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Médium de Incorporação

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CAPÍTULO 1. “HIS-STORY” OU “HER-STORY” DO ESPIRITISMO?

2.5. A ASSIMETRIA SEXUAL NAS REUNIÕES MEDIÚNICAS

2.5.2. Médium de Incorporação

Não pretendo me alongar muito na descrição desta função, até porque já o fiz em parte ao descrever a função de doutrinador, principal protagonista encarnado no cenário mediúnico.

Para Cavalcanti (2008, p. 119) “O médium de incorporação toma o lugar do obsidiado,

representa-o simbolicamente. Na incorporação expressa-se com clareza o sentido que a mediunidade ostensiva tem para os espíritas. Ela é uma tarefa, uma provação, um testemunho.”

No movimento espírita há a crença de que a mediunidade ostensiva (NEVES, 1992, s.p.) “é uma outorga, uma prova que o médium pode elevar à categoria de missão pela forma

dedicada e responsável como exerce o seu mediunato. Trata-se de um compromisso assumido com a própria consciência para resgate de faltas ou abertura de novos roteiros evolutivos.”

André Luiz assim classifica os médiuns que atuam nas reuniões mediúnicas, em especial:

Na obra da desobsessão, os médiuns psicofísicos são aqueles chamados a emprestar recursos fisiológicos aos sofredores desencarnados para que estes sejam socorridos. Deles se pede atitude de fé positiva, baseada na certeza de que a Espiritualidade Superior lhes acompanha o trabalho em moldes de zelo e supervisão. Compreendendo que ninguém é chamado por acaso a tarefa de tamanha envergadura moral, verificarão facilmente que, da passividade construtiva que demonstrem, depende o êxito da empreitada de luz e libertação em que foram admitidos. (XAVIER, F. C.; VIEIRA, W. [médiuns]; ANDRÉ LUIZ [espírito], 1997 [1964], p. 103) [Grifos meus.]

Diferente da função de doutrinador, a função de médium – de psicografia, de psicofonia e de passe – guarda uma relação direta com as representações femininas e/ou com os valores socialmente entendidos como femininos (LEWGOY, 2000, p. 77), como passividade, como “falar mais baixo, mais contidas na gesticulação, nunca se levantarem, etc.”, no que a autora denomina “‘feminização’ no cenário mediúnico” (SILVA, 2006, p. 161):

Sob esta acepção, as várias mulheres (embora nem todas) ao dar suas comunicações mostravam alguns traços semelhantes entre si, como falar mais baixo, mais contidas

na gesticulação, nunca se levantarem, etc. Dessa forma, mediante a quantidade de

mulheres médiuns e de uma consequente conformação que, em linhas gerais, imprimem às comunicações nós podemos pensar numa “feminização” no cenário mediúnico, embora, algumas delas também conduzam algumas das reuniões práticas de que participei. (SILVA, 2006, p. 161) [Grifos meus.]

Com base em um “tradicional estoque simbólico do feminino” (LEWGOY, 2000, p. 293), eu pesquisador, levanto a hipótese de que as casas espíritas, para as mulheres, seriam uma extensão de seus próprios domicílios (SOUZA; LEMOS, 2009). Não seria o mediunato uma projeção de seus afazeres domésticos? A mediunidade de cura não seria comparável aos cuidados de uma mãe para com seus filhinhos quando adoecem? A psicofonia e a psicografia não seriam semelhantes à prática de nossas avós ao admoestarmo-nos contando histórias de cunho moral?

Quando atuam como trabalhadoras espíritas, é mais na prática mediúnica, como médiuns do que na elaboração e reelaboração da doutrina espírita. Mas na hora de dar bronca, de ralhar com espíritos obsessores, cabe ao médium doutrinador, geralmente um homem, pela sua postura austera e enérgica, conforme o papel tradicional de pai (patriarca), como apresentei anteriormente.

2. 6. UMA DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA DA DIVISÃO DO TRABALHO ESPÍRITA

Nunes (2005, p. 363), sobre a maior participação das mulheres nas religiões, comenta que, “Dados estatísticos costumam confirmar a observação do senso comum de que as

mulheres investem mais em religião do que os homens. Daí se conclui que elas seriam ‘mais religiosas’ do que eles”.

Se os dados do Censo 2010 (IBGE, 2000; 2010) indicaram ser feminino quase 60% do universo espírita, por que a tão tímida participação nas lideranças das casas espíritas (e também das federações espíritas), em muitos departamentos?

