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Feminismo e a inversão de papéis sexuais

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CAPÍTULO 3. O HOMEM É O CÉREBRO, A MULHER, CORAÇÃO

3.2. CATEGORIAS DE ANÁLISE DE CONTEÚDO

3.2.1. O “S EXO DOS A NJOS ”: DA T EORIA M ETAFÍSICA ÀS R EPRESENTAÇÕES DE

3.2.2.3. Feminismo e a inversão de papéis sexuais

Com Jesus, começou o legítimo feminismo. Não aquele que enche as mãos de suas expositoras com estandartes coloridos das ideologias políticas do mundo, mas que lhes traça nos corações diretrizes superiores e santificantes. (EMMANUEL

[Espírito]; XAVIER, [médium], 1971-a, p. 181)

Ana Blume (s.d., s.p.) afirma que apesar dos inúmeros benefícios conquistados pelo movimento feminista, “muitos [autores espíritas] o consideram «extremista», «agressivo»,

«desnecessário». Porém, como espíritas e estudiosos, devemos ter outra abordagem porque

[somos] melhor esclarecidos.”

O que reclama a autora é que alguns textos espíritas, franceses e brasileiros, não só foram conservadores em relação à divisão sexual do trabalho vigente como também combateram a inversão de papéis sexuais, representada pela ameaça do movimento feminista nascente.

Para Dalva Silva Souza (2007, p. 30), possivelmente, tais textos ou “interpretações

originem no meio espírita um discurso de defesa da família organizada nos moldes tradicionais, com investidas contra os movimentos [feministas] que defendem os direitos da mulher” [Grifo meu]. A postura ética da autora, a conduz no sentido de respeitar esta opinião,

entretanto afirma: “mas o Movimento Espírita não pode ser dogmático. A Doutrina propõe

liberdade e conscientização, não apoia generalizações extremistas e inflexíveis.” (SOUZA,

2007, p. 30)

Semelhante ao posicionamento de autores/as espíritas, Jane Soares de Almeida (1998) afirma que nas revistas femininas do início do século XX,

se combatia o feminismo, que era considerado uma loucura de algumas mais afoitas, e o contrapunham à feminilidade, “qualidade que deveriam ter todas as mulheres”, classificando o movimento feminista europeu e norte-americano como um fator de desequilíbrio social.(ALMEIDA, 1998, p. 34)

A Revista Espírita, fundada e publicada sob a direção de Kardec172 também muito contribuiu para reforçar o modelo de feminilidade vigente em contraposição a uma pretensa “masculinização” das mulheres, o que pode ser comprovado em textos que usam argumentos que naturalizavam e sacralizavam um ideal de feminilidade, determinado no tempo e no espaço, e destaco este:

A mulher, sobretudo, sabe-se fazer notar pela delicadeza de seus pensamentos, a graça de seus gestos, a pureza de suas palavras; tudo o que vem dela deve-se harmonizar com a sua pessoa, que Deus criou bela.

Seus longos cabelos, que ondeiam sobre seu pescoço, são a imagem da doçura, e da facilidade com a qual sua cabeça se dobra sem romper sob as provas. Refletem a luz dos sóis, como a alma da mulher deve refletir a mais pura luz de Deus. Jovens, deixai vossos cabelos flutuarem; Deus os criou para isso: parecereis, ao mesmo tempo, mais naturais e mais ornadas. (KARDEC, 2004 [1858], p. 512)

50 anos mais tarde, Leon Denis (1995 [1903]), aplicado continuador das ideias de Kardec, ainda na França, reafirmaria a crítica espírita ao feminismo, que segundo ele, exagerava em suas metas, desnaturalizando as mulheres e assim tornando-as não mais do que simples cópia, mera paródia do homem:

Uma reação, porém, já se vai operando. Sob a denominação de feminismo, um certo movimento se acentua legítimo em seu princípio, exagerado, entretanto, em seus intuitos; porque ao lado de justas reivindicações, enuncia propósitos que fariam da mulher, não mais mulher, mas cópia, paródia do homem. O movimento feminista desconhece o verdadeiro papel da mulher e tende a transviá-la do destino que lhe está natural e normalmente traçado. (DENIS, 1995 [1903], p. 78)

Já no Brasil, em 1935, em entrevista concedida para “O Globo”, Chico Xavier transmite a opinião173 do espírito Emmanuel sobre o feminismo: “A mulher não precisa masculinizar-se.

Precisa educar-se, dentro da sua feminilidade” (XAVIER [médium]; EMMANUEL [espírito],

1982 [1935], p. 92).

E na mesma entrevista, frisa o autor espiritual que o papel sexual da mulher não pode ser invertido, pois deve corresponder à sua natureza divina (na “forma admissível ao seu sexo”):

172 A presente pesquisa ficou restrita às edições da Revista Espírita de 1858 a 1869, pois tive acesso somente às

edições impressas em língua portuguesa pela Federação Espírita Brasileira (FEB) em 2004, e disponíveis no site da mesma. Faço, também, menção à edição de 1896 e de 1910, na próxima unidade de análise (3.2.2.3) ao citar a pesquisa de Marion Aubrée e François Laplatine (2009).

