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A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Rio+

O TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA, A AGENDA ESTRATÉGICA E A RIO+

3. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Rio+

No que diz respeito à Rio+20, a Reunião de Ministros assumiu o compromisso de contribuir para o sucesso da conferência “a partir do aprofundamento de experiências bem-sucedidas no âmbito da cooperação amazônica, para atingir o desenvolvimento por meio do equilíbrio entre o aproveitamento sustentá- vel dos recursos, sua proteção e sua conservação, de maneira que promova a transformação do modelo atual em modelos de desenvolvimento sustentável, economicamente inclusivos, respeitosos com a natureza, seus ecossistemas e os direitos dos povos”. Ora veja-se, aqui conhecimento e informação estabelecem passarelas privilegiando-se as microexperiências amazônicas, fundamental para encontrar soluções adequadas à especifi cidade amazônica, o que deve ser feito com a máxima transparência.

Ainda na esfera ministerial, os Ministros de Meio Ambiente dos Países membros da OTCA, em 21.03.2012, fi rmaram a Declaração de Lima reco- nhecendo que o desenvolvimento sustentável da Amazônia é uma prioridade e deve ser realizado através de uma gestão integral, participativa, compartilhada e equitativa. Essa declaração afi rma o papel da OTCA como um mecanis- mo importante para alcançar o desenvolvimento sustentável considerando o direito dos povos e dos Estados ao desenvolvimento, o direito das popula- ções de superar a pobreza no marco de respeito e harmonia com a natureza, e do direito dos povos indígenas e outras comunidades tribais, bem como dos compromissos internacionais assumidos pelos países do TCA, notadamente os

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referentes à Mudança Climática, Diversidade Biológica e Luta contra a Deser- tifi cação e a Seca.

A Declaração de Lima reafi rma o Princípio 7º da Declaração do Rio so- bre as responsabilidades comuns, mas diferenciadas.19 Trata-se do reconhecimento de dois elementos chaves à implementação do desenvolvimento sustentável: responsabilidades comuns e responsabilidades diferenciadas. Das responsa- bilidades comuns decorre a interdependência e interconexão da natureza e o reconhecimento de uma necessária parceria global, quer dizer, da obrigação de cooperação em matéria ambiental. Responsabilidades comuns, mas dife- renciadas signifi ca que todos devem cooperar e se esforçar para a proteção do meio ambiente global. Das responsabilidades diferenciadas observa-se que há o reconhecimento de diferentes contribuições em termos de degradação ambien- tal e pressão sobre os recursos naturais, reconhecendo-se, portanto, a poluição histórica e a dívida ecológica dos países do Norte em relação aos países do Sul, o que enseja a aplicação do princípio do poluidor-pagador. Responsabilidades co- muns, mas diferenciadas estabelece um dever de assistência dos países desenvol- vidos em face dos países em desenvolvimento, para que estes consigam cumprir os compromissos internacionais ambientais e alcancem um desenvolvimento que possa ser qualifi cado de sustentável.

Na realidade, duas fórmulas principais são utilizadas para a aplicação desse princípio: a alocação de direitos ou a redistribuição de recursos. Assim, a De- claração de Lima exorta os países desenvolvidos a reconhecerem e apoiarem o papel que os povos indígenas e as comunidades tradicionais cumprem na conservação da Floresta Amazônica, e para tanto incrementarem seus compro- missos fi nanceiros a valor da efetividade e proteção de seus direitos territoriais e seus saberes ancestrais. Mais uma vez, a necessidade de participação, portanto, desses povos e comunidades tradicionais no momento de defi nição de tais po- líticas — pagamento por serviços ambientais, repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes do acesso ao conhecimento tradicional —, e, sobretudo, em seu controle, assegurando a transparência na destinação dos recursos fi nan- ceiros. Há notícias que a Presidenta Dilma Rousseff pretenda anunciar que os recursos fi nanceiros do Fundo Amazônia passarão a ser compartilhados entre

19 Esse princípio afi rma que “Os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global, para a con- servação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca interna- cional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos fi nanceiros que controlam”. O Esboço Zero do documento fi nal da Rio+20 reafi rma esse princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas.