Mas quais são os atributos/requisitos para ascender às ocupações na hierarquia espírita, que venham a revelar tal assimetria sexual no Espiritismo? Não era de se esperar um número mais representativo de trabalhadoras espíritas? Não era de se esperar uma estatística mais mediana, seguindo a probabilidade “genética” de 50% de homens e de mulheres em todos os cargos e ocupações relacionadas ao Espiritismo? Ou a probabilidade de quase 60% de mulheres, a qual é a proporção censitária?

E quanto à mediunidade, se para o Espiritismo, todos somos médiuns, pois define a mediunidade como faculdade humana, sem se considerar o grau de sensibilidade desta faculdade, não era, igualmente, de se esperar uma melhor proporcionalidade entre os sexos?

Entretanto como encontrou em sua pesquisa de campo, Gleide Silva (2006) “as

mulheres são a esmagadora maioria nas atividades relativas à mediunidade” – uma atividade

que historicamente esteve relacionada ao ambiente doméstico e com um “ethos” feminino – os homens se dedicavam apenas ao trabalho intelectual (ensino e pesquisa) do Espiritismo, daí se compreende que “a presença dos homens enquanto médiuns é ainda muito acanhada” (SILVA, 2006, p. 160). Relata a autora:

o que verificamos quando analisamos a distribuição de papéis e atividades desenvolvidas pelo grupo na Casa de Oração levando em consideração o gênero, em que os homens ocupam posições centrais e de comando, enquanto algumas mulheres, apesar do nível de conhecimento cosmológico que demonstram ter, por diversos motivos, não ocupam tais posições, embora haja uma tendência para este preenchimento. Paralelamente, as mulheres são predominantes no exercício da mediunidade – um trabalho que envolve diretamente o corpo e contribui para a conformação de um ethos mediúnico específico. Tal estruturação, sem dúvida, para além do próprio centro a hierarquia de cargos e sua divisão por sexo, como diz a autora] reflete, de certa maneira, a divisão de papéis entre homens e mulheres que ainda vigora na sociedade(SILVA, 2006, p. 203)

O Espiritismo, algo dessemelhante da maioria das religiões, não há a figura do sacerdote. Como Weber (2000, p. 295) afirma: “Não há, sacerdócio sem culto, mas sim culto sem

Assim descreve Incontri (2012) sobre a institucionalização do movimento espírita no Brasil:

se comparada à de outras religiões, que se constituem em Igrejas – é mais democrática, pela ausência de sacerdócio e hierarquias e pela eleição de seus membros, que ocupam cargos administrativos e constitui-se mais um apelo de unificação, que obrigatoriedade doutrinária. (INCONTRI, 2012, p. 168)

Como não há um sacerdócio institucionalizado, não há hierarquia sacerdotal e nem qualquer pagamento para aqueles que atuem em funções correlatas. Desta feita, dois fatores são decisivos na colocação de pessoal nas funções de liderança de um centro espírita: primeiro, a hierarquia administrativa exigida pelo Código Civil, Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que em seu Art. 54 e inciso V139, reza que “Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá [...] o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos” o que

pressupõe uma constituição mínima dos cargos de diretoria eleita por alguma forma de escrutínio; e segundo, uma forma de seleção e indicação de candidatos/as critérios de meritocracia que oscilam entre uma “liderança carismática”, como a capacidade de doação aliada ou não há mediunidade, e a “liderança burocrática”, onde importa os fatores: antiguidade, “respeito hierárquico” e competência técnica.

Cavalcanti, assim descreve a organização e o funcionamento de um centro espírita no Rio de Janeiro-RJ:

O centro compõe-se formalmente de uma diretoria, conselho fiscal e consultivo, tesouraria e secretaria-geral e um corpo de sócios. Mantém-se através de contribuições voluntárias e fundos levantados em campanhas, bazares e lanches. Organiza-se em quatro departamentos: programação doutrinária e orientação mediúnica, serviços assistenciais, divulgação, e infância e mocidade, sendo seus responsáveis nomeados pela diretoria.

Cada departamento é um núcleo de tarefas, suas diretoras têm uma reunião mensal com a presidente e reuniões com os dirigentes dos subgrupos do setor. Os dirigentes dos subgrupos, por sua vez, têm reuniões com os colaboradores de tarefas específicas. Em todos esses níveis, num grau crescente de poder e responsabilidade, quem ocupa um cargo de direção deve supervisionar todas as tarefas coordenadas por seu núcleo.

(CAVALCANTI, 2008, p. 47).