173 No que tange a abrangência e autoridade das representações de gênero espíritas, é interessante destacar seguinte

ressalva, atribuída ao espírito de Humberto de Campos (?): “Na resposta [do espírito Emmanuel], não está

explícito propriamente um pronunciamento geral dos “Espíritos”, como pede a pergunta [— Qual a opinião dos

Espíritos sobre o feminismo?]. Como, porém, o guia não faz restrição alguma às suas palavras, parece-nos que

pode aceitá-las como um ponto de vista coletivo. E este, como se verá, não é de todo favorável ao sentido tomado pelas chamadas conquistas feministas no panorama contemporâneo.” (XAVIER, médium; EMMANUEL,

— A mulher deve colaborar com o homem, de forma admissível ao seu sexo, nas variadas esferas de sua atividade. Mas não compreendemos como legítimo esse movimento de masculinização espetaculosa, preconizada por inúmeros orientadores do mau feminismo, os quais iludem a mulher quanto às suas obrigações no seio da coletividade.(XAVIER, [médium]; EMMANUEL [espírito], 1982 [1935], p. 92).

Cinco anos depois, o mesmo autor espiritual volta a defender a tradicional divisão sexual do trabalho - sendo que às mulheres caberiam as ações restritas ao lar, entendidas como “feminismo legítimo” - e contra o ideário de um “mau feminismo” que propunha ações contraproducentes fora do lar, tal como entendiam os espíritos comunicantes e também alguns/mas adeptos/as espíritas:

Se existe um feminismo legítimo, esse deve ser o da reeducação da mulher para o lar, nunca para uma ação contraproducente fora dele. É que os problemas femininos não poderão ser solucionados pelos códigos do homem, mas somente à luz generosa e divina do Evangelho. (EMMANUEL [Espírito] e XAVIER, [médium], 1945 [1940],

p. 48)

Tal como na bibliografia espírita, as revistas femininas, no início do século passado dirigidas às senhoras ricas e elegantes – cuja maioria de artigos era escrito pela “lavra

masculina”, ou seja, “as revistas e jornais estavam em poder dos homens” (ALMEIDA, 1998,

p. 36), daí serem “mundanas, leves e veiculavam valores burgueses” (ALMEIDA, 1998, p. 34) combatiam o movimento feminista e rejeitavam suas teses, pois eram consideradas como um fator de desintegração da família e degeneração da sociedade.

Também para Jaci Régis (RÉGIS; NOBRE; GIROLAMO, 1989 [1975], 25) o “excesso

de muitas feministas” representa uma ameaça à instituição “família”, pois, segundo ele, muitas

feministas “chegam a repudiar as relações sexuais, entendendo-as como forma de dominação

masculina e rechaçam o casamento e os filhos”. Igualmente Marlene S. Nobre (1989 [1975]),

coautora da obra “A Mulher na Dimensão Espírita” com Jacis Régis e Nancy Girolamo, adverte sobre os exageros danosos do mau feminismo:

Certamente, não podemos nos escravizar ao feminismo que enverga bandeiras políticas e sociais para defender princípios, [...] que se chocam com os ensinamentos básicos da Doutrina. [...] Nos movimentos feministas existem as exageradas, aquelas que empunham estandartes, realizando comícios, com dizeres pouco lisonjeiros "Abaixo o soutien"; 'Homens na cozinha", etc., etc. (RÉGIS; NOBRE; GIROLAMO,

1989 [1975], p. 66; 79; 83-84)

Rodolfo Calligaris (2008 [1967])174, como afirmei anteriormente, é um exemplo do

conservadorismo espírita em relação à emancipação feminina, pois, passados 110 anos da publicação de “O Livro dos Espíritos” continuava reforçando que a mulher não pode subverter as funções que Deus lhe destinou, “masculinizando-se”:

Querendo, talvez, compensar-se do longo período de escravização a que foi submetida, a mulher moderna está agora cometendo um grave erro: o de subestimar ou mesmo rejeitar a sublimidade das funções que lhe foram destinadas pela Providência, masculinizando-se no pior sentido. (CALLIGARIS, 2008 [1967], p. 146)

Digno de nota é que espíritos que assinam nomes femininos também reclamem do “mau

feminismo”, aquele que tira a mulher de sua função doméstica, de sua função materna, como

pode-se verificar na mensagem do espírito de Eugênia Braga:

As ilusões políticas, a concorrência profissional, os venenos filosóficos invadiram os lares. [...] O mau feminismo é aquele que promete conquistas mentirosas, perdido em pregações brilhantes para esbarrar, mais tarde, em realidades dolorosas. Reconhecemos, porém, que o feminismo, esse que integra a mulher no conhecimento próprio, é o movimento de Jesus, em favor do lar, para o lar e dentro do lar.

(BRAGA[espírito]; XAVIER [médium], 1971, p. 185-186.)

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