os demais países da OTCA, e isso com o objetivo de dar uma demonstração a comunidade internacional dos esforços brasileiros para a proteção e o desen- volvimento sustentável da fl oresta amazônica.20 Entretanto, de que adiantará o compartilhamento desse fundo, enquanto internamente estamos em via de ter a sanção de um Projeto de lei de Código Florestal que coloca o país no estágio do “Apagão das Florestas”?21

A Declaração de Lima ainda afi rma que os países amazônicos devem igual- mente reduzir ou eliminar os modos de produção e consumo que não são viáveis e promover políticas demográfi cas apropriadas. Estudo realizado por Davidson e outros demonstrou que demandas internacional e nacional para o gado e a ali- mentação animal estão cada vez mais conduzindo a mudança do uso da terra na Amazônia, constituindo um dos vetores do desmatamento.22 Aqui faz-se neces- sária uma política que considere na produção os impactos ambientais e sociais dessa atividade econômica. Como salienta Ricupero, “Salta aos olhos, de igual modo, a falácia de que o desmatamento é condição do desenvolvimento, quan- do se constata que a prática é ligada ao que de mais retrógado existe no país: o latifúndio pecuarista cuja rentabilidade se deve aos subsídios e as externalida- des, isto é, aos custos da destruição não assumidos pelos destruidores, mas pela nação”23. E destaque-se, ainda, que o mesmo estudo acima mencionado aponta que a expansão de áreas protegidas teve um papel fundamental na redução do desfl orestamento na Amazônia Brasileira.24 Ou seja, há a necessidade de uma transversalidade das políticas públicas, sem o que os esforços realizados por determinadas políticas podem ser mitigados por iniciativas em outras políticas.

Ora veja-se, a necessidade de fomentar o conhecimento vem acompanha- da da necessidade da existência de espaços de refl exão e diálogo, auxiliando o poder público na tomada de decisões. Para tanto há a necessidade, em primeiro lugar, de fomentar o conhecimento em relação à Amazônia, e o projeto de “Observatório da Amazônia” deve, então, ter como objetivo a integração dos programas de pesquisa socioambientais com agendas de sustentabilidade e de- senvolvimento. Mas, como sustenta Veiga, “(...) o desempenho econômico não poderá continuar a ser avaliado com o velho viés produtivista, e sim por medida da renda familiar disponível (...) [e] será necessária uma medida de qualidade de

20 Brasil quer dividir recursos do Fundo Amazônia. O Valor Econômico, 20.04.2012.

21 SILVA, Solange Teles da. “Código Florestal e a lógica do desenvolvimento sustentável” In FIGUEIRE- DO, Guilherme José Purvin de, e alii (orgs.) Código Florestal 45 nos: estudos e refl exões. Curitiba: Letra da Lei, 2010, pp. 263-274.

22 DAVIDSON, Eric A. e alii. “Th e Amazon basin in transition” In Nature Vol 481, 19 January 2012, p. 323.

23 RICUPERO, Rubens. Op. cit., p. 37. 24 Idem, ibidem.

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vida (ou de bem-estar) que incorpore as evidências científi cas desse novo ramo que é a economia da felicidade”.25 Há a necessidade de considerar as especifi ci- dades amazônicas no estabelecimento de indicadores de sustentabilidade.

O “Observatório da Amazônia” pode ter um papel central em matéria de constituir uma plataforma para o conhecimento da biodiversidade na região — inclusive proteção do conhecimento tradicional associado — o que deverá estar associado ao conhecimento sobre o clima, a fl oresta e às águas, constituindo uma rede das pesquisas entre centros já existentes26 e propiciando a consti- tuição de novos centros onde for necessário. É fundamental que sejam reuni- das equipes interdisciplinares, cientistas ambientais e sociais, como também representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais detentores de conhecimentos tradicionais. Esse observatório poderá então propiciar, tal qual prevê o TCA, a troca de informações. Necessário destacar que a informação, de acordo com Buckland, pode ser analisada a partir de diferentes prismas de acor- do com diversas áreas do conhecimento, sendo possível distinguir a informação tangível (informação como algo corpóreo — base de dados, documentos) ou intangível (como conhecimento).27 Na Amazônia observa-se a necessidade de gerar informação, bem como de sua divulgação para propiciar bases para as tomadas de decisões. Aqui talvez o ponto crucial: refl etir sobre mecanismos que assegurem a associação entre informação-conhecimento-participação e que impulsionem decisões que considerem efetivamente a proteção da sócio e bio- diversidade amazônica.