Nesta realidade organizacional, homens e mulheres espíritas se distribuem diferentemente nas funções ou cargos nas casas espíritas, conforme procuro demonstrar através da figura de uma pirâmide social (Figura 10).

De início, é bom lembrar que há mobilidade das pessoas entre as diferentes estratificações sociais da casa espírita, ou seja, há a possiblidade e certa facilidade de ascensão a cargos e funções mais superiores na administração e divulgação doutrinária espírita, para ambos os sexos, embora, de forma diferenciada.

Figura 10 – Pirâmide da distribuição sexual na hierarquia espírita

Fonte: Autor (2014).140

Estrato 1. Neste primeiro estrato, estão os/as beneficiários/as, sendo que a grande

maioria são mulheres que frequentam os estudos sequenciados de doutrina espírita (evangelho, mediunidade, e outros), ou esporadicamente assistem palestras temáticas; aqui, também estão aquelas pessoas que se declaram espíritas, mas não necessariamente, frequentam reuniões de cunho doutrinário ou mediúnico, em alguma casa específica, são denominadas pelo movimento espírita de simpatizantes, estas tomam passes, recebem benefícios assistenciais, leem a bibliografia espírita (em especial os romances mediúnicos) e creem nos postulados espíritas (da sobrevivência do espírito após a morte física, na reencarnação e comunicação dos espíritos). Neste estrato, os homens se concentram mais nos estudos sistematizados, o que lhes favorece a rápida ascensão na hierarquia de trabalhadores.

Ainda neste estrato, homens e mulheres de baixa renda e com baixo nível de escolaridade e de autoestima que se percebem impossibilitados de doar, e quando doam é na forma de trabalhos voluntários de recepção, limpeza e cozinha, ascendendo ao estrato 2.

Estrato 2. Nesta estratificação estão as primeiras funções de trabalho voluntário nas

casas espíritas, aqui se encontram os/as trabalhadores/as da limpeza, recepção (acolhimento) e entrevista de visitantes e frequentadores, médiuns passistas, evangelizadoras de infância e juventude; e que participaram (ou não) de cursos intensivos de trabalhadores (curso de passe, por exemplo). Aqui ainda se demora a grande maioria feminina em detrimento de uns poucos e raros elementos masculinos, os quais tendem a progredirem rapidamente para os próximos estratos.

Estrato 3. Aqui estão aqueles/as que por mérito ou por reconhecimento, por indicação,

aclamação e/ou por vontade própria ascenderam dos estratos 1 e 2, devido apresentarem certa experiência inata (as mulheres mais ligado à sensibilidade mediúnica e os homens, à liderança e à autoridade) ou adquirida, ter concluído os cursos doutrinários gerais (evangelho e doutrina espírita) e específicos (mediunidade, passe, doutrinação, evangelização infantil, entre outros) caso a função exija.

Pode-se situar aqui aquelas poucas mulheres que dirigem as reuniões mediúnicas ou as muitas mulheres que chefiam os departamentos de infância e juventude, tendo ao seu comando certo números de evangelizadores/as; dirigem estudos e trabalhos regulares da casa espírita, geralmente distintos de acordo com os dias da semana; ministram cursos e palestras; coordenam atividades de assistência social e assistência espiritual, também com certo número de cooperadores/as.

Os homens costumam se concentrar na atividade de divulgação da Doutrina Espírita por palestras com temas livres, conforme uma escala de revezamento mensal ou através de estudos sistematizados, com programação geralmente anual.

Estrato 4. E por fim, esta última estratificação, como procurei comprovar

historicamente, no capítulo anterior, e pela etnografia, neste capítulo, é um campo majoritariamente masculino. Aqui estão aquelas poucas mulheres que respondem legal e administrativamente pelos centros espíritas, ocupam os cargos estatutariamente determinados como presidência, secretaria e tesouraria, além do conselho fiscal; e ainda as diretorias de setor ou departamento. Estas ocupações de cargo em geral são eletivas, quer seja por escrutínio ou por aclamação, e duram por volta de dois anos, podendo haver recondução por igual período, e depois, há alternância de nomes, isto quando há pessoas dispostas a ascenderem a tais funções. A imagem da pirâmide feminina é bem adequada à estrutura social e funcional das casas espíritas, onde: a grande maioria das mulheres – como já o dissemos - está na primeira categoria, a qual podemos dizer é a mais “passiva”, ou seja, são mulheres que buscam no Espiritismo (na literatura ou nos centros espíritas) receber conhecimentos; passes; remédios (alopáticos, homeopáticos ou fitoterápicos, quando dispõem de médicos para prescreverem receitas médicas); alimentos (cestas básicas e/ou sopa); enxovais de bebê; assistência espiritual e; outros... enquanto que a pirâmide masculina é invertida, os poucos homens – quase 40%, segundo o Censo (IBGE, 2000; 2010) – se concentram nos estratos mais altos.

