando-os em consonância com uma tradicional e hierárquica divisão

147 Dois textos que lemos em 2010 como bibliografia obrigatória do exame de seleção do Programa de Pós-

graduação (mestrado) da UFPA nos levaram por este caminho: Mauss, (2003) e Maués (2005) os quais retratavam o senso comum (representações sociais) de que as mulheres eram mais propícias à magia dada sua pretensa condição de fragilidade orgânica e psicológica – trataremos mais adiante estas representações. Em 2013, o aprofundamento da pesquisa desta temática resultou em um artigo apresentado no 26º Congresso Internacional da Soter, em Belo Horizonte, com o título: “MEDIUNIDADE, FACULDADE OU DOENÇA? Uma análise de gênero entre os saberes secular, o religioso e o popular”.

sexual do trabalho: os homens, em situação de dominância, com o trabalho extra doméstico e as mulheres, em situação de subalternidade, com o trabalho doméstico.

Após a delimitação do objeto, parti para um inventário bibliográfico148 específico envolvendo apenas a temática “Espiritismo e gênero”, sendo que esta etapa foi um árduo trabalho de “garimpagem” dada a vastidão da literatura espírita e a quase inexistência de trabalhos acadêmicos e também de fontes espíritas sobre a temática de gênero, isto principalmente em relação às representações de gênero específica de “homens”, em sentido específico (masculino) e não genérico representando ambos os sexos, sinônimo de ser humano, pois neste caso parece ser uso comum de todos/as autores/as espíritas, encarnados ou desencarnados.

E para analisar as representações de gênero espíritas contidas nos textos selecionados, escolhemos o método de análise de conteúdo de Laurence Bardin (1977), que assim o descreve:

Um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até a extração de estruturas traduzíveis em modelos – é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial do inédito (do não-dito), retido por qualquer mensagem.(BARDIN, 1977, p. 9)

Assim, de posse dos dados deste inventário bibliográfico, passei a seguir os procedimentos metodológicos do método de investigação (análise de conteúdo) elaborado pela autora (BARDIN, 1977).

Foram várias leituras do material selecionado, orientadas pela perspectiva de gênero, onde se estabeleceu “um contato com os documentos a analisar e conhecer todo o material

deixando-se invadir por impressões e orientações. Esta fase é chamada de leitura “flutuante”, por analogia com a atitude do psicanalista” (FONTELES, 2007, p. 9)

Num próximo passo, foi realizado um processo de categorização utilizando-se o agrupamento de ideias-chave sobre um mesmo tema (categoria), conforme nem tanto pela frequência que aparecem nos textos selecionados, mas principalmente pela forma como tais temas se estruturaram na argumentação dos /as autores /as e na cosmovisão espírita.

A categorização é definida por Bardin (1977, p. 117) como “sendo uma operação de

classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos.”

E por fim a “análise das comunicações”, propriamente dita, “visando obter [...]

indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.” (BARDIN, 1977, p.

42). Ou seja, o objetivo foi investigar a compreensão dos/as autores/as espíritas, no contexto sociocultural em que foram e são produzidas as representações de gênero, enfim, verificar a influência desse contexto na produção lítero-doutrinária espírita e qual seu sentido.

Minha intenção com esta pesquisa não foi esgotar as representações de gênero contidas, de forma explícitas ou não, nos textos analisados. Mas buscar me aproximar das origens das representações e relações de gênero que figuram tanto na literatura doutrinária espírita, objeto da pesquisa, quanto na práxis espírita, que me serviu de “grupo de controle”, na fase de interpretação dos dados.

Esta opção de centrar o foco em determinadas categorias de análise, e deixar outras de fora, fiz com base na afirmação de Roque Moraes (1999):

A análise de conteúdo, em sua vertente qualitativa, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é único. Poderá ser enfocado em função de diferentes perspectivas. Por isso, um texto contém muitos significados [...] (MORAES, 1999, p. 2)

Ainda com base em Moraes (1999, p. 2), é preciso estar ciente que o sentido simbólico (as representações de gênero) que os autores espíritas pretenderam expressar pode ou não coincidir com o sentido percebido pelo leitorado – de ambos os sexos – ou com a incorporação deste sentido simbólico no ethos espírita, pois como o leitorado espírita não é um todo homogêneo, uma mesma mensagem pode ser captada com sentidos diferentes por diferentes leitores/as; e por fim, os textos doutrinários aqui analisados foram escritos num tempo em que as teorias feministas estavam ainda germinando e, portanto tais textos provavelmente expressavam sentidos que os próprios autores não estavam conscientes.

Daí a necessidade de se fazer recortes na pesquisa.

De certo modo a análise de conteúdo, é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura se constitui numa interpretação. (MORAES, 1999, p. 3)

E não só o leitorado espírita está sujeito à polissemia na interpretação da literatura espírita, pois igualmente a academia, utilizando-se de diferentes perspectivas metodológica já produziu alguns sentidos para as representações de gênero espíritas diferentes das quais explorarei a seguir.

Também é necessário se afirmar a impossibilidade de esgotamento do contexto no qual foram produzidos os textos e suas representações de gênero. Pois conforme Roque Moraes (1999):

O contexto dentro do qual se analisam os dados deve ser explicitado em qualquer análise de conteúdo. Embora os dados estejam expressos diretamente no texto, o contexto precisa ser reconstruído pelo pesquisador. Isto estabelece certos limites. Não é possível incluir, nessa reconstrução, todas as condições que coexistem, precedem ou sucedem a mensagem, no tempo e no espaço. Não existem limites lógicos para delimitar o contexto da análise. Isto vai depender do pesquisador, da disciplina e dos objetivos propostos para a investigação, além da natureza dos materiais sob análise. (MORAES, 1999, p. 3)

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