Em pesquisa realizada com o público pentecostal (MACHADO, 2005), descobriu-se que diferentemente dos homens, as mulheres buscam uma instituição religiosa para a solução de problemas familiares, materiais e espirituais. Possivelmente sejam essas as mesmas razões

que conduzem as mulheres, espíritas ou simpatizantes, a acessar e permanecer nas casas espíritas.

Devido a esta atitude submissa, quer por comodismo (conformação), quer por vontade própria, ou quer por descrença na sua própria capacidade, poucas destas mulheres da categoria 1 ascendem aos níveis de trabalhadores da casa espírita.

A despeito disto, há uma prática constante de captação e capacitação de novos/as trabalhadores/as.

Ao contrário deste primeiro nível de estrato social, as pessoas que compõem os três seguintes são progressivamente mais ativas na produção e distribuição de bens simbólicos e materiais oferecidos pelas casas espíritas.

Nos estratos de 2 a 4 é que se encontram aquelas pessoas que tem maior renda e maior escolaridade, como destaca o último censo:

Os resultados do Censo 2010 indicam importante diferença dos espíritas para os demais grupos religiosos no que se refere ao nível de instrução. Este grupo religioso possui a maior proporção de pessoas com nível superior completo (31,5%) e as menores percentagens de indivíduos sem instrução (1,8%) e com ensino fundamental incompleto (15,0%).(IBGE, 2010).

Pode-se com isto se inferir que – mas é necessário que se investigue melhor – os conhecimentos considerados inatos pelos espíritas e também aqueles revelados (pela mediunidade) daquelas mulheres que estão no primeiro nível tendem a não superar o conhecimento escolarizado e o doutrinário, mais facilmente acessados pelos homens, em relação à ascensão de tarefas e cargos na administração espírita.

Embora isto pareça em contradição com a pesquisa de Cavalcanti (2008, p. 53), onde identificou que as mulheres por serem as “médiuns mais qualificados do centro” exerciam cargos de liderança em determinado centro espírita. Entretanto isto é verdadeiro para a Federação Espírita Brasileira, pois com mais de um século de existência, e 20 gestões, nenhuma mulher exercera o cargo máximo de presidente.

Nos estratos 2 e 3 é que se encontram as funções mais próximas ou paralelas com o sacerdócio eclesiástico das demais denominações religiosas: estes/as espíritas, à semelhança das/os benzedeiras/ores do Catolicismo popular, ou da unção de enfermos das correntes evangélicas, os/as espíritas impõem suas mãos sobre os enfermos na prática do passe; dirigem sentidas preces espontâneas como fazem seus/ suas correspondentes durante as rezas e orações; ministram cursos e palestras à semelhança da pregação de sermões evangélicos e católicos; fazem uso da xenoglossia141 quando da comunicação de espíritos de pessoas estrangeiras, tal

como nas manifestações de dons de línguas estranhas (glossolalia), comuns no pentecostalismo; e também fazem revelações pela mediunidade de vidência ou clarividência de forma semelhante às profecias de profetas e profetizas de todos os tempos e lugares.

Como apresentei no subtítulo anterior (2.5), nas reuniões mediúnicas, como descreve Gleide Silva: “Traço característico de todos os rituais fechados que tenho assistido, a presença

dos homens é bastante reduzida. Neste mesmo, tinham apenas três, todos doutrinadores. As outras 19 pessoas eram mulheres.” (SILVA, 2006, p. 128). Ou seja, há muitas médiuns e

quando há homens este tendem a ser doutrinadores.

No quarto e último estrato social da pirâmide social espírita, estão aquelas pessoas com maior “tempo de casa”, por vezes são membros fundadores (as) da instituição, que ocupam as funções mais administrativas, e como tal mais próximas da administração empresarial, com o diferencial de que neste estrato, legalmente por ser uma organização sem fins lucrativos, não há remuneração142. Estas lideranças são majoritariamente masculinas, como se pode deduzir da

descrição de Silva:

Enquanto para as mulheres novamente se apresenta como característica constante a mediunidade, para os homens é a doutrinação que os liga. Entretanto, em quase todos aparece o desempenho de papéis relacionado à coordenação de alguma atividade e a cargos administrativos [exercidos por homens]. O que nos leva a pensar em um maior grau de envolvimento com os assuntos interno-burocráticos e responsabilidades para com o bom andamento das atividades rotineiras do centro.

(SILVA, 2006, p. 157-158)

Em quase 150 anos de Espiritismo, tanto no Brasil quanto no exterior143, pouquíssimas

mulheres espíritas e/ou mulheres-médiuns desenvolveram funções de liderança no movimento, como divulgadoras, pois a fala autorizada ou é de um espírito que assina um nome masculino ou de um encarnado do sexo masculino.

O Espiritismo tem sido marcado144 por um fenômeno de masculinização paralelo àquele descrito por Nilza Menezes (2012) em relação ao do Candomblé, onde, na atualidade, “a

142 Se nos níveis 3 e 4 não há remuneração, eventualmente nos níveis 1 e 2 podem haver, eventualmente, algumas

atividades remuneradas, regidas por contratos de trabalho regulares, ligadas funções de limpeza, vendas na livraria e lanchonete.

143 Embora a pesquisa tenha se limitado a autores consagrados (Kardec e Chico Xavier) e ao gênero doutrinário,

tive somente uma rápida percepção de que o movimento espírita no Brasil e no mundo não se destacaram mulheres, quer como liderança, quer como divulgadoras, quer como escritoras de textos doutrinários, apenas se destacando, estas, na psicografia de romances mediúnicos, tal como atualmente Zíbia Gasparetto. Futuras pesquisas em perspectiva de gênero poderão não só esclarecer a respeito da participação feminina no movimento espírita, mas, também trazer a lume muitas militantes esquecidas devido aos “silêncios da história”.

144 Embora já se perceba uma tendência atual de certa homogeneização de ambos os sexos em todas as atividades

do movimento espírita, creio que resultado da liberalização da mulher do espaço doméstico para estudos seculares e religiosos, profissionalização e outras atividades relacionadas ao espaço público, ligadas às representações masculinas. E bem como a entrada de homens em nichos exclusivamente femininos como a evangelização infantil e a assistência social nos centros espíritas.

maioria das lideranças religiosas encontra-se na mão dos homens numa religião estabelecida, geralmente, em espaços domésticos” (MENEZES, 2012, p. 17).

Pois, se o movimento espírita nasce acéfalo, ou seja, sem qualquer liderança, entretanto a maioria dos médiuns, portadores de carisma (WEBER, 2000), era constituída de mulheres e não de homens. Estes, despossuídos de carisma, ao se associaram às médiuns, foram acumulando capital simbólico (BOURDIEU, 1989) e se tornando liderança ao controlar e sistematizar a prática mediúnica. Tal como ocorreu entre as médiuns sonâmbulas e seus magnetizadores.

Assim, nos vários momentos de institucionalização e de resistência do movimento, a demarcação da divisão sexual do trabalho sempre se deu a partir das representações de gênero da sociedade na qual determinado grupamento espírita está inserido, e seguiu uma “dinâmica

social mais ampla” (SILVA, 2006, p. 160).

Assim ocorre também no Espiritismo, que sempre manteve um discurso de igualdade dos sexos, embora, na prática acabe reproduzindo, na distribuição de cargos e ocupações, antigos padrões sexistas e, pior, androcêntricos, que limitam a atuação das mulheres a funções que nada mais são do que uma extensão dos afazeres domésticos na instituição religiosa; e também limitam o exercício da sensibilidade dos homens, os quais também saem perdendo no computo geral das habilidades e competências aprendidas e desenvolvidas.(BRADBURY, 2013-b, p. 1147)

Quer em uma simples residência, quer num grande centro espírita, às mulheres está reservado o exercício da mediunidade145, devido à pretensa sensibilidade e passividade

femininas, enquanto aos homens está reservado o controle, administração e doutrinação nas práticas espíritas e bem como sua sistematização, isto devido à crença em características intrínsecas aos homens, a racionalidade e austeridade.

E por que esta postura sexista, androcêntrica e misógina, persiste? Por que as mulheres espíritas não enxergam a violência de gênero que estão expostas? E que tende a prejudicar a todos, homens, mulheres e sua prole (SAFFIOTI, 1987).

Tal como na pesquisa de Menezes (2012, p. 167), também no Espiritismo existe uma “aparente falta de consciência das mulheres sobre os discursos que permeiam a violência [de

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